Mês das Almas do Purgatório: 26º dia – Deveres de justiça para com o purgatório

MÊS DAS ALMAS DO PURGATÓRIO

VIGÉSIMO SEXTO DIA

Deveres de justiça para com o purgatório

MEDITAÇÃO

I. O homem é formado de tal maneira, que, muitas vezes, não sabe resistir aos movimentos de seu coração, e, à vista das misérias do próximo, comove-se de tal maneira, que dá e promete quanto pode. Esta expansão de uma natureza benévola manifesta-se sobretudo no momento da morte; quando, a ponto de deixar os que lhe são caros, o moribundo se recomenda às suas orações, não há promessas de eterna recordação e contínuos sufrágios que se não façam. E são feitas de boa fé, sob a impressão de um sentimento vivo e profundo; mas com o derradeiro eco dos sinos, desvanece-se a lembrança dos que morreram, e quando estão cumpridos os religiosos ritos das exéquias nada mais se faz pelas almas consternadas, que dentre as chamas reclamam em vão o cumprimento de tantas promessas.

Faltaremos assim à palavra que demos aos nossos defuntos? Ah! não, pelo contrário, quanto mais extremas são no purgatório as suas penas, mais devemos conservar deles uma lembrança fiel, mais exatos e perseverantes devemos ser em sustentar as nossas promessas.

II. Porém, muitas vezes não se trata unicamente de sustentar a palavra dada; é um dever de justiça que obriga a orar pelos defuntos; isto acontece particularmente quando se trata de satisfazer a piedosos legados. A religião, a justiça, a ordem social querem e ordenam a execução dos legados piedosos e os que faltam a eles, apropriando-se dos rendimentos que pertencem aos finados, são culpados de fraude; são ladrões sacrílegos, algozes cruéis das almas abandonadas, que as leis divinas e humanas perseguirão igualmente. Ai daquele que se nutre das substâncias destinadas aos pobres! julga devorá-la impunemente, e não vê que é um sustento fatal aos vivos, quando seria proveitoso aos defuntos a quem fôra destinado. Quantas famílias caem em decadência por não terem satisfeito às obrigações de Missas e a outros legados de seus autores! Sejamos, sobre este ponto, não só exatos, mas escrupulosos, para não atrairmos sobre a nossa cabeça a maldição do céu.

III. O concílio de Trento recomenda aos prelados que vigiem atentamente sobre o cumprimento dos legados piedosos, e um outro, aprovado por S. Leão Magno, ordena que se cerrem as portas da igreja como a infiéis, àqueles que se apropriarem das oblações feitas em favor dos defuntos, ou que se demorarem em entregá-la aos ministros sagrados; outros concílios chegam até privar da comunhão eclesiástica aqueles que se tornam culpados do mesmo pecado. Tão severas leis nos fazem ver claramente quão grande culpa se comete, privando-se os defuntos dos sufrágios que quiseram assegurar-se por suas últimas vontades. Se os mesmos gentios levavam o respeito pelos defuntos ao ponto de preferir queimar com eles tudo que lhes havia pertencido, antes que apropriar-se dos seus haveres, quanto mais não deverão os
fiéis aplicar em sufrágio dos defuntos o que eles próprios destinaram para aliviar as suas almas?

SÚPLICA

Não permitais nunca, ó grande Deus, que faltemos aos deveres da justiça para com as almas do purgatório. É mui sagrado o seu direito e está muito bem provada a nossa obrigação pelas promessas que lhes fizemos e pelos legados que nos deixaram.

As leis da Igreja contra aqueles que defraudam as obras de piedade são justíssimas, e merece a mais viva indignação aquele que quer sustentar-se do pão dos defuntos. Queremos satisfazer plenamente às nossas obrigações; mas vós, Senhor, dignai-vos de permitir que esta satisfação supra aquela que os nossos queridos defuntos devem à vossa justiça, e fazei que, livres do purgatório e das suas ardentes cadeias, o mais breve possível possam ir gozar da bem-aventurada liberdade do paraíso pela qual tanto suspiram.

EXEMPLO

Um valente soldado que servira até envelhecer e sempre com honra a Carlos Magno, mandou que viesse junto ao seu leito de morte um sobrinho, único parente que lhe restava, e como não possuísse coisa alguma além do seu cavalo e fardamento, encarregou-o de vendê-los logo depois da sua morte e de empregar o preço para repouso de sua alma. Comprometeu-se o sobrinho a fazê-lo; mas, morrendo o tio, o que não tardou, esqueceu aquele imediatamente a sua promessa. O cavalo era belíssimo e tendo-se servido dele para algumas viagens, achou-o tão excelente que julgou não dever desfazer-se dele. Diferia a venda de dia para dia, e, à medida que passava o tempo, ia enfraquecendo a voz da consciência, e tanto que nunca mais se lembrou do tio nem da obrigação que ele lhe impusera, considerando o cavalo propriedade sua. Mas enquanto gozava tranquilamente da posse dele, veio uma voz lúgubre perturbá-lo durante a noite. Era a de seu tio, que lhe reprovava a sua cruel negligência.

Dizia ele: “Por que desobedeceste assim ao preceito que te impus, violando a tua promessa solene? Por tua culpa teria de sofrer ainda longos e cruéis tormentos no purgatório, mas, pela misericórdia de Deus, eis-me livre e vou ao paraíso gozar da eterna glória. Quanto a ti, sabe que a tua conduta será punida por uma morte pronta, sendo-te reservado um castigo inteiramente particular; sofrerás a pena devido às tuas culpas e sofrerás, no meu lugar, todas as que eu ainda deveria sofrer para satisfazer à justiça divina”.

Aterrado com esta ameaça, e querendo pôr em ordem a sua consciência, apressou-se a cumprir as últimas ordens do seu tio, fazendo depois todo o possível para evitar a morte eterna; mas não pôde evitar a do corpo, que lhe fôra anunciada, e que o arrebatou poucos dias depois. A ingratidão e a injustiça para com os mortos são detestadas por Deus, que muitas vezes as pune neste e no outro mundo; que o exemplo deste nos preserve de nos expormos à cólera de Deus. (Thom. Cantipr. I, 2 Apum, cap. 53, n. 25).

SUFRÁGIO

Se temos desprezado as obras de misericórdia para com os defuntos que tiveram confiança em nós, compensemo-las, redobrando de fervor.

***

Morrendo um noviço dos Cartuxos, veio depois exprobrar ao venerável Diniz, da mesma Ordem, não ter recitado por ele os dois salmos, que prometera; e como o religioso procurava desculpar-se do seu esquecimento, disse-lhe o espírito, soltando um gemido: “Oh! se padecesses a minha parte das penas que me torturam, não admitirias com certeza todas essas desculpas!” Rezou então o Cartuxo, não só os dois salmos que prometera, mas ainda muitas outras orações que juntou para reparar a sua negligência. Examinemos também se temos omitido ou diferido o que devíamos aos defuntos a título de promessa e de justiça; e se, por infelicidade, imitamos o Cartuxo na sua negligência, imitemo-lo também na sua pronta reparação, e por meio de abundantes sufrágios compensemos generosamente o mal que fizemos aos nossos queridos defuntos. (P. Godefr. Mech. Cont. Boll. in act. Sanct., 12 mart. in vit. V. Dion. Cart.).

O Anjo Consolador – Piedosos exercícios, Leituras e Orações Dedicadas a Veneração das almas do Purgatório, compiladas por E. Da S. V. Redentorista, 1939.

Última atualização do artigo em 25 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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