Espírito de fé

Dai-me, Senhor, um espírito de fé que me permita manter-me em contato conVosco no meio de qualquer ocupação ou circunstância do dia.

1 – São dois os obstáculos principais que nos impedem de nos mantermos em contato com Deus no meio das ocupações quotidianas. Em primeiro lugar, o nosso olhar muito humano que nos faz considerar as pessoas e os acontecimentos quase só sob o ponto de vista terreno, material; em segundo lugar, a opacidade das criaturas, o aspecto penoso, desconcertante e até mau de muitas situações. Enquanto permanecemos em oração, aos pés do Senhor, é-nos fácil pensar que O podemos descobrir em todas as criaturas e em todos os acontecimentos; mas quando nos encontramos em contato com certas pessoas, com certas dificuldades, este pensamento de fé desvanece-se e dispersamo-nos em raciocínios humanos que nos fazem perder de vista Deus e a Sua ação no mundo. O grande remédio é cultivar um profundo espírito de fé.

A fé não nos faz somente conhecer Deus em Si mesmo, como Trindade, mas faz-nos também vê-lO em todas as criaturas e em todas as circunstâncias da vida, pois Ele está presente em toda a parte coma Sua ação providencial. Tal como Deus conhece as criaturas em relação a Si mesmo, assim a fé no-las mostra dependentes dEle e desse modo no-las faz ver e julgar um pouco como as vê e julga o próprio Deus. A fé diz-nos que no mundo não acontece nada, absolutamente nada que não esteja submetido ao governo divino. É verdade que Deus não quer o mal, porque não quer o pecado nem as consequências que dele derivam – como as injustiças, as lutas, as guerras, etc. – tolera-as simplesmente para deixar livres as Suas criaturas. E todavia, Deus intervém em qualquer situação – mesmo nas que são causadas pelo pecado – para fazer reentrar tudo no Seu plano divino, ordenado para a Sua glória, para a salvação e santificação das almas. O meu espírito de fé deve ser tão concreto que me torne bem convicto de que nenhum acontecimento, nem da minha vida particular, nem da vida social dos povos, escapa ao governo de Deus, governo tão sábio que tudo pode transformar e que sabe até tirar o bem do mal. Portanto, nada posso ver separado de Deus, e em qualquer pessoa, ou em qualquer circunstância posso encontrar Deus.

2 – A alma de fé não se encontra com Deus apenas na oração, mas, vendo-O em todas as coisas, em todas O encontra e pode manter-se em contato com Ele, mesmo no meio dos afazeres. O espírito de fé faz-lhe ultrapassar a opacidade das criaturas e dos acontecimentos humanos, pois que para além deles encontra sempre Deus. As causas segundas tornam-se-lhe transparentes, deixando-lhe ver imediatamente a Causa primeira, Deus, presente e operante em toda a parte. saber reconhecer e encontrar o Senhor em cada criatura – mesmo naquelas que nos contrariam, ofendem e fazem sofrer – em todos os acontecimentos – mesmo nos mais desagradáveis, penosos e desconcertantes – é um dos grandes secretos da vida interior. Então o mundo torna-se um livro aberto que em cada página traz escrito, a grandes caracteres, a única palavra: Deus; diante de Deus, da Sua vontade, da Sua permissão, dos Seus planos, tudo se torna secundário e entende-se então como é vão fixar o olhar nas criaturas, já que estas não são – por assim dizer – senão o véu que oculta o Criador. mas um espírito de fé tão profundo exige da nossa parte um exercício assíduo.

Nos meus encontros com o próximo – e quantas pessoas encontro durante o meu dia! – posso habituar-me a saudar o Senhor presente em cada criatura; nos deveres do meu estado, nas ordens dos meus superiores, posso ver a expressão da vontade de Deus. Em todas as circunstâncias grandes ou pequenas e até minúsculas que me ocasionam aborrecimento, incômodo, sofrimento, aumento de trabalho ou mudança de planos, devo aprender a ver outros tantos meios de que Deus Se serve para me fazer praticar a virtude: a paciência, a generosidade, a caridade. As horas de oração devem servir-me para ver, a esta luz sobrenatural, todos os pormenores da minha vida, para que, através deles, eu possa encontrar sempre o Senhor.

Colóquio – “Meu Deus, a Vossa presença está em toda a parte, contém tudo, supera tudo, conduz tudo, penetra tudo, basta a tudo e dispõe tudo para tudo governar com amor e onipotência infinita. Diante da Vossa divina presença todo o resto é nada; ela é tão grande e tão poderosa que, na realidade, absorve e faz desaparecer tudo o mais, isto é, tudo se torna nada diante de Vós.

“Ó Senhor, fazei que ei consiga subir finalmente das coisas criadas até Vós, sem me perder em vãs reflexões e distinções acerca das criaturas, mas com simplicidade e em espírito de fé, com fé viva e inabalável. Vós penetrais em toda a parte com a Vossa bondade, com o Vosso amor individual, infinito, com a Vossa onipotência. Esta verdade simplifica tudo; nela tudo se torna essencial e substancialmente uma só coisa; esta verdade ultrapassa, penetra e absorve todo o resto, tudo o que foi criado. Meu Deus, Vós estais em tudo, que tesouro! Ó Senhor, fazei que ei me mova nesta verdade onde nada me possa impressionar ou distrair de Vós, se aí me conservar bem escondida” (cfr. B.M. Teresa de Soubiran).

Dai-me, Senhor, um olhar de fé tão límpido e penetrante que, para além das criaturas e das circunstâncias humanas, eu veja sempre a Vossa mão que tudo guia e dirige, que continuamente me convida a seguir-Vos e a aderir a Vós. Fazei que, mais que as criaturas, Vos veja a Vós, que sois o Criador, presente e operante em todas as coisas. Fazei que eu saiba reconhecer-Vos no meu próximo, que eu saiba encontrar-Vos em qualquer acontecimento da minha vida. Fazei que as criaturas não prendam o meu olhar e o meu coração, mas que, embora ocupando-me delas conforme os meus deveres, tenda mais para Vós do que para elas, viva mais conVosco do que com elas. Ó Senhor, Vós sois a primeira e grande realidade, a única e absoluta realidade em que tudo tem vida e movimento! Fazei que as pequenas realidades terrenas, que de Vós tiram o ser, não ser ergam de tal maneira diante dos meus olhos, que me impeçam de Vos ver e de Vos encontrar e de me unir a Vós através de todas as coisas.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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