Hereges e Heresias: A “reforma” anglicana

HISTÓRIA

Desde o princípio de sua história, os ingleses são um povo conservativo, e, por causa da sua situação geográfica, independentes dos outros. No seu caráter não revelam como outros povos, um certo misticismo natural, que os incline a exageros. São de todos práticos. Se fizeram uma revolução religiosa e se tornaram protestantes, não foi tanto por questões de Fé, mas levados por seus reis e em primeiro lugar, arrastados pela sensualidade desenfreada e pelo despotismo orgulhoso de Henrique VIII (1509-1547).

HENRIQUE VIII

Por alguns homens sem prestígio a heresia de Lutero já procurara entrar na Inglaterra, mas achara a mais forte oposição, sendo que até o rei Henrique VIII defendeu mesmo por escritos a doutrina católica e fora por isto, honrado pelo Papa com o título de “Defensor da Fé”. Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão que lhe dera 5 filhos, dos quais só Maria sobreviveu. Mas uma paixão por Ana Bolena, dama de honra da corte, fez o rei quebrar sua fidelidade, e procurar o divórcio de sua legítima esposa. Recorreu ao Papa apresentando motivos ridículos, e como este se negasse a atender o pedido indébito, o rei ofendido, começou a mostrar grande hostilidade ao Papa e ao clero fiel a Roma. Tomas Cranmer, feito pelo rei arcebispo de Cantuária, que numa viagem à Alemanha se fizera protestante e casara com uma sobrinha de Osiander, cabeça de um partido protestante, em 1533 declarou inválido o casamento do rei com Catarina. já antes, clandestinamente, Henrique se tinha casado com Ana que lhe deu uma filha, Isabel.

Em Novembro de 1534, por um decreto do parlamento, o rei foi proclamado supremo e único cabeça da igreja da Inglaterra. Ao mesmo tempo saía um outro decreto, exigindo de todos um juramento de supremacia, reconhecendo os direitos absolutos do rei, também na religião. E começou a perseguição dos que não quiseram prestar este juramento, mas permaneciam fiéis na Fé; teve início o confisco em massa dos bens eclesiásticos, pois o rei nas suas guerras e no seu luxo precisava sempre de mais dinheiro.

A respeito da doutrina, Henrique VIII não fazia muitas distinções. O que ele queria era submissão prática. Por isto, perseguiu tanto os católicos firmes como os protestantes convictos.

Morreram muitos por motivo da Fé, se bem que muitas vezes se alegassem motivos políticos. Dois cardeais foram decapitados e mais 2 arcebispos, 18 bispos, 13 abades, 500 religiosos, 124 cidadãos e 110 mulheres. Bem conhecidos são os santos mártires, o bispo João Fisher e o chanceler Tomas More. Henrique VIII não se fez protestante, mas separou a igreja inglesa de Roma. E como para mostrar à História que o motivo real de sua revolta era uma sensualidade exaltada, teve 6 mulheres, das quais mandou decapitar duas.

EDUARDO VI

Seu filho, Eduardo VI (1547-1553) tinha nove anos quando subiu ao trono. Por causa de Cranmer que se correspondia com Calvino o protestantismo entrou e venceu na forma mais ou menos calvinista; introduziu-se a comunhão sob duas espécies e iniciou-se uma campanha iconoclasta, isto é, destruíram-se as imagens dos santos, e aboliu-se o celibato do clero. Como livro litúrgico editou-se o Common Prayer Book ainda hoje, pouco modificado, livro oficial da igreja anglicana. Neste foi mudado essencialmente o ato da ordenação dos sacerdotes e bispos, que por isso não são mais validamente ordenados, como ainda declarou Leão XIII. Em 1552 Cranmer compôs e editou 42 artigos de uma certa confissão de Fé: a Bíblia é a única fonte de Fé, a justificação se faz por um ato de Fé, só o batismo e a Eucaristia são sacramentos. A doutrina sobre o pecado original e sobre a liberdade da vontade humana é quase igual à católica, mas o rei é supremo cabeça da igreja.

MARIA, A CATÓLICA

Em 1553, Maria, a católica, filha legítima de Henrique VIII conseguiu tomar as rédeas do governo. Até 1558 procurou, por todos os meios, reparar o crime de seu pai. Usou até a força. O Papa foi novamente reconhecido supremo chefe e cabeça também da igreja da Inglaterra, os membros do clero que se haviam casado foram demitidos dos seus lugares, os bens eclesiásticos foram restituídos, e foram supressas as tendências protestantes. Cranmer e outros bispos e chefes protestantes foram executados.

O procedimento de Maria foi duro, porém muito menos cruel que o de Henrique VIII e de sua sucessora Isabel, e, o que se deve notar bem, era simples reparação de injustiças.

