O AMBIENTE
A heresia que dividiu e ainda divide os espíritos da antiga Europa, e desde seu início diminuiu sua vitalidade religiosa e cultural, estendendo depois sua nefasta influência até aos países da América, foi o protestantismo. Não foi uma única heresia. Desde o princípio teve diversos fundadores, continuou a ramificar-se e ainda hoje não são raras as cisões e separações no seu seio. Entre si revelam grandes diferenças doutrinárias, e muitas vezes apresentam um antagonismo hostil, mas quando se trata de uma questão contra a Igreja católica, estão geralmente unidas. Como laço de união conservam apenas seu caráter negativo, protestante. A todas é comum o “dogma” que não há magistério infalível, como o tem a Igreja católica, e que não há uma Tradição como fonte de Fé cristã, mas afirmam que cada um encontra a completa revelação na Bíblia que seria a fonte única de Fé.
Igualmente, segundo sua concepção, não há pessoa nem autoridade alguma, eclesiástica nem civil que possa dizer a outros o que devem crer. Praticamente, como o mostra a história do protestantismo, cada indivíduo, até mesmo o menos instruído nas ciências, lendo a Bíblia, a interpreta como entende, como achar mais conforme ás aspirações de seu coração, ou à comodidade de sua conduta de vida; do outro lado os chefes das diversas seitas pretendiam atribuir-se tal autoridade nos outros e prescrever-lhes a Fé.
Já se tem escrito muito sobre o protestantismo. Os livros tanto a seu favor como contra, formariam uma grande biblioteca. Neste trabalho, seguem-se apenas algumas notas sobre as razões que originaram o protestantismo e motivaram a sua celérrima propagação.
Como todas as heresias, por exemplo, a dos waldenses ou depois a de Wiclef e Hus, também o protestantismo é um fruto de seu tempo e já madurecia há muito antes de sua explosão. As contínuas lutas entre os Papas e o poder civil diminuíram tanto o poder espiritual dos Papas quanto o poder político e administrativo dos imperadores. Surgiu o pensamento nacionalista: os povos desejavam ser completamente independentes, e os reis e príncipes tentavam, de todos os modos, diminuir a influência dos imperadores nos seus domínios. Para com os súditos, porém, seguiam o absolutismo radical que o direito romano dava aos soberanos, pretendendo até dirigir os negócios da Igreja, nomeando bispos e abades nem sempre dignos de tal ofício.
A vida religiosa ao fim da idade média era ainda forte e florescente. Mas, como acontece sempre, os erros pessoais e os rebaixamentos morais chamavam mais a atenção e exerciam maior influência no povo do que o bom exemplo, o heroísmo e a santidade de muitos. Na cátedra de Pedro assentaram-se por este tempo, homens indignos ou incapazes. Alexandre VI na sua vida privada caiu em graves erros morais. Seu sucessor, Júlio II, de vida e fama limpa, foi contudo mais militar do que “bom Pastor”. Leão X, um florentino, gostava de mostrar no seu governo o brilho da cultura e das artes, mas descuidou-se de pôr em prática a séria reforma nos costumes, que se fazia necessária. Mormente por causa da construção da nova e atual basílica de São Pedro, a Santa Sé precisava de dinheiro, e foram criados nos diversos países, impostos eclesiásticos, o que causou não poucos atritos com os soberanos. Por outro lado, algumas pessoas eclesiásticas aproveitaram esta ocasião para realizar negócios simoníacos.
O povo, que já sofria muito por causa das quase contínuas guerras e guerrilhas, estava bem acessível à propaganda anti-romana e anti-clerical. Para cúmulo de infelicidade, nem os bispos cuidaram como deviam, como verdadeiros pastores, do bem espiritual dos fiéis. Determinados, pelos soberanos, não raras vezes sem vocação, para o estado eclesiástico, havia não só bispos, mas também sacerdotes e religiosos negligentes no cumprimento de seus deveres, dando um contínuo escândalo com sua vida. Por meio da arte tipográfica, pouco antes inventada por Gutenberg, foi possível jogar no seio do povo, grande número de panfletos açulando-o contra a Igreja católica e contra o clero. Não estando o povo acostumado à imprensa, o efeito desta propaganda foi fortíssimo.
