Na idade média, a Igreja caminhou a largos passos na formação de uma sociedade cristã. Depois da conversão dos povos germanos e eslavos, a Europa era quase inteiramente católica. Os imperadores se haviam declarado protetores da Igreja. Os sábios abriam a inteligência para a Verdade revelada. E assim, em todos os sentidos, brotou uma cultura de nunca vista perfeição, e em grande parte cristã.
Mas, toda luz faz sombras. Muitas igrejas possuíam grandes propriedades e latifúndios; sacerdotes indignos que apenas cobiçavam os proventos dos bens eclesiásticos, viviam em luxo, às vezes escandaloso; os grandes do mundo colocavam seus filhos nos postos da Igreja apenas pelos bens temporais, sem que eles tivessem verdadeira vocação para o sacerdócio nem espírito levantado para observar o celibato. O poder político compreendendo a força e influência da Santa Sé, procurava dominá-la. Os dinastas e imperadores se arrogavam o poder de nomear bispos e abades, e os consideravam seus vassalos.
Toda esta situação foi se agravando de modo a produzir graves chagas no corpo da Igreja. Diversos Papas se esforçaram energicamente para por termo a tai abusos. Gregório VII teve a célebre luta das investiduras, contra o imperador Henrique IV e igualmente célebre ficou a luta dos Papas contra Barbaroxa. Naturalmente isto abalou muito a autoridade da Igreja e diminuiu o respeito dos fiéis pelas prescrições eclesiásticas, porque a autoridade civil lhe negou obediência e respeito.
O ambiente era extraordinariamente propício ao surgimento de heresias. E elas apareceram. Como o humano na Igreja era a causa das faltas existentes, elas entraram pelo exagero contrário, num anti-humanismo impossível. Duas alcançaram maior influência, a heresia dos cátaros ou “puros” e as dos Waldenses.
CÁTAROS
Os cátaros também chamados albigenses por serrem ordinários da cidade de Albi, espalharam-se muito no sul da França e norte da Itália. Pretendiam fundar contra a Igreja católica uma igreja “pura” e caíram nos mesmos erros do maniqueísmo dos primeiros séculos.
Os cátaros negavam os principais mistérios do cristianismo: o da SS. Trindade, o da criação do mundo, o da redenção. Ensinaram que a alma humana, um anjo caído, depois da morte torna a unir-se a outros corpos, até de animais, chegando, por isto a proibir a matança de animais e alimentação da carne deles. Declararam-se contra toda igreja, contra os sacramentos, contra a veneração de imagens, recusaram-se a prestar juramento, ao serviço militar, condenavam qualquer guerra e toda pena de morte. Rejeitavam toda autoridade e proibiam o matrimônio. Muitos deles, para não se tornarem infiéis às promessas feitas, suicidavam-se ou foram assassinados por outros, “licitamente”, como afirmavam.
Ideias tão anti-humanas formaram um movimento finalmente perigoso para a segurança pública. E quando em 1208, o legado de Inocêncio III foi assinado pelos hereges, um grande exército francês atacou o foco principal. Vencidos e presos os chefes, o movimento perdeu pouco a pouco a força; e a atividade dos pregadores católicos principalmente dominicanos extinguiu os restos do erro.
Assim a Igreja lutando pela pureza de sua doutrina e também da ética natural venceu uma batalha que interessava toda a humanidade. Quando hoje seus adversários gratuitos a acusam de inimiga do homem e da vida não levavam só uma calúnia, cometem uma ingratidão.
WALDENSES
Ante os abusos existentes na Igreja pelo fim da idade média, muitos pensavam em reforma. Como vimos, os cátaros iam mais longe e queriam destruir a Igreja e a própria natureza humana. Os waldenses ou pobres de Lyon, tinham melhores intenções. Mas erraram o alvo de sua reforma e em vez de procurar consertar o que havia de humanamente errado na Igreja, quiseram mudar o que havia de divinamente seguro.
Waldes era um rico negociante de Lyon, no sul da França. A leitura de livros religiosos das Sagradas Escrituras e da vida dos santos encaminharam a sua conversão. Para realizar o Evangelho deu a maior parte de suas riquezas aos pobres e saiu pregando penitência de cidade em cidade. Naturalmente, encontrou logo adeptos que por sua vez deixavam os bens e saíam dois a dois percorrendo as terras em pregações. No sul da França e no norte da Itália muitos aderiram ao movimento que, aos poucos, ia se tornando intolerante e fanático. Em breve, os waldenses se puseram em oposição à Santa Igreja. Quando o bispo de Lyon lhes proibiu a pregação, não obedeceram. Em 1184 Lúcio III teve de excomungá-los, pois nas suas pregações propagavam erros: negavam, por exemplo, a existência do purgatório, o valor e proveito de nossas orações pelos mortos e nosso socorro com indulgências; condenavam, como os cátaros, o juramento, o serviço militar e a pena de morte. Não trabalhavam e queriam viver de esmolas.
Para evitarem perseguições, os waldenses da França assistiam culto católico e queriam ser considerados como católicos. Os da Itália, porém, negaram os sacramentos, ou afirmavam que o valor dos sacramentos dependia da santidade do ministro. Para escaparem à inquisição, admitiram mais tarde, os sacramentos, menos a confissão. Como sabemos, Santo Antônio trabalhou muito entre estes hereges, tanto na França como na Itália, e converteu não poucos. Na França a heresia persistiu em diversos vales dos Alpes, e mais tarde seus adeptos uniram-se aos protestantes. Na Itália, no sul da Alemanha e mormente na Boêmia, onde mais tarde se juntaram aos Husitas, por muito tempo ainda os waldenses causaram perturbações entre a população.
Os waldenses levantaram-se contra abusos realmente existentes na Igreja. Pretenderam reformá-la, mas, mal baseados em si mesmos, procuraram reformá-la pondo-se em oposição a ela. E esta atitude condenou sua tentativa ao fracasso.
Ao mesmo tempo, porém, podemos ver como se fazem as verdadeiras reformas da Igreja; numa tentativa bem semelhante à dos waldenses, mas feita com a Igreja; de dentro para fora. Naquela mesma época São Francisco de Assis lançava a ideia de um seguimento integral do Evangelho, escolhia, como disse, “a senhora pobreza por esposa” e percorria a Itália pregando penitência. Vestiu-se miseravelmente, calçava sandálias e sustentava-se com o trabalho de suas mãos, ou com esmolas, nada querendo possuir. Imitava fielmente o divino Mestre no tempo de sua vida de pregação. Uma coisa porém, o distinguia dos waldenses: sua profunda humildade e absoluta fidelidade e obediência à Igreja e à Santa Sé. Não condenava ninguém, nem mesmo os que viviam no maior luxo, mas procurava santificar-se a si mesmo e assim, converter e santificar os outros.
Desde o princípio de seu movimento, nada quis fazer sem a aprovação da autoridade eclesiástica. Para começar sozinho seu método de vida, recorreu ao bispo. Para viver em comum com seus primeiros 12 seguidores, foi a Roma pedir ao papa Inocêncio III a aprovação de sua regra. Proibiu aos seus “frades menores” pregarem sem permissão do bispo em qualquer diocese. Por esta humildade, que faltou e falta aos “reformadores” hereges, São Francisco conseguiu aquilo que desejavam os cátaros e waldenses, ao menos os de boa intenção.
Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.