ARIANISMO
Nos séculos segundo e terceiro do cristianismo as duas verdades enunciadas na doutrina cristã e cuja junção forma o mistério da SS. Trindade, a existência de três Pessoas divinas e a unidade e unicidade de Deus, já haviam dado, como vimos, lugar a algumas heresias que para afirmar uma verdade, achavam que deviam negar outra, por não querer aceitar simples e submissamente o mistério. No século quarto aparece a grande heresia do arianismo, que, partindo da mesma base racionalista de querer explicar os mistérios, negou ser o Filho ou o Verbo de Deus, verdadeiro Deus e segunda Pessoa da SS. Trindade.
O autor desta heresia foi Ário, sacerdote da igreja de Alexandria. que porém estudara, na escola catequética de Antioquia, escola que desde sua fundação fora um pouco racionalista e mostrara uma tendência exagerada para negar o próprio mistério nas verdades reveladas por Deus, procurando, por todos os meios compreendê-las e fazê-las compreensíveis à inteligência humana. . .
Sem dúvida, Deus quer que nos esforcemos para entender sempre melhor a sua doutrina, mas esta tendência jamais deve excluir o mistério, nem a necessidade da fé, humilde, submissa e sincera. Os racionalistas, de então e de hoje, querem entender e explicar tudo, e negam o que não podem compreender. Não se pode negar que realmente Ário tomou muito mais “compreensível” a doutrina da unidade de Deus não somente dizendo que Ele tem uma única substância e natureza, mas também afirmando que é uma única Pessoa. Mas a questão é que para chegar a uma explicação tão fácil ele teve de negar a divindade do Verbo ou do Filho de Deus.
E ele, no seu orgulho intelectual, não teve medo desta conclusão: afirmou que o Verbo é apenas uma criatura de Deus, se bem que a criatura mais perfeita e dotada até com o poder de criar todas as outras criaturas: mas somente pura criatura. Assim, continuavam suas conclusões, Jesus Cristo em quem o Verbo aceitou a natureza humana, de forma alguma era Deus, mas apenas por suas virtudes, sua perfeição e santidade podia ser chamado, num sentido lato, Filho de Deus. Por natureza, Jesus não seria Deus mas simples homem como cada um de nós, se bem que mais rico em graça santificante.
O orgulho que Ário mostrou em querer compreender o mistério da SS. Trindade, mesmo à custa de simplificações irreais, não ficou só no intelecto. Voltando a Alexandria, Ário começou a divulgar clandestinamente a sua doutrina, sabendo perfeitamente que ela contradizia a doutrina tradicional. O bispo e patriarca Alexandre, ao receber notícia deste erro, censurou-o e exigiu de Ário que o deixasse. Cada um pode enganar-se mas quem é verdadeiramente humilde, deixa-se persuadir pela verdade, aceita conselhos, principalmente se partem de quem tem autoridade para falar. Ário, porém, nem abjurou de seu erro nem deixou de propagá-lo. Começou mesmo a usar de sofismas para enganar outros que foram se deixando arrastar.
Foi condenado o erro solenemente pelo concílio ecumênico de Nicéia, em 325, mas os arianos continuaram a propugná-lo e até a perseguir os católicos, mormente os bispos que defendiam a verdade e a doutrina tradicional do Filho de Deus ser verdadeiro Deus, da mesma natureza do Pai.
Assim Santo Atanásio, coluna firme da verdade, foi continuamente perseguido durante os 44 anos do seu bispado e, cinco vezes expulso da sua sede, passou mais de 17 anos no desterro.
O pior foi que o imperador Constâncio favoreceu abertamente os arianos, e os bispos, que muitas vezes se reuniram para decidir, não tiveram a liberdade de exprimir livremente a verdade. A confusão não foi pouca., havendo sido exilados diversos bispos e até o Papa Libério.
Com o tempo, porém, os próprios arianos foram se dividindo entre si em diversos partidos, pois jamais pode-se defender e explicar o erro unanimemente. A verdade é uma só, mas o erro é múltiplo.
Muitos arianos mais moderados foram se aproximando novamente da doutrina católica e voltaram ao seio da Igreja. Ao fim do século quarto o arianismo desaparecera no oriente, sobrevivendo, porém, entre diversos povos germânicos que tinham chegado a conhecer o cristianismo só na forma do arianismo.
Antes de desaparecer, esta doutrina nefasta estendeu-se apenas ao Espírito Santo. Foi principalmente Macedônio que admitiu a divindade do Filho mas negou a do Espírito Santo, dizendo ser este criatura do Filho. Esta heresia foi condenada no segundo concílio ecumênico, celebrado em 381 em Constantinopla, e desapareceu bem depressa.
Hoje o próprio arianismo é apenas uma lembrança histórica. teve o destino de todos os erros humanos; dividiu-se, enredou-se em contradições e….desapareceu. Mas esta lição deixou (se bem que tão pouco aproveitada): seguindo apenas a fraca luz de sua inteligência, o homem cai forçosamente no erro, principalmente quando se acha em frente das grandes realidades. Por isso é que os racionalistas incrédulos de hoje renovam os mesmos erros a respeito de Jesus Cristo, a quem negam também eles a divindade e em que vêem um simples homem.
Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.