Não pode ficar também esquecido o movimento do chamado “renascimento” que partindo da Itália espalhou-se por toda a Europa. Este “renascimento” não se limitou ao estudo assíduo e profundo das línguas e artes da antiguidade clássica, mas embebeu-se avidamente no espírito pagão da antiguidade. Se nas ideias religiosas os renascentistas continuavam cristãos, na sua visão cósmica, Deus já não era o centro de tudo, mas sim o homem que assim procurava tornar-se independente nas suas crenças e nos princípios morais.
O que foi pior, é que os costumes descritos pelos escritores pagãos em breve tempo, estavam em vigor também nas cortes e nos palácios, para grande escândalo do povo, que não podia deixar de se sentir atraído por aquele modo fácil de viver, apresentado com tanto brilho pelos literatos e artistas, por poetas, prosadores, pintores e escultores, que lhe davam aparente aprovação.
Naqueles tempos, imediatamente antes da heresia protestante, em certas camadas intelectuais da sociedade, reinava a filosofia do averroísmo panteísta, cujos seguidores foram verdadeiros livre-pensadores.
Já desde o século XIII houve quem negasse, por exemplo, a providência divina, a liberdade da vontade humana, a imortalidade da alma. A outros não pareciam verdadeiros os milagres narrados na Sagrada Escritura. Alguns humanistas, mais literatos que pensadores, não se cansavam de blasfemar contra a Igreja, ridicularizando-lhe as instituições e o culto divino. Tudo, na opinião destes levianos, era engano dos padres. O que até hoje vemos, os inimigos da Igreja vomitarem contra ela, já naquele tempo foi propalado entre o povo. E este, em geral pouco instruído na religião, não sabia distinguir o que era verdade, das mentiras.
O nominalismo foi outra corrente filosófica muito espalhada. Ensinava que a inteligência humana não é capaz de conhecer o que na realidade existe, e que também não pode provar ser razoável a nossa Fé. Admitia, por isto, cegamente, as verdades da revelação e dizia que a Bíblia é a fonte única da Fé. Parecia exaltar muito a Fé, na verdade, porém, destruía-lhe todo o fundamento. Outras asserções monstruosas foram ainda divulgadas pelos nominalistas, como por exemplo, que Deus pode fazer o que quiser, e que Ele pode querer até o que em si era pecado, mas que deixa de sê-lo logo que Deus o quer; e concluíam daí que o pecado nem sempre é intrinsecamente mau: que o homem pode salvar-se por própria força, se o quiser; e renovavam assim a antiga heresia do pelagianismo. Contra esta doutrina funestíssima bateu-se o augustiniano Gregório de Rímini, que ensinava em Viena de Áustria. Infelizmente ele desceu ao mesmo terreno dos adversários, adaptou-se ao nominalismo e com a doutrina de Santo Agostinho sobre o pecado original e sobre a graça, pretendeu combater o neo-pelagianismo. Tal empresa, com base por parte tão falha, teve resultados bem tortos, pois Gregório acabou afirmando, por exemplo, que o pecado original é uma real qualidade física na alma, isto é, a concupiscência.
O FUNDADOR
Nesta balbúrdia de ideias nasceu Lutero, em 10 de Novembro de 1483. É difícil descrever o caráter deste homem que ainda é um enigma na história.
Seus amigos o sublimam exageradamente. Muitos adversários seus lhe negam qualquer boa qualidade. Na verdade, ele tinha boas e más inclinações. Entrou na vereda do erro porque pretendia resolver uma grande dificuldade de Fé que o atormentava. Mas, uma vez que pusera sua opinião por cima da doutrina da Igreja, não tinha mais um esteio firme nem para solucionar seus problemas. E caiu no abismo da heresia e da apostasia.
