MÊS DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
DÉCIMO DIA
Resignação das almas do purgatório
MEDITAÇÃO
I. A pena do dano, que o réprobo padece no inferno, é não poder amar a Deus por sua própria culpa, reconhecendo-o por fim de toda criatura racional; – amar a Deus por um ato de vontade e para cumprir um dever, e não poder possuí-lo por causa dos poucos merecimentos, é a pena do dano, própria do purgatório; e o ódio, que os condenados têm a Deus por causa da privação da graça, faz o maior dos seus tormentos; o ardente amor de Deus. que a graça desenvolve nas almas do purgatório, aumenta de tal modo a intensidade de suas penas, que as torna quase iguais às do inferno: pois o amor, que não pode satisfazer-se, é o maior tormento do coração humano. Saibamos, pois, cristãos, regular bem em nós um sentimento tão imperioso.
II. O amor imenso, que as almas do purgatório experimentam por Deus, faz-lhes a cada instante desejar unir-se a ele: mas não podem consegui-lo sem serem completamente purificadas nas chamas. E assim, tanto o amor as faz suspirar pela vista de Deus, como, retidas pelo sentimento do seu pouco mérito, desejam não vê-lo. O amor as arrasta e as detém, as eleva e humilha, abrasa e gela, e esta contínua alternativa de sentimentos opostos despedaça-se de tal sorte, que o fogo que as devora interiormente é muito mais cruel do que o que as queima no exterior. A paz do espírito faz a felicidade do homem, e contudo como amamos nós a paz, ou procuramos obtê-la pelas nossas obras?
III. O amor para com Deus torna as almas resignadas nos seus sofrimentos; ora, se a resignação sobre a terra não tira a dor, pelo menos adoça-lhe a amargura a ponto de torná-la suportável e até, muitas vezes, de fazer amá-la. Mas no purgatório não acontece assim. Por isso mesmo que aquelas almas se resignam perfeitamente à vontade de Deus, sofrem mais. Porque, em virtude dessa mesma conformidade, quereriam ser inteiramente dignas dele, e, reconhecendo que não o são ainda, consomem-se de dor pelo desejo de o serem. Quanto mais sofrem, mais querem sofrer, e jamais se julgam saciadas de suplícios! Que inefável gênero de martírio! E nós, cristãos, só procuramos as rosas e as flores, os divertimentos e os prazeres! Envergonhemo-nos, uma vez para sempre, de nós mesmos, e procuremos emendar-nos.
SÚPLICA
Que confusão, Senhor, nos causa a nossa conduta! Que humilhação suportamos, considerando a resignação das almas do purgatório! Ah! que esta resignação lhes mereça a liberdade, ó grande Deus! Devem acaso continuar a padecer aquelas almas dispostas a suportar ainda maiores dores? Não são já dignas de vossa glória, aquelas que consentiriam em ser privadas dela mais tempo, para se tornarem mais merecedoras? Aceitai, ó Senhor, aqueles generosos sentimentos, e mostrai-vos liberal para com elas, perdoando-lhes todas as suas culpas passadas e admitindo-as a gozar da vossa felicidade eterna.
EXEMPLO
Amava Sta. Gertrudes por causa das santas virtudes, de que era ricamente dotada, a uma das suas religiosas que aprove a Deus chamar a si na flor da idade. Depois da sua morte, enquanto a santa a recomendava a Deus com fervor, foi arrebatada em espírito e viu-a apresentar-se ao Senhor, revestida de preciosos ornamentos, e resplandecente de luz, mas com o rosto triste, e como que envergonhada de aparecer diante de Jesus, seu divino esposo. Admirada, Sta. Gertrudes voltou-se para o Senhor. suplicando-lhe que animasse a sua amada por um doce chamamento que a fizesse avançar com confiança. Lançou o Redentor à virgem um olhar cheio de bondade e até lhe estendeu a mão, fazendo-lhe sinal de aproximar-se mais; mas ela, ainda mais confusa, parecia querer subtrair-se àquele convite. Disse-lhe então Sta. Gertrudes: “É assim que devemos corresponder às graças do celeste Esposo, ou é, pelo contrário, o meio de nos tornarmos indignas dele?” Respondeu-lhe então a virgem: “Perdoai, madre; mas não estou ainda em estado de apertar e beijar aquela mão que me convida. Estou, é verdade, confirmada em graça, sou a desposada do Cordeiro imaculado; mas é necessário que toda mancha desapareça completamente antes que goze dos seus eternos abraços. Há ainda em mim alguma coisa que ofende a sua vista puríssima, e, até que eu esteja absolutamente tal qual ele me quer, não ousarei nunca entrar naquela felicidade do céu, onde coisa alguma imperfeita pode ser admitida”.
Poderemos esperar chegar àquele estado, se nos não corrigirmos imediatamente dos nossos defeitos? Mas quando o faremos?
O tempo passa rapidamente, voa mesmo, e com ele a esperança e a possibilidade de nos emendarmos! (Lud. Blosius, in monit. spirit., cap. 13).
SUFRÁGIO
Podemos aliviar os mortos praticando, por sua intenção, a abstinência na bebida.
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Era regra, no mosteiro de santa Margarida de Verceil, não beber nunca fora da comida sem permissão especial da Superiora, e aquela, que a recusava sempre para dar ocasião de exercer a virtude, não deixava nunca de adoçar a sua recusa, acompanhando-a de reflexões morais sobre o merecimento, que havia no suportar aquela abstinência, para honrar a grande sêde, que Jesus padeceu no Calvário, ou o amor para com Deus, que as almas do purgatório experimentam no meio do fogo; aceitavam de bom grado as religiosas aquela mortificação para tão santos fins.
Apliquemo-nos a sofrer com resignação as que nos acontecem durante a vida; ainda mais; mortifiquemo-nos muitas vezes a nós mesmos, e sobretudo na bebida; porque a sêde, que padecermos, refrescará as almas desoladas pelo desejo ao mesmo tempo tão vivo e tão combatido que têm de ir gozar da vista de Deus. (Fr. Domin. Maria Marchesius, in Diar. Dominic. in vita B. Mariae AEmiliae, 3 maii).
O Anjo Consolador – Piedosos exercícios, Leituras e Orações Dedicadas a Veneração das almas do Purgatório, compiladas por E. Da S. V. Redentorista, 1939.
Última atualização do artigo em 23 de março de 2025 por Arsenal Católico