Dos juízos temerários e das suspeitas

Fonte da imagem: Dominus Est

1 – Aquele que condenar no seu interior o próximo, sem que ele seja evidentemente culpado, ultraja a seu irmão e ofende a Deus.

2 – Quando um crime ou um culpado era denunciado a Alexandre o Grande, tapava um ouvido, dizendo: “Ofereço um ouvido ao acusador, e reservo o outro pra ouvir a defesa do acusado“. O próprio Deus a quem tudo é conhecido, não quis condenar Adão sem primeiro ouvi-lo e convencê-lo da culpa.

3 – Uma ação pode ser considerada debaixo de mil aspectos diferentes, diz S. Francisco de Sales; o homem de bem olha-a pelo lado mais belo; o mau, porém, encara-a pelo lado mais feio.

4 – Acautelai-vos de julgar compaixão, porque esta desfigura muitas vezes a verdade. Aquele que olha por um vidro de cor, vê todos os objetos da cor desse vidro; se o vidro é vermelho, tudo lhe parece vermelho; se é amarelo, tudo lhe parece amarelo. A paixão está para nós do mesmo modo que o vidro. Se alguma pessoa nos agrada, tudo lhe louvamos e desculpamos; se nos desagrada, tudo lhe condenamos, ou interpretamos tudo de um modo desfavorável.

5 – Não vos deixeis arrastar pelas aparências. O sacerdote Heli vê a Anna, que era uma santa mulher, e julga-a embriagada; porém sua aparente embriaguez não era mais do que o efeito do seu fervor ao seu Deus. A rica e formosa Judith, entrando nas tendas dos soldados, onde foi recebida com amor por Holophernes, teria parecido uma mulher mundana, e no entanto não havia naquele tempo mulher mais casta.

6 – É verdade que muitas vezes há juízos falsos, sem serem temerários, e portanto alheios de toda a culpa, por se fundarem em motivos justos. Porém o melhor é não nos ocuparmos com o que nos não diz respeito, e deixar a Deus o julgá-lo.

7 – É coisa dificílima que um bom cristão seja culpado de juízo temerário, isto é, que condene o seu próximo com certeza de juízo, sem motivos justos para isso. Ordinariamente não são senão suspeitas ou temores, e para isso bastam motivos muito menos fortes.

8 – A suspeita é permitida quando tem por objeto o cuidado dos seus próprios interesses. Aquele que receia formar suspeitas não é um homem virtuoso, mas imprudente e néscio. A caridade cristã proíbe a malícia dos pensamentos e nãoa vigilância e circunspecção.

9 – A suspeita é também permitida, e até algumas vezes de obrigação, principalmente nas pessoas que tem a seu cargo dirigir outras: como são os pais a respeito dos filhos, os amos a respeito de seus criados; pois nesse caso, trata-se de remediar um mal que existe, ou de impedi-lo quando haja motivos razoáveis para o recear.

10 – Uma coisa é supor um mal como possível, outra coisa é supô-lo como real. Na primeira suposição não há o menor pecado. Encontrais numa mata um homem armado de espingarda, que pode ser um caçador; suspeitando que talvez seja um ladrão, acautelai-vos… Nisto não cometeis pecado algum, pois suspeitais que o mal é possível, sem todavia crer que ele exista.

11 – É necessário também não confundirmos a desconfiança com a suspeita. A desconfiança ou terror é um estado passivo, que não depende de nossa vontade; a suspeita, pelo contrário, é um ato voluntário da nossa alma.

12 – A suspeita nasce muitas vezes de um temperamento tímido e propenso à tristeza. Quando não há intervenção do entendimento que distingue e da vontade que aprova, a suspeita, ainda a que não tem fundamento algum, não é pecado. Tenhamos sempre diante dos olhos o grande princípio que Santo Agostinho recomenda muitas vezes: “O mal, que não é conhecido nem é voluntário, deixa de ser um mal, isto é, deixa de ser pecado“.

Direção para Viver Cristãmente pelo Rev. Padre Quadrupani, Barnabita, 1905.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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