Os pais de Lutero eram piedosos e lhe deram uma educação religiosa, mas foram muito severos para com o filho. Este tornou-se por isto, tímido e muito propenso à melancolia e à escrupulosidade. Tinha grande facilidade nos estudos e distinguiu-se sempre entre os colegas. Cedendo à vontade do pai, começou a estudar direito. Mas, num domingo, estando em passeio ele e um amigo, foram surpreendidos por uma trovoada, e um raio matou o amigo a seu lado. Lutero viu nisto a voz de Deus, e 15 dias depois, na idade de 22 anos, entrou no noviciado dos augustinianos. Parece que já antes havia pensado em tornar-se religiosos, mas a resolução foi realizada sob a impressão do acontecimento.
Na ordem, mostrou-se consciencioso em cumprir os deveres do novo estado. Com muita aplicação e grande proveito fez os estudos de filosofia e teologia e em 1507 era ordenado sacerdote. Pouco depois recebeu a nomeação de professor de filosofia. Mas ainda não tinha achado a paz de coração nem a harmonia interior. Não que sofresse tentações violentas, mas a melancolia lhe minava a alma e o problema do pecado e da concupiscência do homem, ou a questão de como o homem pecador possa encontrar o Deus propício e sua salvação, lhe martirizavam não só a inteligência mas até a própria sensibilidade. Deus lhe parecia ser apenas um juiz severo, sempre pronto a castigar o pecado. Levado por estes sentimentos, esforçava-se Lutero para cumprir sempre melhor os seus deveres religiosos, o que o foi tornando cada vez mais nervoso e escrupuloso. Às vezes julgava-se até condenado e sentia-se próximo ao desespero, porque por meio da filosofia e da teologia de seu tempo, – tinha estudado também as obras de Gregório de Rímini, – não lhe foi possível achar uma boa solução para suas dificuldades. Infelizmente ele não conhecia a genuína filosofia e teologia escolásticas.
Os seus superiores o consolavam e confortavam nestas lutas interiores, porém sem resultado permanente, como acontece com as pessoas escrupulosas, pois, como estas, também ele era muito apegado aos próprios juízos.
Foi este homem indeciso, sensível e apaixonado, sem segurança interna, que abandonou, levado pelo orgulho e pelo apego às próprias ideias, toda segurança externa e lançou-se, arrastando muitos outros, à aventura nefasta do “livre exame”.
PRIMEIROS ERROS
Desde 1512 Lutero havia se doutorado em teologia, e nos meses de inverno de 1512-1513, estudando a epístola de São Paulo aos Romanos, julgou ter encontrado a chave da solução da sua questão, nas palavras do Apóstolo: “O justo viverá da Fé” (1, 17). E no inverno seguinte, ele chegou à esta conclusão: A justiça de Deus é o seu amor, a sua benevolência para com as criaturas. o homem mesmo não pode fazer nada para a sua salvação, senão entregar-se a Deus por um ato de Fé e confiança absoluta na bondade de Deus. Mas, em si, o homem não é capaz de fazer o bem. Só Deus faz tudo nele. É verdade que Deus deu a lei, para o homem a observar. A própria finalidade da lei, porém, seria convencer-se o homem, por própria experiência, de que nada pode e que é intrinsecamente pecador, afim de que esta convicção leve-o a entregar-se incondicionalmente a Deus, fonte de todas as graças e benefícios. Em Jesus Cristo, continua Lutero, concluindo revelou-se o amor de Deus, a santidade e a justiça de Cristo se põem de permeio, entre Deus que castiga o pecado, e o homem que se sente pecador, de tal forma que Deus não pode mais ver o nosso estado pecaminoso. Assim os pecados do homem ficam apenas encobertos pela justiça de Cristo, continuando porém, aquele a ser pecador, pois o pecado é apenas encoberto, mas não apagado.
É a certeza que o homem possui da bondade de Deus, que lhe dá absoluta certeza também, de sua salvação.
