MÊS DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
NONO DIA
Intensidade da pena do dano
MEDITAÇÃO
I. Quanto mais se conhece o valor de um objeto, mais se lhe amam as qualidades, mais afeto se lhe tributa, mais se lhe sente a perda. É isso o que aumenta a pena do dano no purgatório.
Que sublime conhecimento de Deus não têm aquelas benditas almas! Haviam-no conhecido durante a vida, pela luz da razão, pela da fé, pelas especiais ilustrações da graça; mas conheceram-no mais perfeitamente ao saírem do mundo, e particularmente, quando lhe foram apresentadas no juízo particular, porque então imprimiu-se tão vivamente nelas a imagem de Deus, que agora só se ocupam dele. E nós, cristãos, voltamos alguma vez sequer os nossos pensamentos para Deus?
II. Quando a inteligência conhece, produz o ato da vontade; e se o objeto contemplado pelo espirito é bom, sentimo-nos atraídos para ele, e desperta-se em nós o amor. Mas o que haverá melhor do que Deus? Fonte de verdadeira bondade, oceano de toda a perfeição! Assim, desde que as santas almas lançam um olhar para Deus a necessidade que por natureza têm dele, une-se ao estímulo da caridade; abrasa-as de tal amor que se consagram a Deus; todas ardem por Deus, mas ao mesmo tempo são detidas longe do seu bem supremo.
Figuremo-nos, pois, os seus desejos, o seu tormento e a sua dor. Ah! por que se conserva o nosso coração tão frio? Por que não se inflama também ele no divino amor? Amemos, pois, a Deus sobre todas as coisas nesta vida, e ser-nos-á dado possuí-lo sem termos de esperar tanto no purgatório.
III. Deus não só é bom em si mesmo, mas ainda o é a nosso respeito; todos os dias nos enche dos seus benefícios. Tudo o que temos, dele nos provém; tudo o que teremos, dele nos virá também; quer para a alma, quer para o corpo, tanto nesta vida como na outra, é ele o autor de todo o bem. Que reconhecimento não devemos tributar a tão generoso benfeitor! Bem sentem isto as almas do purgatório que, na economia de sua salvação, reconhecem uma a uma todas as graças que o Senhor lhes fez. Quereriam depor a seus pés a homenagem da sua gratidão; mas esse feliz momento não chegou ainda, e, quanto mais ele tarda, mais a sua pena aumenta. Não podemos nós apressar-lho pelos nossos sufrágios? Por que não o fazemos?
SÚPLICA
Ah! Senhor, eis-nos aqui prontos a fazer tudo, para livrar do purgatório aquelas almas e conduzi-las à eterna felicidade do céu. Que os raios da glória se juntem à graça que as ilumina; que seu amor se satisfaça com a posse do soberano bem; que a sua gratidão possa manifestar-se a vossos pés, em jubilosas ações de graças. Dignai-vos, Senhor, de satisfazer aqueles ardentes desejos; nós prometemos ter sempre, por sua intenção, o nosso espírito humilhado sob o jugo salutar da fé, consumir os nossos corações no fogo da caridade, e converter todos os nossos sentimentos em veneração e reconhecimento por vós. Nós vos suplicamos que aceiteis as nossas humildes ofertas, para resgate daqueles pobres cativos.
EXEMPLO
No dia de Todos os Santos apareceu, a uma donzela de grande virtude, a alma d e uma piedosa dama que morrera no Luxemburgo, pedindo-lhe orações. Todas as vezes que a jovem ia à igreja, e que se aproximava da santa mesa, era seguida pela alma, cujo rosto, à elevação da hóstia se inflamava em tal ardor, que a tornava semelhante a um serafim celeste. Fora da igreja, não se mostrava nunca. Perguntando-lhe a donzela a razão disso, exclamou aquela alma, dando um profundo suspiro; Ah! tu não sabes que sofrimento é estar longe de Deus. Coisa alguma pode exprimi-lo.
Sou atraída para Deus por um ardente desejo, por uma ansiedade intolerável, por um arrebatamento irresistível; ser privada dele em punição das minhas culpas é para mim uma dor tão violenta, que, comparada a ela, nada é a intensidade do fogo que me envolve. Para adoçar-lhe o rigor, concedeu-me Deus que viesse a esta igreja, adorá-lo, ao menos na sua casa, sobre a terra, até ao dia em que o possua em seu palácio celeste. Mesmo sob os véus dos sagrados mistérios, penetra-me a sua presença a ponto que não vivo senão para de: que será quando o vir face a face no paraíso? E rogava à donzela que lhe apressasse o feliz momento com os seus sufrágios: ela o fez com tanto fervor que no dia 10 de dezembro viu a alma, mais resplandecente que o sol, voar ao seio de Deus. Venturosa alma!
Deus é o centro e o fim de toda a criatura racional. Penetremo-nos bem desta máxima, e não buscaremos outro bem sobre terra além de Deus, assim como na outra teremos a Deus por eterna recompensa. (P. Jos. Euseb. Nirembergius, de pulchri. Dei, lib. II, cap. 2).
SUFRÁGIO
A mesa eucarística foi posta para os homens, afim de servir também de alívio às almas do purgatório.
***
Um bom servo de Deus viu aparecer, um dia, em meio de um turbilhão de chamas, um seu amigo; este lhe disse, com acentos de consternação, que estava privado da vista de Deus, pela negligência e frieza, com que se aproximava da santa mesa; pediu-lhe em seguida que comungasse por ele com todo o fervor possível, esperando ser livre das suas penas em virtude daquele ato de piedade. O servo de Deus apressou-se a obedecer àquele pedido, e obteve, como depois o soube, o livramento daquela alma, vendo-a brilhante de luz, subir à morada celeste. Que a caridade nos leve, pois, a sustentar-nos do corpo de N. S. Jesus Cristo, por intenção dos defuntos; porque, diz S. Boaventura, a comunhão é um dos mais eficazes meios para lhes procurar a bem-aventurança eterna.
Trahat te ad communicandum charitas, cum ad requiem defunctorum nihil efficacius interpellel Spiritus. (Blosius in Monit. cap. 9).
O Anjo Consolador – Piedosos exercícios, Leituras e Orações Dedicadas a Veneração das almas do Purgatório, compiladas por E. Da S. V. Redentorista, 1939.
Última atualização do artigo em 24 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico