Endurecimento e presunção

Devoção, Domenico Induno, 1865, domínio público, Wikimedia Commons

O ímpio, depois de haver chegado ao profundo dos pecados, tudo despreza.” (Prov. XVIII, 3.)

Acaso é a bondade de Deus que te leva a diferir a conversão?

De modo que tu queres ser má, porque Deus é bom! É por isso que queres desprezar os tesouros da sua bondade e mansidão! Não vês, que Deus por isso mesmo que é bom, quer que te convertas?

Qual é o bom filho que se atreve a tentar o amor do pai com novas e constantes ofensa?

Qual é o súbito generoso que abusa da graça do príncipe, desconhecendo os seus deveres e revoltando-se contra ele?

Por isso mesmo que Deus é bom, amoroso, magnânimo e inclinado ao perdão, é que eu devo ser boa, apreciar o seu amor, aproveitar-me das suas graças e coadjuvar os desígnios da sua misericórdia.

Deus, que me perdoou já tantas vezes, dizes tu, não se negará mais tarde a receber-me nos braços da sua misericórdia, nem a estreitar-me ao seu coração de pai.

Mas esqueces-te de que a paciência do Senhor tem limites. Agora dá-te Ele graças com abundância; agora vês a claridade que te ilumina o espírito, os movimentos que faz brotar no teu coração, e o amor a que te está excitando o Deus da tua juventude. Mas será assim, amanhã?

Se Deus é o senhor do tempo, é também o autor da graça. Só uma conversão verdadeira te pode salvar; para isso precisas da graça divina, a qual Deus está sempre disposto a dar-te. Mas serás tu fiel a ela, ou aproveitar-te-ás dela para a conversão? Poderá esperar uma graça extraordinária e eficaz, quem durante tanto tempo foi surdo ao chamamento de Deus?

Quantas vezes esteve o Salvador batendo e instando ás portas do teu coração para que lho abrisses?[1]

E tu, se lhe respondias, era para lhe dirigires palavras duras, insultos e escárnios. Agora não seria para estranhar se Ele se retirasse de ti [2], ou se continuasse chamando mas, de modo que não ouças a sua voz tão distintamente como antes. Não te enganes pois. De Deus ninguém zomba [3]. Chamei e não me quisestes ouvir; estendi a minha mão, e não houve quem olhasse para mim; desprezastes todos os meus conselhos e não fizestes caso das minhas repreensões. Pois agora eu me rirei também da vossa perdição [4].

Buscai ao Senhor, enquanto o podeis encontrar; invocai-o, enquanto o tendes perto de vós [5].

Caminhai enquanto tendes luz, não seja que as trevas vos venham surpreender [6].

Apressai- vos em vos reconciliares com o adversário, enquanto estais a caminho, não vá ele entregar-vos ao juiz [7].

Tratamos de Babilônia, e ela não sarou. Deixemo-la, porque a condenação que ela merece, já chegou até aos céus, e se elevou até às nuvens [8].

Eu vo-lo digo: Muitos tentarão entrar no reino dos céus, mas não o alcançarão [9].

Talvez julgues que te será sempre fácil dizer com David: Pequei [10], e alcançar com ele o perdão; mas não basta pronunciar esta palavra de um modo vago; é preciso dizê-la com sinceridade e eficácia, como David. As palavras só por si nada valem. Também Faraó, Saul, Antíoco e o próprio Judas as pronunciaram; e contudo de nada lhes valeram.

Deus concedeu-lhes largo tempo para se arrependerem; mas eles abusaram dele para resistir ao Senhor [11]. Assim, cumpriram-se neles aquelas palavras: por fim, o coração empedernido acabará mal; [12] e aqueloutras: A morte do pecador é horrorosa [13].

Mas além disso, poderemos nós ter acaso a segurança de que faremos penitência quando estivermos prostrados na cama e em presença da morte? Então não serás tu que deixarás o pecado; ele é que te deixará a ti.

Em que estará confiado o hipócrita? Porventura ouvirá o Senhor os seus lamentos, quando sobre ele pesar a adversidade? [14]

Ó jovem! Querida Jerusalém! Repara nas lágrimas que o Salvador derrama por tua causa!

Jerusalém, Jerusalém! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha os pintainhos debaixo das suas asas, e tu não o quiseste! Por isso ficará deserta a tua casa! [15]

Não sabes que o que maior amargura causa ao Salvador é a dureza do teu coração? Se morreres jovem e impenitente, jovem te condenarás. Se viveres longos anos e dilatares a conversão, perdes muito tempo, desbaratas e profanas a juventude, que é a parte mais bela da tua vida, e mais tarde tornas a tua conversão mais incerta, mais difícil e de menos valor na presença de Deus.

Porque estás sempre repetindo amanhã? Porque estás sempre dilatando a conversão? Porque não há de ser agora? Porque não hás de por fim à tua infelicidade e ignominia neste momento, purificando-se no tribunal da penitência, começando uma vida nova e virtuosa, e ordenando a tua pobre consciência, transviada pelo remorso?

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

[1] Apoc. III, 20.
[2] Cant. V, 6.
[3] Gal. VI, 7.
[4] Prov. I, 24-26.
[5] Is. LV, 6.
[6] Joan. XII, 35.
[7] Mat. V, 25.
[8] Jer. LI, 9.
[9] Luc. XIII, 24.
[10] 2 Reis XII, 13.
[11] Jô. XXIV, 23.
[12] Ecl. III, 27.
[13] Salm. XXXIII, 22.
[14] Jó XXVIII, 8-9.
[15] Luc. XXI, 42.
[16] Mat. XXIII, 37-38.

Última atualização do artigo em 9 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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