Com esta teoria, Lutero sentia-se aliviado nas suas lutas interiores, o que o confirmava ainda mais em suas conclusões. Nesta época, Lutero de forma alguma quis favorecer o laxismo moral, mas sim dar a Deus toda a honra e glória, pela obra da salvação do homem. Afirma, por exemplo, que o amor de Deus produz no homem as obras de caridade para com o próximo; que essas são fruto unicamente da ação divina na alma humana que de boa vontade se entrega às atuais obras de caridade, sem resistir à graça. Mas Lutero não se cansa de repetir também que em si o homem não é capaz de uma ação boa e meritória, pois intrinsecamente é e fica pecador, corrompido pelo pecado original.
Lutero julgava ter encontrado tal doutrina na Sagrada Escritura. Como não combinava com a doutrina tradicional da Igreja, de então em diante, a palavra de Deus na Bíblia, interpretada por cada um, lhe parecia o único e eficaz meio de salvação, e lhe valia mais do que qualquer sacramento.
A Santa Igreja se lhe tornava invisível, perdia todos os contornos de um corpo unido a Cristo pela vida, pela doutrina e pela história, para ser um conglomerado de todos os que experimentavam em si a salvação, como ele. Pois se Deus faz tudo, não há mister de mediadores humanos, nem de Igreja visível, e menos ainda do Papa, que, para Lutero, parecia o próprio anticristo; não porque alguns Papas de então não tenham vivido bem, mas simplesmente porque o Papa, com o supremo poder de ensinar, de administrar os sacramentos e reger a Igreja, lhe parecia impedir a ação de Deus na alma dos homens. Não pode causar admiração que Lutero começasse então logo a negar o sacerdócio especial, e que para ele os sacramentos perdessem a importância de meios eficazes de salvação.
Esta doutrina, Lutero começou a ensinar desde 1513 na universidade e a pregá-la do púlpito das igrejas. Como porém, uma coisa arrasta a outra, em breve, ele já estava a fazer acerbas críticas às instituições da Igreja.
Faltava apenas a faísca que fizesse explodir no seio do povo esta mina de heresias. Lutero não errou em procurar ansiosamente a solução dos problemas que o martirizavam, mas cometeu o erro fatal de sobrepor sua opinião à realidade, de perder a consciência de que a Fé nos vem por intermédio da santa Igreja, pois a ela, à comunhão dos Apóstolos foi dito: “Ide, ensinai todas as nações… instruindo-as a observar estas coisas que vos tenho mandado. Eis que eu estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt. 28, 19-20).
A REVOLTA
Portanto, já muito antes de sua revolta contra a Igreja, Lutero ensinava opiniões que contradiziam a doutrina de Cristo. Faltava só um impulso ou ocasião externa para se tornar pública sua heresia. Esta ocasião chegou bem cedo.
Por causa da construção da nova basílica de São Pedro em Roma, os Papas tinham concedido indulgências a todos que os socorressem com esmolas. Para ganhar esta indulgência era necessário estar em estado de graça, isto é, era necessário receber os sacramentos, pois segundo a doutrina da Igreja, a indulgência nos concede apenas a remissão das penas temporais que nos ficam depois do próprio perdão dos pecados. A esmola mesma era penas uma condição de segunda ordem para a recepção da indulgência.
Mas alguns pregadores, ávidos de angariar muitas esmolas, não insistiram na recepção dos sacramentos e atribuíram a indulgência diretamente à esmola. Tal abuso não podia deixar de causar grande escândalo.
Quem publicou a indulgência perto de Wittenberg, onde se achava Lutero, foi o dominicano João Tetzel. Contra ele Lutero, ao meio dia de 31 de Outubro de 1517, afixou na porta da Igreja de Todos os Santos 97 teses sobre o pecado e penitência, indulgência e purgatório, e convidou o doutores a uma discussão pública sobres estas teses, que em parte estavam conforme a doutrina da Igreja e em parte a contradiziam.
Este gesto de Lutero não tinha, naquele tempo, nada de extraordinário. Era costume entre os doutores naquela época, provocar discussões públicas pela afixação de teses. O que, porém, tornou imprudente e perigoso este passo de Lutero foi o estado geral de animosidade popular contra Roma e até mesmo contra a Igreja que nos príncipes se refletia como um desejo ardente de independência política do império.
