Que o Vosso amor, ó Deus, amadureça a minha alma e a torne capaz de se dar plenamente ao serviço das almas.
1 – Poderíamos perguntar se o apóstolo se pode entregar livremente ao apostolado quando atinge aquele grau de união com Deus em que a chama do zelo arde espontaneamente. A verdade é que a alma chegada a este ponto não pode nem deve eximir-se do dom de si. Quer esteja consagrada à contemplação ou à ação, quer viva na solidão do claustro ou no meio do torvelinho do mundo, a sua vida consiste doravante em dar-se incessantemente: dar-se a Deus em proveito do próximo, dar-se ao próximo para glória de Deus. Sufocar esta tendência seria retroceder e empobrecer a própria vida espiritual; é esta a época em que a alma se deve enriquecer mediante a doação de si, vivida no exercício de um intenso apostolado interior ou exterior. Porém os santos ensinam-nos que a prudência ainda é necessária e não se deve cessar de vigiar, pois que o fato de ter recebido a graça interior do apostolado não significa estar confirmado na graça. S.ta Teresa di-lo expressamente: “Conheci pessoas muito adiantadas a quem, depois de terem chegado aqui o demônio com a sua sutileza e ardil, tornou a ganhar para si” (M. V, 4, 6); e pouco antes tinha dito: “Quantos devem ser aqueles que, chamados pelo Senhor ao apostolado, honrados por Jesus, pelas Suas comunicações… se perdem depois por sua culpa!” (ib. 3, 2). Naturalmente vem a memória o grito, cheio de humildade e desconfiança de si, saído do coração de Paulo, o Apóstolo arrebatado ao terceiro céu: “não suceda que tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a ser réprobo” (I Cor. 9, 27). Enquanto estamos neste mundo temos sempre razões para temer; infelizmente temos sempre a triste possibilidade de não corresponder à graça e a nossa ruína consiste precisamente em nos apartarmos, embora só em coisas pequenas, da vontade de Deus; assim, retrocederemos pouco a pouco. “Por isso, almas cristas a quem o Senhor conduziu a tai alturas – exclama S.ta Teresa de Jesus – por Ele vos peço que não vos descuideis, mas que vos aparteis das ocasiões; e acrescenta: “porque parece que todo o inferno se junta para este fim [para fazer desviar um apóstolo] pois não se perde uma alma somente, mas uma grande multidão” (M. V. 4, 5 e 6). Pelo contrário, se o apóstolo se mantém fiel à graça do apostolado, se o apóstolo se mantém fiel à graça do apostolado não só se torna instrumento para a salvação de muitos, mas enriquece imensamente a sua vida interior.
2 – Para não faltar à graça do apostolado são particularmente necessárias três cautelas. Em primeiro lugar é preciso ter sempre grande cuidado em manter-se na humildade, fugindo das vozes lisonjeiras dos louvores e dos êxitos e opondo-lhes o quadro das próprias misérias, assim como o das “tristes figuras”, dos erros cometidos e dos fracassos sofridos no apostolado. Se Lúcifer caiu por orgulho, sendo um espírito puro, não é impossível que por orgulho caia um apóstolo que, sendo homem, está sujeito à matéria. Além disso é indispensável uma cuidadosa atenção para manter o contato íntimo com Deus, porque assim como o ferro só se põe incandescente e brilha em contato com o fogo, também o apóstolo só difunde luz e calor divinos se se mantiver unido Àquele que é a sua única fonte.
Finalmente é da máxima importância perseverar no perfeito desapego do juízo e da vontade própria. S. João da cruz adverte, a este propósito, “que entre os muitos meios usados pelo demônio para enganar os espirituais, o mais comum é enganá-los com aparência de bem e não com as aparências de mal; pois sabe que, conhecido o mal, dificilmente o tomariam” (Ct. 10). Por isso, para não cair na cilada, o Santo incita-o a não empreender “coisa alguma, por boa que pareça e cheia de caridade” (ib. 11) sem a aprovação da obediência. Este aviso serve não só para os religiosos, mas para todos os que trabalham no apostolado, porque todos devem submeter-se à Autoridade eclesiástica. Ainda que uma obra, uma iniciativa, um método de apostolado, obtivessem os melhores resultados, se a Autoridade eclesiástica, por qualquer motivo, os não aprovasse, o apóstolo deveria estar disposto a renunciar imediatamente a eles, sem críticas, sem lamentações, sem artifícios com que procurasse fazer triunfar os seus pontos de vista.
Protegido por uma profunda humildade, por um desprendimento sincero, sustentado por uma união íntima com Deus, o apóstolo pode andar pelos caminhos do mundo sem temor algum pela sua vida espiritual.
Colóquio – “Senhor, as almas que estiveram mais junto de Vós, como a Vossa gloriosa Mãe e os Vossos gloriosos Apóstolos, foram as que mais trabalharam e mais sofreram por Vós, não tendo repouso algum.
“Ó meu Deus, quão esquecido deve ter o seu descanso a alma que vive profundamente unida a Vós! E quão pouco se lhe deve dar da honra! Quão longe deve estar de querer ser tida em alguma conta! Porque se ela se entretém muito conVosco, como seria razão, pouco se deve lembrar de si mesma, e toda a memória se lhe vai em como Vos possa contentar cada vez mais, em quê ou porque meios Vos mostrará o amor que Vos tem. Ó Senhor, Vós ensinais-me que este é o fim da oração e que para isto tende a união conVosco: produzir obras e mais obras.
“Se fixar os olhos em Vós, divino Crucificado, tudo me parecerá pouco. Se Vós me mostrastes o Vosso amor com tão espantosas obras e tormentos, como Vos quererei contentar só com palavras? Oh! fazei que eu saiba dar-me a Vós como Vossa escrava para que, marcada com o Vosso sinal, que é o da cruz, Vós me possais vender por escrava de todo o mundo! Eis o que quer dizer ser espiritual deveras.
“Unida a Vós, divino Forte, participarei da Vossa fortaleza como dela participaram os santos, a fim de trabalhar com grande zelo pela Vossa glória, a fim de padecer e morrer por Vós, para Vos conquistar muitas almas” (cfr. T.J. M. VII, 4, 5-10).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico