Hereges e Heresias: Os primeiros desvios

NO TEMPO DOS APÓSTOLOS

Sendo possível a apostasia da verdadeira Fé, Vemos que realmente já nos tempos dos Apóstolos se verificaram as palavras de Cristo, e surgiram hereges e apóstatas na Igreja que ainda respirava, por assim dizer, o próprio hálito do espírito de Cristo. São Paulo já tem ocasião de se queixar de que alguns não conservavam a boa consciência e naufragaram na Fé “e entre estes Himeneu e Alexandre. os quais entreguei Satanás, para que aprendam a não blasfemar” (1 Tim 1,20); e na segunda carta a Timóteu dá o seguinte conselho: “Mas evita as conversas vãs e profanas; porque os que delas usam, passarão à impiedade ainda maior, e aí suas palavras lavrarão como gangrena. Deste número são Himeneu e Fileto, os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição é já passada, e assim pervertem a fé de alguns” (2, 16-18); e também em Corinto houve alguns que negaram a ressurreição dos mortos (1 Cor. 15,12).

Como as suas epístolas aos Romanos e aos Gálatas mostram, São Paulo, durante a sua vida, apostólica, sempre teve de lutar contra os judeu-cristãos, “que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo” (Gal. 1, 7), “Vos obrigam a ser circuncidados” (6, 12) e assim abraçar a lei de Moisés com todas as prescrições farisaicas.

No Apocalipse (Cap. 13, 8 e 12-17) São João descreve a grande apostasia dos que adoram o dragão e aceitam o sinal da besta; desta apostasia já haviam falado Jesus Cristo (Mt. 24,11) e também São Paulo (2 Tess 2, 3-12), onde o Apóstolo fala do “homem iníquo, o filho da perdição, o adversário” que se assentará até no templo de Deus; e São João na sua primeira epístola diz que virão muitos anticristãos; “saíram de nós, mas não eram dos nossos”
(2, 18-19).

Da história da Igreja no primeiro século sabemos que também Simão o mago depois de ter abraçado a Fé cristã., tornou a ensinar a sua magia, dizendo que era a encarnação do “grande poder” de Deus (cfr. Atos 8,10).

EBIONITAS – DOCETAS

Os ebionitas por este tempo rejeitaram a divindade de Jesus e exaltaram muito mais a dignidade de João Batista; os primeiros docetas, porém, negaram a realidade do corpo de Cristo e lhe atribuíram só um corpo aparente.

Contra estes, S. João escreveu o seu evangelho sublimando muito a divindade de Jesus para que todos cressem “que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (20, 31).

No segundo século. a Igreja continuava a estender-se mais ou menos por todos os povos e países conhecidos naquele tempo. E apareceram em seu seio diversas heresias; agora. nem sempre provinham dos ataques de judeus e pagãos mas sim da explanação falsa de verdades da sua doutrina.

GNOSTICISMO

No fim deste século surgiu talvez o maior perigo para a Igreja de Cristo: o gnosticismo.

Muitos pagãos que entraram na Igreja tinham seguido antes as filosofias gregas – p. ex., o platonismo ou o estoicismo. Outros haviam chegado do lado de religiões persas, que ensinavam ser a maté­ria má em si e produto de um princípio mau. E alguns destes convertidos não souberam livrar-se completamente de seus erros anteriores. Tentaram reconciliar a doutrina de Cristo com as suas ideias filosóficas, de que podiam resultar só erros e até blasfêmias. Por consequência o gnosticismo apareceu logo em inúmeras formas. Uns ensinavam o panteísmo (quer dizer: tudo é Deus, tudo faz parte da essência divina); outros o dualismo (isto é, a existência de dois princípios eternos, um bom e outro mau). Em geral todos negaram a divindade de Cristo, e sua obra redentora, como a Igreja ensina.

MARCIONITAS

A mais perigosa das ramificações do gnosticismo foi a fundada por Marcião que se atreveu a chamar o Deus do Antigo Testamento um Deus mau, em oposição ao Deus do Evangelho de S. Lucas e das epístolas de S. Paulo. Por conseguinte Marcião rejeitou os livros do Antigo Testamento assim como quase todos os do Novo… E não ficou só na doutrina. Fundou igrejas dirigidas por sacerdotes e bispos.

