Ó Mãe que tanto tendes amado os homens, ensinai-me a cumprir com perfeição o preceito da caridade fraterna.
1 – A caridade é una na sua essência, porque um é o seu objeto: Deus amado em Si mesmo, Deus amado no próximo. Por isso, quanto mais uma alma ama a Deus, tanto mais ama o próximo. Ora, se em Maria a caridade para com Deus atingiu uma profundidade abissal, deve dizer-se que também a s caridade para com o próximo foi imensa. É esta a propriedade do verdadeiro amor de Deus: em vez de fechar sobre si mesma a alma que o possui, abre-a de par em par para espalhar à sua volta aquela riqueza que a caridade acumulou nela. Tal foi a característica da caridade de Maria; apesar de toda tomada pelo amor do seu Deus e toda recolhida na contemplação amorosa dos mistérios divinos que se realizam em si e à sua volta, o seu recolhimento não a impede de se ocupar do próximo, mas seja em que circunstância for, vemo-la sempre atenta e aberta ás necessidades dos outros. A sua própria riqueza interior impele-a a querer comunicar aos outros os grandes tesouros que possui. É nesta atitude que no-la apresenta o Evangelho quando, imediatamente após a Anunciação, empreende uma viagem “à pressa” – diz S. Lucas – para visitar Isabel. Ser-lhe-ia muito agradável ficar em Nazaré a adorar, na solidão e no silêncio, o Verbo divino incarnado no seu seio, mas o Anjo anunciara-lhe a próxima maternidade da velha prima e isto basta-lhe para se sentir no dever de ir oferecer-lhe os seus humildes serviços. Pode dizer-se que o primeiro ato da Virgem, logo depois de se tornar Mãe de Deus, foi um ato de caridade para com o próximo. Deus deu-Se a Ela como Filho e Maria que se dera a Ele como “escrava”, também como “escrava” se quis dar ao próximo. Aqui mais do que nunca é evidente a estreita união que existe entre a caridade para com Deus e a caridade para com o próximo. Ao sublime ato de amor com que Maria se deu totalmente ao Senhor, pronunciando o seu “fiat”, corresponde o seu ato de caridade para com Isabel.
2 – No nascimento de jesus acontece também algo de semelhante: Maria contempla extasiada o seu divino Filho, mas isso não a impede de O oferecer à adoração dos pastores. Eis a suprema caridade de Maria para com os homens: dar-lhes o seu Jesus, logo que Este lhe é dado; não quer gozá-lO sozinha, mas quer que todas as criaturas O gozem. E tal como O apresenta aos pastores e aos Magos vindos para O adorarem, assim O apresentará um dia aos carrascos que O hão de crucificar. Jesus é tudo para Maria, e Maria, na sua grande caridade, não hesita em imolá-lO pela salvação dos homens. Pode pensar-se numa caridade maior, mais generosa? Depois de Jesus, ninguém mais do que Maria amou tanto os homens.
Outro aspecto da caridade de Maria para com o próximo é a sua grande delicadeza. Quando, após três dias de angustiosas procura, encontra Jesus no templo, a Santíssima Virgem que tanto havia sofrido com o Seu imprevisível desaparecimento, sabe esconder a sua dor sob a de José: “Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição” (Lc. 2, 48). A sua delicada caridade fê-la sentir profundamente a dor de José e antepô-la à sua, que foi certamente muito maior. Nas bodas de Caná vemos outra manifestação da delicadeza de Maria: enquanto todos estão ocupados com o festim, só Ela, tão recolhida, se apercebe do embaraço dos esposos pela falta de vinho e toma providências de uma maneira tão delicada que a coisa passa despercebida até ao chefe do banquete.
Maria ensina-nos que, quando o amor de Deus é verdadeiramente total, imediatamente se expande numa mor generoso para com o próximo, pois que – diz S. Tomás – quem ama a Deus, ama todas as coisas amadas por Deus. Se, portanto, reconhecemos que nas nossas relações com o próximo somos pouco caridosos, pouco atentos e solícitos pelas necessidades dos outros, devemos concluir que o nosso amor para com Deus é ainda muito fraco.
Colóquio – “Com que doçura e humildade de coração, ó Maria, fostes visitar Isabel! Vós, a Soberana, ides ter com a serva; vós, a Mãe de Deus, ides a casa da mãe do percursor… E com que delicadeza, em Caná, quisestes ajudar os esposos! Tivestes piedade do seu embaraço, porque sois misericordiosa e cheia de bondade. De uma fonte de ternura que poderia brotar senão ternura? É porventura estranho que um coração cheio de bondade produza bondade? Se alguém tiver na mão, durante uma parte do dia, um fruto odorífero, não conservará nela esse perfume pelo resto do dia? De quanta virtude, ó Maria, não vos haverá enchido o coração a Bondade infinita que, por nove meses, repousou em vós? Esta Bondade, antes de tomar posse do vosso seio, invadiu o vosso coração. E quando deixou o vosso seio, jamais Se afastou da vossa alma” (S. Bernardo).
Ó Virgem santa, é precisamente esta caridade, fruto da vossa íntima união com Deus, que fazeis transbordar sobre todos os homens, dignando-vos acolhê-los no amplo abraço do vosso imenso amor. A mesma caridade que toda vos inflamou de amor pelo Eterno, acendeu também em vós o amor pelos homens, pois que os olhais, não em si mesmos, mas em Deus, considerando-os como Suas criaturas, como Seus filhos. A mesma caridade que vos consagrou ao serviço do Altíssimo, consagrou-vos também ao serviço da humanidade, e assim, vós amais todas as criaturas e me amais também a mim, embora tão miserável.
Ó Maria, e verdade que também em mim, desde o dia do meu batismo, o Espírito Santo difundiu a Sua caridade, mas o meu egoísmo deteve o seu desenvolvimento e eu, que tão pouco amo o meu Deus, tenho também pouco amor para com o meu próximo. Vede vós, ó Mãe amorosíssima, a necessidade que tenho de dilatar o meu coração na caridade! Despertai, pois, e alimentai em mim esta virtude e fazei que, dando-me ao serviço de Deus, saiba dar-me também ao serviço do próximo, com doçura e humildade, com prontidão e generosidade.
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.