ISABEL

A rainha Isabel (1558-1603) não tinha propriamente interesses religiosos mas apenas políticos. Quis uma Inglaterra superior a tudo. E principalmente por isto, além do ódio que tinha aos católicos, é que condenou à morte sua parenta Maria Stuart, rainha da Escócia e pretendente à coroa da Inglaterra. Isabel continuou a obra de Eduardo VI e foi no seu tempo que se fundou propriamente a igreja anglicana. Os 42 artigos de Eduardo, reduziu-os a 39, como ficaram até hoje. Em 1570 começou uma segunda e mais cruel perseguição contra os católicos, havendo muitas centenas morrido pela Fé.

Assim as paixões de homens cheios de responsabilidades arrastaram a chamada “ilha dos santos” a uma trágica aventura pelo erro e pela heresia, da qual até agora não se refez.

E se bem que alguns escritores e pregadores seus tenham seguido às vezes opiniões racionalistas, sua doutrina não quebrou de todo com o catolicismo. A influência decisiva do calvinismo tende sempre a diminuir. Na sua organização, a igreja anglicana é episcopal, como fora de Inglaterra se chama diretamente igreja episcopaliana. O arcebispo de Cantuária é o primaz da Inglaterra. Na sua liturgia, ainda hoje está em vigor o Common Prayer Book.

A igreja anglicana até hoje conservou ao povo a religião. Mas em alguns pontos já começou a ceder ao espírito racionalista e naturalista do mundo, e já se nota um certo relaxamento na vida de seu membros, relaxamento contra o qual muitos reclamam. Para uma religião de tantas exigências exteriores, ou pode-se dizer, cujas maiores exigências eram as exteriores, o relaxamento é uma demonstração clara de falta de vitalidade. Em todo caso, já houve uma vez o “movimento de Oxford” e pode-se esperar que o muito sangue de mártires derramado na Inglaterra, ainda lhe seja uma semente de união com a sede da Verdade, com a Igreja Católica.

DESMEMBRAÇÕES

Mas a igreja anglicana, tendo perdido o contato com o centro vital do Cristianismo, que é o Papa, não podia escapar da dispersão, dos cismas no próprio seio: os puritanos não querem nada que possa lembrar o catolicismo. Os presbiterianos rejeitam uma organização episcopal e admitem apenas presbíteros; negam-se a ver no rei a cabeça da igreja, tornando-se assim independentes do estado e inspirando-se mais profundamente na doutrina calvinista.

Dos presbiterianos, que predominavam na Escócia e em Walles, separaram-se já em 1572 os batistas que são calvinistas mais ou menos puros. Outra separação temos nos congregacionistas que não admitem nenhuma autenticidade superior na comunidade religiosa, mas dizem que a congregação é dirigida imediatamente por Cristo mesmo.

Mais tarde, já no século 17, surgiu o ramo dos quakers, fundados por Jorge Foz, com tendências de espiritualismo e independência do estado. Ao mesmo tempo o metodismo iniciava uma renovação do espírito e da vida religiosa havendo depois se ramificado no exército da salvação. Nos Estados Unidos, para onde se transplantou o gérmen da heresia anglicana, a dispersão e divisão foram ainda maiores.

IGREJA ANGLICANA

A própria igreja anglicana compõe-se de três partidos: o primeiro é a “alta igreja”, com uma direção espiritual nitidamente conservativa, admitindo o caráter histórico da Igreja e guardando uma constituição episcopal com sacramentos e liturgia. nela surgiu no século passado o dito “movimento de Oxford”, em que professores da universidade, sob a direção e orientação de Newman e outros se dedicaram ao estudo da Igreja de Cristo com o fim de inspirar mais vida e força à igreja anglicana. Sendo homens bem intencionados não podiam deixar de chegar à verdade. E reconheceram que a Igreja Católica era e é a verdadeira Igreja de Cristo. Desde 1845 muitos deles se converteram ao catolicismo; Newman, Oakeley, Faber e ainda depois Manning. Pusey não deu o passo decisivo, mas tornou-se autor do puseyismo. E desde este tempo há na igreja anglicana o ramo do ritualismo ou do anglo-catolicismo que surgiu contra o racionalismo, e favorece uma liturgia mais ampla e solene.

O segundo partido é a chamada “igreja larga”, liberal e racionalista, e pouco se interessando pelo espírito religioso mas apenas pelo progresso cultural.

O terceiro partido é a “baixa igreja”, continuando o movimento dos metodistas. Cultiva a prática da religião, mas as questões teológicas não a interessam.

Hoje a própria igreja anglicana ainda depende do estado, posto que, desde Isabel, se conservou em muito a liberdade. Mas a maior parte dos seus bispos pertence à Câmara o que lhes empata naturalmente a ação livre a respeito do governo.

Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.

Última atualização do artigo em 4 de março de 2025 por Arsenal Católico

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