Ensinai-me, ó Senhor, a suportar com fortaleza e paciência o que me faz sofrer.
1 – Se para enfrentar e empreender coisas difíceis é preciso coragem, é ainda muito mais necessária para as suportar, sobretudo quando se trata de coisas penosas que duram longo tempo e não se podem evitar nem mudar. Neste sentido S. Tomás ensina que o ato principal da fortaleza não consiste em atacar, mas em manter-se firme nos perigos, em suportar as lutas, as contrariedades, os aborrecimentos, as perseguições, com ânimo viril.
Na vida espiritual não encontramos só dificuldades que podemos superar e vencer de uma vez para sempre com um belo ato de coragem. Mas encontramos – e com muito maior frequência – coisas difíceis e penosas às quais nos é impossível subtrair-nos e que, quer queiramos quer não, temos de suportar. São males físicos que nos esgotam e que nos impedem de exercer á vontade a nossa atividade. São dores morais, provenientes das lacunas do nosso temperamento, do contato com pessoas que nos contrariam ou que não nos compreendem ou então do desgosto de ver sofrer aqueles que nos são queridos sem os poder aliviar, do afastamento dos amigos, da solidão do coração. São penas espirituais devidas à aridez, à obscuridade interior, ao cansaço de espírito, às tentações, aos escrúpulos. São, facilmente, todos os aborrecimentos, canseiras, dificuldades, inerentes ao cumprimento do dever quotidiano. Sabemos que tudo isto foi disposto por Deus para a nossa santificação, para o nosso bem, o que não nos impede de lhe sentirmos o peso: sofrer nunca é agradável e, embora queiramos aceitar tudo por amor de Deus, surge por vezes em nós a tentação de reagir, de atirar tudo para longe, de nos subtrairmos ao jugo; ou então sentimo-nos oprimidos pela tristeza e pelo desânimo. Qual é o remédio? É o que Jesus indicou aos apóstolos depois de lhes ter anunciado as perseguições que teriam de enfrentar: “in patientia vestra possidebitis animas vestras”, possuireis as vossas almas pela paciência (Lc. 21, 19). A paciência é a virtude que nos permite viver no meio dos sofrimentos, dos incômodos, das privações, sem perdermos a serenidade; é a virtude que nos permite mantermo-nos fortes no meio das tempestades, das contradições, dos perigos, sem nos irritarmos, sem desanimarmos nem nos desviarmos.
2 – A paciência cristã não é a resignação forçada do fatalista ou do filósofo que se submete á dor porque sabe que lhe não pode fugir, nem a atitude daquele que a suporta porque é incapaz de reagir por falta de forças ou de recursos; é antes a aceitação voluntária da dor por causa de Deus e da bem-aventurança eterna, aceitação apoiada na certeza de que o sofrimento é absolutamente necessário para nos purificar do pecado, para expiarmos as próprias culpas, para nos dispormos para o encontro com Deus. A paciência cristã impele-nos a aceitar a dor com serenidade e depois, pouco a pouco, leva-nos a estimá-la e a amá-la, não por ver nela um fim, mas por a considerarmos o meio indispensável para alcançar este fim. o fim é o amor, a união com Deus. Se Jesus, para acender em nós a chama da caridade e para restabelecer as relações de amizade entre nós e Deus, quis viver uma vida de martírio e morreu na cruz, como pretenderemos nós chegar à plenitude do amor, à intimidade divina sem seguir pelo caminho trilhado por Ele? “Tendo, pois, Cristo sofrido na carne, armai-vos também do mesmo pensamento”, exclama S. Pedro (I, 4, 1); portanto abracemos também nós o sofrimento com os mesmos sentimentos com que Jesus o abraçou: fazer a vontade do Pai celeste, expiar o pecado, dar-Lhe uma prova de amor.
A paciência cristã não se limita a uma atitude passiva em face da dor, é também uma atitude ativa, voluntária – a mais importante – e é isto que a torna meritória. O homem paciente é passivo porque o quer ser, porque usa da sua vontade livre para se submeter a todos os sofrimentos que encontra no seu caminho, porque curva voluntariamente os ombros sob o jugo da dor, como Jesus curvou os Seus sob o peso da cruz, porque Ele quis, “quia ipse voluit” (Is. 53, 7). O cristão não é um cireneu forçado, é um cireneu voluntário, o que não quer dizer que vá espontaneamente em busca da dor – coisa que não está ao alcance de todos e que poderia ser até imprudente – mas que aceita voluntariamente todas as dores que encontra no seu caminho, reconhecendo nelas a cruz que Deus lhe oferece para a sua santificação.
Colóquio – “ó Jesus, o ofício das almas que admitis à Vossa intimidade é padecer convosco, erguer bem alto a cruz sem a largar das mãos, por muitos perigos em que se vejam e sem mostrar fraqueza no sofrimento.
“Ensinastes-me, ó Senhor, o grandíssimo bem que é passar trabalhos e perseguições por Vosso amor, e por isso não posso deixar de desejar trabalhos. Este é o caminho por onde Vós passastes e por onde hão de passar os que Vos hão de seguir se não se quiserem perder. Bem-aventurados trabalhos que são tão sobejamente pagos ainda nesta vida!
“De que modo, ó meu Jesus, me podereis mostrar maior amor senão querendo para mim o que quisestes para Vós?
“Ou padecer ou morrer, não Vos peço outra coisa para mim” (T.J. Cam. 18, 5; Vi. 33, 4; 11, 5).
“Ó Cristo crucificado, Vós me bastais, conVosco quero sofrer e descansar! Fazei que, crucificado interior e exteriormente conVosco, possa viver com plena saciedade e satisfação da minha alma, possuindo-a na paciência.
“Ensinai-me a amar muito o sacrifício e a tê-lo por pouco para cair na Vossa graça, ó Senhor, que não hesitastes em morrer por mim. Ó meu Amado, quero para mim todo o áspero e trabalhoso e para Vós tudo quanto é suave e saboroso” (J.C. AM. II, 13, 8, 15, 52).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico