Levar os fardos uns dos outros

São Vicente de Paulo ajudando um pobre

Dai-me, Senhor, uma caridade pronta e atenta às necessidades dos outros, uma caridade que saiba, por Vosso amor, fazer-se tudo para todos.

1 – Todo o homem leva consigo um fardo mais ou menos pesado: é o peso das suas fraquezas físicas ou morais, é a carga dos seus deveres, das suas responsabilidades, das fadigas, das dificuldades que pesam sobre os seus ombros; portanto, sente a necessidade duma mão amiga que o ajude a suportar esse peso. Esta mão deve ser-lhe oferecida ela caridade fraterna que, por amor de Deus, sabe fazer-se tudo para todos. “Levai os fardos uns dos outros e desta maneira cumprireis a lei de Cristo”, exorta-nos S. Paulo (Gál. 6, 2). O cristão sabe que não é um ser isolado, mas que é membro de um corpo único, o Corpo Místico de Cristo: “Assim, [ainda que] muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós, membros uns dos outros” (Rom. 12, 5). Esta consciência da solidariedade com os irmãos, faz com que o cristão não viva encerrado no restrito círculo dos seus interesses pessoais, mas que tenha o coração aberto aos interesses e ás necessidades dos outros. O mistério da nossa incorporação em Cristo não é só um fato individual, é, por sua natureza, um fato social: estar enxertados em Cristo pela graça e pela caridade implica recíproca inserção entre irmãos e irmãos como os ramos de uma mesma videira que, inseridos num tronco único, se encontram estreitamente unidos uns aos outros, de maneira que vivem, crescem e se desenvolvem simultaneamente. O amor de Cristo é a expressão vital da nossa união com Ele, e quanto mais esta união se tornar profunda, tanto mais cresce o amor. De igual modo, a caridade fraterna é a expressão vital da nossa recíproca união com os irmãos em Cristo, de tal modo que, se esta caridade não fosse viva e operante, poderia dizer-se que a nossa união em Cristo e com Cristo era muito fraca ou talvez absolutamente nula.

Se a caridade e a graça nos unem a Cristo em relações tão íntimas e vitais, é evidente a necessidade de viver esta união: primeiro com Ele, nossa Cabeça, mas depois também com os irmãos, comparticipantes da nossa inserção em Cristo. Daí esta simpatia sobrenatural que nos deve ligar, tornando-nos um só coração e uma só alma, prontos a sofrer, a cansar-nos uns pelos outros, prontos a prestar uma ajuda mútua, um apoio recíproco: “Alegrai-vos com o que estão alegres, chorai com os que choram” (Rom. 12, 15), diz o Apóstolo, o que significa: compartilhar as alegrias, as penas, as preocupações, as canseiras alheias como se fossem nossas; e na realidade são-no, porque são alegrias, penas, canseiras e preocupações deste único Corpo Místico de Cristo a que pertencemos e que, portanto é nosso.

2 – Levar os fardos uns dos outros significa também suportar com serenidade e delicadeza os defeitos alheios, consequência inevitável das limitações de cada um. A Imitação de Cristo adverte-nos: “Aqueles defeitos que o homem não pode corrigir em si ou nos outros, deve sofrê-los com paciência, enquanto a Deus não aprouver dispor outra coisa” (I, 16, 1). Nos derradeiros meses da sua vida, Sta Teresa do Menino Jesus escrevia: “Ah! agora compreendo que a perfeita caridade consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em se edificar com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vêem praticar” (M.C. pg. 268).

Não é em vão que a caridade “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre” (I Cor. 13, 7). A caridade crê sempre na boa vontade alheia, muito embora misturada com defeitos, espera sempre no bem que sabe descobrir em todas as criaturas, mesmo ofuscado por mil deficiências e, o que é mais essencial, suporta tudo, nunca achando nada excessivamente pesado. Suportar, segundo a etimologia da palavra, significa pôr-se debaixo para levar um peso: e assim a caridade sente a necessidade de se curvar, por amor, para tomar sobre si as cargas dos outros, particularmente aquelas de que todos fogem por serem desagradáveis. Sta Teresa do Menino Jesus nota que se evita a companha de certas pessoas por causa das suas imperfeições naturais, como a sua falta de critério, de educação e a susceptibilidade do seu caráter. “Bem sei – diz a Santa – que estas enfermidades morais são crônicas, sem esperança de cura” e todavia conclui: “devo procurar a companhia destas irmãs que me são menos agradáveis, cumprir junto destas almas feridas o ofício do bom Samaritano” (M.C. pg. 299 e 300). Deste modo a caridade, em vez de fugir, vai ao encontro das pessoas que mais sofrem por causa das suas imperfeições naturais e morais e ocupa-se delas com tanto amor que não deixa suspeitar até que ponto lhe é custosa esta obra de misericórdia, com lhe são desagradáveis tais defeitos. A caridade tudo sofre, tudo suporta de tosto amável e sereno, sem nunca se mostrar aborrecida ou sobrecarregada pelo fardo que leva.

Colóquio – “Ó Senhor, ensinai-me a amar o próximo com toda a generosidade do meu coração, não me contentando com amá-lo como a mim mesmo, mas amando-o mais do que a mim mesmo para cumprir o Vosso preceito: ‘Amai-vos uns aos outros como eu vos amei’. Assim com Vós, Senhor, nos preferistes a Vós mesmo e o fazeis ainda todas as vezes que Vos recebemos no Santíssimo Sacramento, onde ficastes para nossa alimento, assim também quereis que tenhamos entre nós um amor mútuo tão grande que prefiramos o próximo a nós mesmos; e assim como Vós fizestes por nós tudo o que pudestes exceto o pecado – pois que o não podíeis nem devíeis cometer – assim quereis que nós falamos uns pelos outros tudo o que podemos, exceto o pecado. Fazei, pois, Senhor, que excluindo toda a ofensa Vossa, o meu amor ao próximo seja tão firme, cordial e sólido, que eu nunca recuse fazer ou suportar coisa alguma por ele. Ensinai-me a amá-lo com as obras, procurando fazer-lhe todo o bem possível, tanto à alma como ao corpo, rogando por ele, servindo-o cordialmente quando se me apresentar ocasião; porque se o meu amor se limitasse a palavras bonitas, seria bem pouca coisa e já não consistiria em amar o próximo como Vós nos amastes. Mas para chegar à perfeição do amor, não basta que eu me dê pelo meu próximo, devo prestar-me a fazer-lhe a vontade e do modo que lhe agradar, sem opor a mínima resistência; adquirirei assim maior merecimento, pois nisto consiste o grau supremo de renúncia a mim próprio” (cfr. S. Francisco de Sales).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 10 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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