MÊS DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
OITAVO DIA
A pena do dano
MEDITAÇÃO
I. A maior pena do purgatório é a do dano, que consiste em estar apartado de Deus. As penas do sentido, redobradas cem e mil vezes, diz S. João Crisóstomo, nada são em comparação da dor, que padece a alma ao considerar-se indigna das vistas da Majestade divina, e ao ser expulsa da sua presença. Uma alma apartada de Deus é uma alma apartada do seu centro, e, ainda que isso seja temporário, contudo, como é por sua culpa, seu estado a lança em tal desolação que nenhuma língua humana a poderia exprimir. E nós tantas vezes perdemos a Deus sem que isso nos inquiete! Vê-se bem que somos subjugados pelos sentidos, tornando-nos vivos escravos do pecado.
II. Quando a alma se desprende do corpo, separa-se de tudo quanto é sensível: deixa o mundo, e ainda mais que os corpos para o seu centro de gravidade, se volta ela para Deus, aspira a ele com todas as suas faculdades, como um rio, cuja corrente, dividindo-se em muitas partes, reúne-se enfim num só leito e corre para o mar com toda a impetuosidade das suas grandes águas. Mas, se na sua embocadura encontra um forte dique que o detenha, eleva-se, ferve, rebrama e faz todos os esforços para derrubar o obstáculo que se opõe à sua passagem; assim, a alma, quando chega ao feliz momento de ver a Deus, vendo-se detida no purgatório pela justiça, consterna-se, atormenta-se e não encontra paz nem repouso até entrar no seio de seu supremo bem. Que desejo sentimos nós de unirmo-nos a Deus? Sente-se tanto mais este desejo, quanto mais afastado se está do mundo, e se o não experimentamos nós, é que somos do mundo e não de Deus.
III. Tendo Davi perdoado a Absalão, permitiu-lhe que voltasse à côrte, mas sem querer admiti-lo à sua presença. Foi tão sensível esta recusa àquele filho, – por ingrato que fosse, – que preferia voltar para o exílio e sofrer a mesma morte; deplorava a sua sorte com tantas lágrimas, que a côrte tornou-se-lhe uma morada de tristeza e de dor. As almas do purgatório já não estão asiladas na terra, e a glória do paraíso é-lhes certa; mas por causa das suas imperfeições, não pode ainda a justiça divina admiti-las à visão beatífica. São detidas naquele lugar de purificação, e seus desejos, suspiros e gemidos são tão contínuos e profundos, que não só fazem ressoar as abóbadas da sua prisão, mas chegam até ao céu. Que também cheguem aos nossos ouvidos, para nos excitarem a trabalhar com todas as nossas forças junto da clemência divina, afim de que as almas que sofrem sejam consoladas com a vista de seu Pai celeste.
SÚPLICA
Consolai, Senhor, aquelas almas que ardentemente desejam reunir-se a vós! A sua natureza fá-Ias propender para vós, como para o único objeto dos seus desejos; é unicamente a vós que elas aspiram, e não suspiram senão por Deus. Despachai, pois, os seus ardentes votos, ó Senhor, dando-vos prontamente a elas; dai-lhes o prêmio, a felicidade e a coroa que vos pede o seu amor.
EXEMPLO
O contínuo exercício das mais brilhantes virtudes religiosas e mais ainda as macerações e austeras penitências tinham elevado frei Antônio Corso, da Ordem dos Capuchinhos, a um tal grau de perfeição, que o consideravam todos como santo. Todavia, quando morreu, não pôde subir diretamente ao céu, mas foi detido nas cruéis prisões do purgatório, e saindo dali por permissão de Deus, manifestou-se no mais lamentável estado ao enfermeiro do convento. Disse-lhe aquele, depois de tornar a si da primeira surpresa: “Como, frei Antônio no purgatório? Vós que nós julgávamos na glória? E que pena sofreis?” Sofro dobrada pena, respondeu o defunto; a do sentido inexprimivelmente grave e cruel; mas a que não tem igual, e que o espírito não poderia compreender, é a pena do dano que me priva da visão beatífica do supremo Bem. Privado dela, tudo me falta e serei a mais infeliz das criaturas, enquanto estiver afastado do meu Deus. Recomendai-me, pois, a todos os nossos irmãos religiosos, afim de que me ajudem com os seus sufrágios.
Ó Deus! fazei-nos compreender uma vez o que é estar longe de vós, afim de que, evitando nesta vida tudo o que poderia expor-nos a perder-vos, possamos na outra nos unir a vós sem demora. (Ann. P. P. Capucc. an. Ch. 1418).
SUFRÁGIO
A mortificação da vista leva muito alívio à profunda dor das almas do purgatório; não deixemos, pois, de praticá-la por sua intenção.
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Todos os membros do santo varão Jó, modelo da paciência, estavam cobertos de úlceras, cheias de vermes, e todavia queixava-se menos disso que da sua vista, privada da contemplação de Deus, o bem supremo. In amaritudinibus moratur oculus meus; cur faciem tuam abscondis?
Como se ele dissesse, assim o explica admiravelmente Tertuliano: “A dor das dores, o meu maior tormento, é não poder ainda contemplar-vos, ó meu Deus”: De oculo queritur, qui totus in tormentis positus est. Mais amargas ainda e mais lamentáveis são as queixas das almas do purgatório, que muito mais ardentemente desejam gozar da vista de Deus. Para obter-lha mais prontamente, mortifiquemos os nossos olhos, fechando-os às coisas do mundo; porque, quanto mais fecharmos os nossos, os seus se abrirão para contemplar sem véu a face do Senhor. (Jó 17, 2; de Poenit.).
O Anjo Consolador – Piedosos exercícios, Leituras e Orações Dedicadas a Veneração das almas do Purgatório, compiladas por E. Da S. V. Redentorista, 1939.
Última atualização do artigo em 23 de março de 2025 por Arsenal Católico