Os dominicanos junto à Santa Sé levantaram contra Lutero a suspeita de ensinar e propugnar erros contra a Fé. para se justificar, Lutero teve uma conferência de 12 a 14 de Outubro de 1518 com o cardeal Caetano. Recusou-se, porém, a revogar seus erros e pouco depois, apelou, como ele se exprimiu: “do Papa mal informado ao Papa para ser melhor informado”. No ano seguinte, na discussão pública entre Eck e Karlstadt, Lutero apoiou a este, e se viu constrangido logicamente, a negar o primado do Sumo Pontífice e a infalibilidade dos concílios ecumênicos.
Desde que explodiu esta luta aberta, se notava no caráter de Lutero uma grande mudança. Antes era de uma grande timidez e escrupulosidade, e não se lhe podia negar a boa intenção. Agora, porém, começou a mostrar-se arrogante, cada vez mais radical nas suas opiniões, mais grosseiro no palavreado, e mais teimoso nos seus juízos. Era a reação natural de seu caráter e de sua educação, fortificada por uma forte dose de orgulho que lhe era própria. tornou-se também intolerante a ponto de não admitir nenhuma opinião que não fosse invenção sua, mesmo que fosse consequência lógica de seus ensinamentos. Ensinava ele, por exemplo, que a justificação vem por um ato de fé fiducial na obra redentora de Cristo. Uma criança recém-nascida porém, não é capaz de tal ato. Por consequência o batismo não poderia causa nela a justificação. Realmente os anabatistas tiraram esta conclusão. Mas Lutero contra eles defendeu o valor do batismo de crianças com tão bons argumentos que nem um católico poderia fazê-lo melhor.
Se Lutero não tivesse encontrado uma oposição tão cerrada e dura como encontrou, talvez se tivesse calado. Mas sentindo-se contradito, para sustentar o primeiro erro, como acontece a todos os orgulhosos que não têm energia de reconhecer seu erro em frente da verdade. Irritado conta o Papa que lhe censurara 41 proposições das suas obras. Lutero atacou-o chamando-o de anticristo, e em 10 de Dezembro de 1520 queimou a bula papal que lhe comunicava a excomunhão, no caso de obstinação. Com as arrogantes palavras: “Porque entristeceste o santo do Senhor, o fogo eterno te entristeça e consuma”, jogou a bula na fogueira, na presença de muitos estudantes e do povo. Diante disto, Leão X o excomungou e a seus seguidores em 3 de Janeiro de 1521. Lutero achava-se, pois, fora da Igreja.
Em Worms o imperador o condenou também, e pôs fora da lei, e sem os direitos civis. Mas o duque de Saxônia o raptou e escondeu no castelo de Wartburgo e assim o salvou da morte.
Então, daquele mesmo castelo donde saíram 300 anos antes, pelas mãos de Santa Isabel de Turíngia o amor e a verdade, começaram a jorrar a mentira e o erro nos panfletos de Lutero.
A AVALANCHE DO ERRO
Instigados pelas ideias de Lutero, em 1524 os camponeses revoltaram-se contra a ordem social existente. Os nobres defenderam suas posições, e na luta morreram 100.000 agricultores. Em vez de falar em favor dos camponeses, que realmente era explorados, Lutero mandou que se matassem os revoltosos como cães rabugentos. Até amigos do apóstata não puderam deixar de censurar-lhe esta dureza e crueldade.
Em 1525, Lutero uniu-se com uma religiosa igualmente apóstata e dela teve 3 filhos e 3 filhas. Muitos príncipes aderiram á doutrina do herege, por verem nela um meio de se tornarem independentes do imperador.
Realmente, quando em 1529, o imperador Carlos V, em Spira, proibiu qualquer mudança até o concílio ecumênico, os luteranos protestaram contra esta decisão e os príncipes se aliaram contra o imperador. Desde então os luteranos ficaram chamados “protestantes”, se bem que eles gostem de se chamar a si mesmos de “evangélicos”.
