HERESIAS DO OCIDENTE
ERROS CAUSADOS POR QUESTÕES PRÁTICAS
Vimos que das igrejas do oriente surgiram muitos heresias. A razão disto, está ao menos em parte, no caráter dos orientais, inclinados ao abstrato, ao fantástico e imbuídos naquele tempo das filosofias gregas. assim, tiveram início as questões trinitárias e cristológicas.
No ocidente, reinava mais o espírito e a mentalidade prática dos romanos. Este não se entregavam tanto à filosofia e às questões especulativas mas preferiam a jurisprudência, as questões mais práticas.
Bem cedo também este espírito prático e jurídico causou alguns erros na vida religiosa, principalmente quando se encheu de orgulho e independência.
QUESTÕES DA RECONCILIAÇÃO DOS PECADORES
A primeira questão prática que deu lugar a discussões e heresias versava sobre a reconciliação de pecadores públicos na Igreja.
Durante as cruéis perseguições dos primeiros séculos, não raros cristãos cedendo às ameaças, aos maus tratos ou às promessas enganadoras tinham franqueado e renegado a Fé. Muitos destes, mais tarde, arrependidos de sua fraqueza, pediram perdão e reconciliação à Igreja. Também com o crescente número de fiéis, as fraquezas humanas iam-se mostrando com mais frequência entre estes.
Alguns não viviam conforme os altos conceitos da moral cristã e, por pecados graves, tinham sido expulsos da Igreja ou excomungados.
Podiam estes receber o perdão? Esta era a questão. E como sempre houve fanáticos fariseus que, julgando-se justos, desprezam os pecadores, algumas opiniões foram contra a reconciliação dos pecadores arrependidos. Sustentavam esta opinião pensando que a Igreja devia ser, não só santa em si, mas uma igreja só de santos, excluindo de seu seio todos os pecadores. Era sem dúvida um grande exagero que frustrava a missão de Cristo, médico divino que vivera para os doentes e não para os sãos, pastor que deixava 99 ovelhas do rebanho para ir procurar a que se perdera.
Foi mormente o montanismo que, pregando uma nova época do Espírito Santo, recusou a reconciliação eclesiástica aos mais graves pecados como , apostasia da Fé, adultério e homicídio.
Tertuliano, um advogado e espírito exagerado e extremista, ao fim da sua vida defendeu esta opinião. Antes da conversão havia ele levado uma vida nem mundana e depois, com o fervor um pouco desmedido dos convertidos, propôs-se a maior pureza de coração, o que é de todo louvável, mas tornou-se intolerante para com os que ainda lutavam com fraquezas humanas.
Ele, sob a pressão dos argumentos dos católicos, reconhecia que a Igreja tinha o poder de perdoar aqueles pecados, porém achava que eles não deviam ser perdoados para que outros não pecassem com a esperança de mais tarde encontrar perdão. Tertuliano, ficou portanto, num terreno puramente disciplinar.
Pouco depois, Novaciano, presbítero romano, aproveitou-se e abusou desta opinião rigorosa como pretexto para levantar um cisma contra o Papa Cornélio, sendo o verdadeiro motivo sua insatisfação por não ter sido eleito como Sumo Pontífice; pois antes tinha aprovado plenamente a praxe mais branda da Igreja Romana, como ele mesmo documentou na sua carta à igreja de Cartago.
QUESTÃO DO BATISMO
Quase ao mesmo tempo surgiu a questão sobre o valor do batismo administrado por herege, apóstata ou outros membros expulsos da Igreja. São Paulo tinha dito que há um só batismo, como há um só Deus (Ef. 4, 5). E como só a Igreja de Cristo ensina a verdadeira religião, com razão podia-se perguntar se o batismo seria válido quando administrado por alguém que se achasse fora da Igreja.
Sem consultar a Tradição, como era devido, alguns declararam-no inválido, mesmo no caso do herege batizante observar em tudo o rito católico no ato de administrar o sacramento. Até São Cipriano teve a este respeito algumas discussões com o Papa Estêvão que seguindo a Tradição declarara válido o batismo administrado por herege.
Esta discrepância de opiniões não teve repercussão pois a perseguição valeriana, durante a qual morreu São Cipriano, veio terminá-la.
DONATISMO
Mas no fim das perseguições, aí pelo ano 310, ressurgiu a mesma questão no donatismo.
O verdadeiro motivo do ressurgimento herético daquela opinião errônea não foi religioso mas sim a ambição de uma mulher.
O bispo de Cartago, Mensúrio, tinha repreendido uma rica senhora de nome Lucila, por causa de alguns abusos que ela não queria abandonar, apesar de eles há muito estarem proibidos. Depois da morte do bispo, esta “piedosa” senhora quis colocar um membro da própria família na sede episcopal. Não o conseguindo legitimamente, fez espalhar a calúnia de que Ceciliano, o recém-eleito bispo, e Félix de Aptunga, que o havia sagrado bispo, haviam sido traidores nas perseguições anteriores, isto é, haviam entregue aos inimigos os livros sagrados. E, afirmava que, visto um pecador não poder administrar validamente um sacramento, a sagração de Ceciliano fora inválida. Lucila fez eleger Majorino por alguns bispos que tinham tido atritos com Mensúrio, e depois da morte de Majorino fez Donato subir à sede episcopal de Cartago, onde, portanto, houve dois bispos ao mesmo tempo, este e o católico Ceciliano.
Os donatistas acabaram invocando a sentença do imperador Constantino Magno. Mas o que ficou provado é que nem Ceciliano nem Félix haviam traído livros sagrados e que, por conseguinte, de forma alguma se podia duvidar da validade da sagração de Ceciliano. O sínodo de Arles (314) decidiu finalmente que as ordenações feitas por traidores são válidas. Os donatistas recorreram então a ataques à mão armada contra os católicos, e por força os tornavam a batizar.
Por causa destes distúrbios, alguns imperadores procuraram destruí-los à força, o que veio a falhar. E a Igreja africana continuou abalada e perturbada, pois quase em cada cidade havia um bispo católico e um donatista. Finalmente, depois de um século, a heresia foi vencida, não à força material e violenta, mas pela força do espírito de Santo Agostinho e outros doutores que evidenciaram o erro em que os donatistas se achavam, provando que, propriamente, o sacramento é administrado por Jesus Cristo e que o ministro humano não tem aquela importância que os donatistas lhe atribuíam, suposto que ele administre o sacramento segundo a intenção de Cristo e segundo o rito da verdadeira Igreja.
Assim refez-se no ocidente, pela caridade, a unidade da Igreja abalada pelo orgulho ou ambição de espíritos inquietos.
Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.