Fome e sede de justiça

O Sermão da Montanha (1877), pintura de Carl Heinrich Bloch - The Museum of National History - Public Domain - Wikimedia Commons

Dai-me, ó Senhor, um desejo profundo e eficaz de justiça para que me possa aproximar de Vós, justiça infinita.

1 – “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt. 5, 6), disse Jesus, falando da justiça geral que leva o homem a viver em perfeito acordo com a vontade divina, a ponto de desejar esta vontade com alimento único e indispensável da sua vida espiritual. Contudo estas palavras também podem ser aplicadas à virtude particular da justiça, sem a qual, aliás, nunca pode haver acordo com a vontade de Deus e, por consequência, nunca poderá haver santidade. Se queres viver unindo a Deus, que é a justiça infinita, deves ter fome e sede de justiça em todas as tuas ações, em todas as tuas relações com o próximo. A fome e a sede são necessidades imperiosa que não podem ser reprimidas: é questão de vida ou de morte. Assim como a comida e a bebida são absolutamente indispensáveis para a vida do corpo, assim a justiça o é absolutamente para uma vida virtuosa, e os seus deveres são tão essenciais, que nenhum motivo nos pode eximir do seu cumprimento. Se um ato de caridade para com o próximo nos ocasionasse um grave transtorno ou um prejuízo notável, não seríamos obrigados a realizá-lo; mas o mesmo transtorno ou prejuízo nunca nos poderá dispensar de cumprir um dever de justiça para com os outros. Motivos sérios poderão, por vezes, autorizar-nos a diferir o seu cumprimento, mas a obrigação permanecerá sempre e, mesmo que estivéssemos impedidos de a cumprir materialmente, deveríamos ao menos supri-la moralmente. Vem muito a propósito, portanto, falar de fome, e de sede de justiça, não já no sentido de reivindicar os nossos direitos, mas no de cultivar em nós um desejo tão vivo, uma necessidade tão presente de justiça em todas as nossa relações com os outros que não nos sintamos satisfeitos enquanto não tivermos cumprido até ao fim todos os deveres derivados desta virtude.

2 – A justiça, tal como as demais virtudes, tem os seus acérrimos inimigos nas nossas paixões e, sobretudo, no egoísmo. O egoísmo não suficiente mortificado e vencido, encontra sempre modo de fazer parecer demasiado pesados certos deveres impostos pela justiça e imaginar pretextos e subterfúgios para se eximir deles. Outras vezes o egoísmo, além de ser um apego desordenado aos interesses e direitos próprios, toma o aspecto particular de ciúme, e também neste caso é causa de injustiças. O ciumento, pior ainda, o invejoso, é quase inconscientemente levado a diminuir o mérito dos outros, a criticar e a achar sempre defeituosa a sua maneira de agi, vindo assim a prejudicar a estima de que justificadamente deveriam gozar diante dos superiores, iguais ou inferiores. Tudo isto é contrário não apenas à caridade, mas também à justiça.

Outra fonte de injustiça são as particularidades, as preferências por algum indivíduo em particular, com prejuízo daqueles que possuem direitos idênticos; e não é raro que este modo de proceder se oculte sob a máscara da caridade. Não se pode, porém, falar de caridade quando, para favorecer, defender e apoiar uma pessoa ou mostrar-se mais generoso para com ela se falta à justiça para com os outros e até, por vezes, para com uma comunidade inteira. Uma alma que tem fome e sede de justiça vigiará atentamente sobre si mesma para impedir que qualquer defeito desta natureza, embora insignificante, se insinue na sua conduta. Enquanto em nós houver paixões – e havê-las-á sempre – temos motivos para desconfiar de nós mesmos e devemos ser diligentes em examinar o móbil das nossas ações. É necessário um grande amor à justiça, à verdade e ao bem comum, é preciso muita retidão para desmascarar todas essas paixõezinhas que nos podem fazer desviar, por pouco que seja, do caminho da justiça. Vejamos a nossa justiça ao espelho da Justiça infinita, e acharemos sempre alguma coisa que corrigir ou melhorar. “Bem-aventurados os que observam os seus preceitos e praticam a justiça em todo o tempo”, canta o Salmista, porque “os homens retos verão a sua face” (Sal. 105, 3; 10, 8). O desejo de nos unirmos a Deus, Justiça infinita, mover-nos-á a uma prática cada vez mais perfeita desta virtude.

Colóquio – “Ó Senhor, aumentai em mim a fome e a sede de justiça, a fim de cumprir com amor todos os deveres que são de justiça e de obrigação para conVosco e para com o próximo, sem omitir nenhum, executando-os todos de boa vontade, ainda que desagradem à natureza. Fazei que esta fome me obrigue a progredir cada vez mais nas virtudes, considerando pouco o que já consegui e muito o que me falta ainda. Que esta fome e esta sede me dêem um desejo ardentíssimo da Vossa graça, que me levem com grande ardor aos santos sacramentos, especialmente ao Sacramento do altar, para me alimentar de Vós, o Jesus, que sois a minha justiça.

“Ó Jesus, Vós tivestes sempre tanta fome de justiça que nem sentíeis fome corporal e assim, estando um dia muito cansado e necessitado de alimento, dissestes aos Vosso discípulos: ‘a minha comida é fazer a vontade dAquele que me enviou’; e tivestes uma sede tão ardente desejando com viva ânsia aproximar dos lábios o cálice amaríssimo da Vossa Paixão, que dissestes: ‘devo ser ainda batizado com um batismo e como estou desejoso que ele se cumpra’.

“Ó meu amado Redentor, abrasai-me com o fogo do Vosso amor, donde provém esta fome e esta sede, a fim de que eu as tenha sempre do Vosso serviço como Vós as tivestes do meu resgate” (cfr. Ven. Luís da Ponte).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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