Os protestantes desde o começo de sua ação, tinham exigido um concílio ecumênico que compusesse as divergências existentes entre eles e os católicos, mas quando em 13 de Dezembro de 1645 foi aberto o concílio de Trento, eles negaram-se a assisti-lo. Pouco depois, em 18 de Fevereiro de 1546, Lutero faleceu de repente, em consequência de um colapso cardíaco.
Nos últimos tempos, ele tinha perdido a direção do movimento que iniciara. Contra seu gosto e vontade se viu forçado a fazer uma série de concessões aos adeptos, mormente aos príncipes. Assim é que permitiu ao duque de Hássia a poligamia, isto é, ter duas mulheres.
Desgostoso de tudo, sofrendo muito do fígado e de arteriosclerose, novamente as dúvidas e remorsos o martirizavam, principalmente a respeito do passo fatal da apostasia. Mas não encontrou o caminho do regresso para o seio maternal da Igreja. Ao contrário; encheu-se sempre mais de um ódio cego contra o Papa, e não teve vergonha de contra ele publicar panfletos baixíssimos.
Fazer um juízo sobre Lutero, não é coisa fácil. Só Deus o pode e decerto o fez. Foi um homem de profunda religiosidade, às vezes confessava grande veneração à Mãe de Deus, Maria Santíssima. Mas no erro, objetiva e subjetivamente não foi inocente, se bem que não se lhe possa negar, no princípio, uma dose de boa intenção. Além disto não se deve esquecer que foi sempre doente em sua alma.
Deus que dirige tudo, fez reverter também esta revolução religiosa, para o bem espiritual de sua Santa Igreja. No século anterior o humanismo tinha posto a Igreja em grande perigo de se tornar humana demais, e os católicos perderam quase a consciência de ser ela uma instituição divina.
Lutero atacando-a, obrigou-a a refletir sobre a sua natureza íntima e intrínseca e sobre a doutrina revelada. E o concílio de Trento fez isto admiravelmente, definindo a doutrina em muitos pontos e iniciando uma verdadeira reforma na Igreja de Cristo.
A reforma não foi a que Lutero fez, mas a que ele provocou como reação vital dentro da Igreja. E os muitos que caíram no erro com folhas secas levadas pelas tempestades, já interiormente não eram bons católicos e haviam perdido o verdadeiro espírito. não se pode negar, porém, que a reforma de Lutero dividiu os povos da Europa e também da América em dois campos, o que nos tempos seguintes causou grandes guerras, como a dos 30 anos que deixou a Alemanha em incrível miséria.
Nietzsche que no seu ódio implacável contra a Igreja católica tinha um faro todo especial para o caminho de sua insana ideia anti-religosa, lamentou que Lutero desgraçadamente salvara a Igreja.
No seu “Anticristo” escreveu ele depois de ter falado de Cesar Borgia, filho bastardo de Alexandre VI, que pretendia secularizar a Igreja e teria assim abolido o cristianismo: “Que sucedeu? um monge alemão, Lutero, veio a Roma. Este monge com todos os instintos de vingança de um sacerdote desgraçado, rebelou-se em Roma contra a renascença. (Nietzsche afirmava que a renascença pagã era uma reação da vida contra a mortificação dela pelo cristianismo). Em vez de compreender, cheio de agradecimento, o prodígio feito (o cristianismo vencido na sua própria sede), seu ódio soube tira deste espetáculo, alimento apenas para si. Um homem religioso só pensa em si. Lutero viu a corrupção do papado, no entanto devia aperceber-se do contrário: a antiga corrupção, o pecado original, o cristianismo não sentava mais na sede papal, mas a vida, o triunfo da vida, o grande sim a todas as coisas elevadas, belas e audaciosas! E Lutero restabeleceu a Igreja: atacou-a. A renascença ficou um acontecimento sem sentido, um eterno em vão! Ó, estes alemães, quanto já nos têm custado! Se não se acaba com o cristianismo, os alemães têm a culpa!”
Não é como Nietzsche diz. Se não se acaba com o cristianismo é porque o sustenta a força de Deus. E a reforma protestante, em si, foi uma grande desgraça. Mas Deus sabe escrever direito em linhas tortas.
Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.