MÊS DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
DÉCIMO QUARTO DIA
Deus, segundo as leis atuais de sua providência, não ajuda ordinariamente as almas do purgatório
MEDITAÇÃO
I. Este mundo é um reino, onde se confundem a bondade e a justiça, de sorte que, se algumas vezes se sentem os golpes da cólera divina, com muito maior frequência se vêem triunfar os rogos generosos de uma misericórdia cheia de amor. Mas no outro mundo não acontece assim. A bondade e a justiça têm o seu domínio separado; a primeira manifestará os seus tesouros no paraíso; a segunda fará padecer os mais horríveis tormentos no inferno. Ora, qual destes atributos divinos reinará no purgatório? Sendo o purgatório lugar de castigos, o atributo que nele reina deve ser a inflexível justiça divina! Quanto devemos temer, portanto, o purgatório!
II. A santidade, a justiça e o mesmo amor de Deus, tornam o seu braço inexorável no castigo das almas do purgatório: a santidade, porque, sendo por essência contrária a toda imperfeição e defeito, não pode absolutamente permitir que uma alma entre no purgatório, senão manchada, mesmo da menor nódoa; a justiça, porque, devendo todo direito divino desprezado ter uma reparação, não pode deixar de punir aquelas almas, até que tenham satisfeito toda a dívida; o amor, porque, querendo formar as almas à sua semelhança, as purifica pelo sofrimento, até que lhe ofereçam uma imagem perfeita da suprema bondade, mistério d e rigor verdadeiramente divino! Esforcemo-nos por satisfazer nesta vida ao que exigem aqueles três atributos de Deus, afim de que não tenhamos a padecer, como aquelas almas, o rigor inflexível do purgatório.
III. Segue-se daqui que Deus, ainda que cheio de misericórdia, de compaixão e amor pelas almas, não lhes concede ordinariamente, segundo a ordem atual da sua providência, a menor remissão nem das suas penas, nem das suas culpas, no purgatório, mas busca a glória do seu santo nome nos sofrimentos que a sua divina justiça lhes impõe com uma severidade sem igual, não para procurar um prazer cruel na sua aflição, mas pelo fim puríssimo de torná-las dignas de si, e porque, como tem por fim purificá-las mais do que puni-las, e como elas já não possuem a liberdade que é a origem de todo o merecimento nesta vida, é necessário o rigor do suplício, que só a onipotência e a justiça de Deus podem infligir em justa proporção. Concluamos, pois, que as penas do purgatório são tão grandes, que parecem aproximar-se às do próprio inferno.
SÚPLICA
Sois justo, Senhor, e no purgatório exerceis sobre as almas a mais rigorosa justiça. É a lei, que vós mesmo nos impusestes. Mas acolheis com bondade a mediação dos homens, vós a desejais e quereis. É nesta qualidade de mediadores que chegamos à vossa santa presença. Escutai, ó grande Deus, as nossas súplicas e aceitai as nossas ofertas. Nós vos suplicamos que concedais àquelas desconsoladas filhas de Sião o livramento das suas penas, e vos oferecemos, em compensação, todo o merecimento dos santos exercícios, todas as obras de piedade, que os fiéis fazem em seu benefício no mundo inteiro. Que a vossa justiça, que a vossa clemência coroe as orações, que se fazem na terra, e satisfaça aos ardentes desejos do purgatório.
EXEMPLO
Morrendo a irmã de s. Malaquias, foi levada ao purgatório, onde a socorreu seu piedoso irmão com numerosos sufrágios: cessando depois de orar por ela, ouviu uma voz desconhecida dizer-lhe, durante a noite, que sua irmã o esperava fora da igreja e lhe pedia consolações.
Compreendeu o santo quais eram as necessidades de sua irmã, e tendo recomeçado os piedosos exercícios que abandonara, viu-a algum tempo depois, à porta da igreja, vestida de luto, triste e abatida. Fez-lhe aquela visão redobrar o seu fervor, e não deixou passar dia algum sem fazer por sua intenção grandes obras de piedade. Mostrou-se-lhe então a alma já não vestida de preto, mas de branco, e entrou na igreja, sem contudo chegar ao altar. Seu irmão sentiu com esta vista aumentar a confiança em seus sufrágios, e multiplicou-os de tal sorte que chegou a satisfazer completamente à divina justiça. Certificou-se disso, quando, à terceira aparição dela, a viu, coberta de vestido de deslumbrante beleza; a alma aproximou-se do altar no meio duma multidão de predestinados, o que significava estar ela admitida à glória do paraíso. Os diversos estados, em que se manifestou aquela defunta, nos fazem reconhecer bem a maneira ordinária da divina Providência, que não livra as almas do purgatório por um ato absoluto de poder e de vontade, mas que exige delas, com a mais exata justiça, o pagamento das suas dívidas, aceitando contudo os sufrágios dos fiéis, tanto mais úteis àquelas pobres almas, quanto são mais abundantes. Trabalhemos, pois, em oferecer muitos sufrágios pelos defuntos, que nos são caros, e que os nossos esforços sejam tão constantes, que lhes procurem cedo a felicidade eterna. (S. Bernard. in vita S. Malachiae).
SUFRÁGIO
Se a nossa posição nos não fornece os meios de prover às necessidades das almas do purgatório, supramo-las por meio de santas indústrias; porque na mais profunda miséria podemos ainda encontrar com que ajudá-las.
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Fr. André Simoni, porteiro do convento de Santo André em Roma, aplicava-se a cultivar, num pequeno jardim, grande quantidade de flores, de que oferecia ramalhetes às ilustres personagens que frequentavam aquela santa casa, pedindo que lhes desse em troca alguma esmola, de que distribuiu uma parte aos pobres, fazendo com a outra parte dizer santas Missas pelas almas do purgatório. Deus, segundo a lei eterna, que ele criou, não ajuda as almas, mas permite aos homens que o façam: e, se algum se julga desprovido de meios, imite a santa indústria de fr. Simoni; uma caridade engenhosa pode sempre suprir o que, a fortuna nos recusa. (P. Joan. Rho. Var. Vid. Hist., lib. I, cap. 4 , n. 5).
O Anjo Consolador – Piedosos exercícios, Leituras e Orações Dedicadas a Veneração das almas do Purgatório, compiladas por E. Da S. V. Redentorista, 1939.
Última atualização do artigo em 25 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico