Alessandro Allori, “Cristo na Casa de Maria e Marta”, 1605 (foto: Domínio Público)

Ó Senhor, que eu Vos ame com o coração de Maria e que Vos sirva com a generosidade de Marta.

1 – Dois grandes atrativos dominam a alma que se deu seriamente a Deus: o atrativo da oração solitária e silenciosa para mergulhar em Deus, para escutar a Sua voz, para penetrar os Seus mistérios e, sobretudo, para se unir intimamente a Ele; e o atrativo do apostolado do sacrifício diligente e generoso pela salvação dos irmãos. A fim de se recolher em Deus, a alma “quereria fugir dos homens e tem grande inveja dos que vivem e têm vivido nos desertos. Por outra parte quereria meter-se no meio do mundo para conseguir que ao menos uma alma louvasse mais a Deus” (T.J. M. VI, 6, 3). É este o duplo movimento da caridade que, sendo ao mesmo tempo amor de Deus e amor do próximo, impele à união com Deus e ao serviço do próximo; se faltasse um destes movimentos, a caridade não seria perfeita. O desenvolvimento da vida interior encerra este duplo atrativo que é indício e meio de progresso e, simultaneamente, tormento para a alma que não sabe ainda manter um perfeito equilíbrio entre as duas tendências. A qual delas dará a preferência? À ação ou à contemplação? Na prática, o problema deve resolver-se à base das exigências dos deveres do próprio estado, das disposições da obediência e das circunstâncias concretas permitidas por Deus. Um desejo de contemplação que levasse a alma a distrair-se e desviar-se do cumprimento do dever, não seria conforme com a vontade de Deus, e Deus tem todo o direito de nos pedir também a renúncia a este desejo para nos enviar em serviço do próximo. A Madalena, feliz por finalmente ter encontrado Jesus e ansiosa por ficar a Seus pés, o Mestre ressuscitado ordenou: “Vai a meus irmãos” (Jo. 20, 17); e ela, dócil, partiu a anunciar-lhes a ressurreição. Por outro lado, é verdade que também se deu o contrário, quando Jesus disse aos Apóstolos que regressavam da pregação: “Vinde à parte a um lugar solitário” (Mc. 31, 6), convidando-os a suspender a atividade apostólica para retemperarem o seu espírito no silêncio e na oração, a sós com Ele. O verdadeiro caminho que nos impede de nos desviarmos num ou noutro sentido, é sempre o do dever, o da vontade de Deus, o da inspiração interior, controlado por quem tem autoridade para dirigir as nossas almas.

2 – Para harmonizar interiormente o atrativo do apostolado e o da união com Deus, é necessária uma solução mais profunda que não pode vir do exterior, mas só do interior, e que consiste num maior progresso nas vias do espírito, de modo a atingir um mais alto grau de amor. O amor é a única raiz de que brotam a ação e a contemplação; é a única força que, alimentando ao mesmo tempo estas duas atividades, consegue por fim fundi-las numa perfeita harmonia para darem melhores frutos. Nascidas do tronco único de um amor já forte, ação e contemplação fundem-se então no perfeito amor.

A caridade perfeita faz com que a alma, recolhida em contemplação aos pés do Senhor, seja mais ativa e fecunda do que nunca para o bem dos irmãos: “Um pouquinho deste puro amor [o amor solitário que floresce no contato íntimo com Deus] aproveita mais à Igreja – que todas essas obras juntas… Portanto – declara S. João da Cruz – se uma alma tivesse alguma coisa deste grau de amor solitário, grande agravo lhe fariam assim como à Igreja se, ainda que por pouco tempo, a quisessem ocupar em coisas exteriores ou ativas, embora fossem de muita importância” (C. 29, 2-3). Nas regiões do amor puro, ou seja, da caridade perfeita, contemplação e apostolado identificam-se, completam-se, exigem-se mutuamente. Chegada a este grau a alma contemplativa é eminentemente apostólica e a maior atividade que pode exercer em benefício dos irmãos, é a da sua oração solitária, alimentada pelo amor, pelo sacrifício, pela imolação. Por outro lado, a caridade perfeita faz também com que a alma empenhada nas obras apostólicas esteja ao mesmo tempo mais unida a Deus e seja mais contemplativa do que nunca. O amor fixou-a de tal maneira em Deus que, mesmo durante o trabalho, o seu olhar interior está sempre voltado para Ele para se alimentar da Sua divina presença, para refletir na própria conduta as Suas perfeições infinitas, para se regular em tudo segundo a expressão do Seu beneplácito. Deste modo a ação e a contemplação fundem-se numa unidade e harmonia perfeitas no vértice da vida espiritual. “Crede-me – escreve S.ta Teresa – que Marta e Maria devem andar juntas para hospedar o Senhor e tê-lO sempre consigo, e para não Lhe fazer má hospedagem não Lhe dando de comer… O Seu manjar é que, de todas as formas que pudermos, Lhe ganhemos almas para que se salvem e O louvem para sempre” (M. VII, 4, 12). Daqui foram grandes apóstolos, e os grandes apóstolos foram grandes contemplativos.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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