Do lado da Igreja, foram mormente S. lrineu, S. Hipólito e Tertuliano que combateram magistralmente o gnosticismo. O último escreveu o seu livro sobre a prescrição dos hereges, provando nele que os hereges não têm o direito de usar da Sagrada Escritura.

Como os hereges houvessem editado muitos livros sob o nome e, portanto, sob a autoridade dos Apóstolos, a Igreja naquele tempo examinou todos os escritos que apareceram sob o nome de algum Apóstolo e rejeitou os escritos falsificados. Assim é: que fui composto o “cânon” ou catálogo dos livros da Sagrada Escritura realmente verdadeiros, autênticos, inspirados por Deus.

Contra as imaginações, fantasias e “novas revelações” dos hereges, levantou a Igreja como firme barreira, a verdade de que, depois dos Apóstolos, não houve mais revelação de novas verdades; que todas as verdades reveladas por Deus se encontram ou na Sagrada Escritura ou na Tradição, e que esta doutrina autêntica e infalível se encontra só nas Igrejas apostólica, em particular na Igreja de Roma, que portanto, goza da primazia sobre todas as igrejas. É verdade que os Santos Padres daquele tempo, falaram em igrejas particulares. Contudo, nem por isso negam de forma alguma, que a Igreja de Cristo seja uma só; insistem muito até na união de todas com a de Roma, em que vêem a garantia da união (São Cipriano).

MONTANISMO

Tal situação continuou durante o século terceiro. Como nova heresia apareceu no ocidente o montanismo, fundado já ao fim do século segundo no oriente. Montano quis iniciar o período do Espírito Santo, dizendo que Deus Pai se tinha revelado no Antigo testamento, que Deus Filho em Jesus Cristo, e Deus Espírito Santo por meio dele mesmo e dos seus adeptos. Na praxe, estes hereges foram bem rigorosos: postularam por exemplo que alguns pecados não deviam ser perdoados. Até Tertuliano, ao fim da sua vida, seguiu o rigorismo dos montanistas.

MANIQUEÍSMO

Surgiu também o maniqueísmo que fala de dois princípios, bom e mau, como o gnosticismo; e, sob o manto de vida rigorosa, sabia conseguir adeptos e camuflar a sua imoralidade. Mesmo Santo agostinho, quando ainda jovem, se deixou enganar, durante, algum tempo, por esta heresia. Mais tarde, porém, foi ele mesmo quem a conseguiu extirpar no norte da África.

ERROS TRINITÁRIOS

Neste tempo, apareceram também as primeiras heresias a respeito da SS. Trindade. Não sabendo como unir os dois aspectos da verdade revelada na Sagrada Escritura: a existência de um só Deus e a de três Pessoas divinas em uma só natureza divina, muitos começaram a querer simplificar o problema.

Negava, então que o Filho (e por conseguinte, também o Espírito Santo) fosse verdadeiro Deus, ou que fosse uma Pessoa distinta do Pai. Assim alguns diziam que em Jesus Cristo, simples homem, havia só a força, a virtude de Deus, mas não a natureza divina. Esta foi a heresia de Teódoto, Ártemas e principalmente de Paulo de Samôsata.

Outros diziam que a mesma Pessoa divina aparecera sob diversas formas exteriores e que portanto não existiria diferença entre a Pessoa do Pai e a do Filho; que, em Jesus Cristo, o próprio Pai se tornou homem e sofreu por nós; que Pai, Filho e Espírito Santo são a mesma Pessoa e se distinguem só como se alguém pusesse sucessivamente três diferentes máscaras. Foi o erro de muitos, por exemplo de Noeto, Práxeas e mormente de Sabélio.

Aqui descobrimos que estes hereges consideram uma só verdade sobre Deus, que Ele é um só, rejeitaram por isso a clara doutrina de Cristo que também Ele é verdadeiro Deus e Pessoa distinta do Pai.

Vemos, portanto, que a Igreja dos mártires e dos tempos das perseguições não foi poupada de lutas interiores. Houve sempre quem, segundo, a sua própria inteligência, entendesse mal a doutrina de Cristo e a falsificasse por suas fantasias e desvios filosóficos.

A única garantia que temos de possuir a verdade, é a Igreja com seu magistério infalível para nos comunicar a religião de Cristo. Nem a própria inteligência a pode ser, nem o estudo da Sagrada Escritura feito por cada um particularmente e seguindo o próprio critério.

A história das heresias prova de sobra a insuficiência humana para sozinha, achar e guardar a verdade de Deus.

Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.

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