Naquele dia

Pe. Luis Cláudio Camargo – FSSPX

“Naquele dia os montes destilarão doçura e das colinas manará leite e mel. Porque virá o grande Profeta que renovará Jerusalém. E tu, Belém, terra de Judá, não serás a menor, pois de ti sairá o Rei que virá para reger meu povo Israel”.

“Na Igreja latina – diz Dom Guéranger em seu livro “O ano litúrgico”[1] – dá-se o nome de Advento[2] ao tempo destinado pela Igreja à preparação dos fiéis para a celebração da Festa do Natal, aniversário do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. O mistério deste grande dia merecia, sem dúvida, um prelúdio de oração e penitência. Contudo, é impossível assinalar com precisão a instituição primeira deste tempo de preparação, que recebeu mais tarde o nome de Advento”.

O Advento é, então, o tempo da preparação para a vinda de Nosso Senhor. Tempo de preparação, de espera, de penitência curiosamente misturada com alegria. 

Santo Tomás, em um sermão que pronunciou no 1º Domingo de Advento, em Paris, por volta de 1270, comentando as palavras do profeta Malaquias – “Eis que teu Rei vem a ti com mansidão” – diz: “Para não cair em nenhuma ambigüidade, deveis saber que a vinda de Cristo pode entender-se de quatro maneiras: Sua vinda à carne ou Encarnação; Sua vinda a nossa alma; Sua vinda no momento da morte dos justos; Sua vinda final para julgar todos os homens”.

Na liturgia apresentam-se todos estes aspectos de modo muito profundo. Dizia também Santo Tomás que por cada uma destas vindas de Cristo, a Igreja celebra os quatro domingos do Advento.

À vinda de Nosso Senhor corresponde, portanto, uma espera. “A vinda da pessoa – segue Santo Tomás – exige que seja esperada e anunciada com solenidade, seja em razão de sua majestade (sobretudo tratando-se do rei ou do legado do Papa), seja em razão de amizade seja de parentesco. Contudo, o Cristo que vem é o Rei e o amigo íntimo”. De suma importância é, portanto, que aguardemos a Cristo: tanto por Sua honra, como por nosso bem. E se Cristo é o Amigo e o Rei, então à sua vinda corresponde a Espera por antonomásia.

Como tratar o Advento, isto é, como considerar a Espera de Cristo? Que devemos discorrer e entender para que Sua vinda não nos passe despercebida? Como vestir o coração, segundo a expressão do Pequeno Príncipe? Santo Tomás falou em quatro vindas de Cristo. Isto nos dá a pauta para refletirmos o tema do Advento. Se quatro são as vindas de N. Senhor, quatro devem ser as “esperas”. Teremos, portanto, de contemplá-las cada uma naquilo que têm de próprio e particular, para podermos daí tirar o específico de cada espera; e isto nos levará, finalmente, a concluir aquilo que Deus nos pede no tempo do Advento.

O Emmanuel

Transeamus usque ad Betlehem. Vamos a Belém, e vejamos este acontecimento que o Senhor nos tem dado a conhecer (Lc 2, 15). A primeira vinda de Cristo é a que se deu no dia de seu nascimento em Belém. A sua vinda segundo a carne, a Encarnação, inefável união de sua natureza divina com a humana. Uma Pessoa, o Verbo do Pai que assume a carne. “Ora, enquanto estavam ali (em Belém) havia, pois, se completado para ela (Maria) o tempo de dar à luz. Nascido o Filho primogênito, envolveu-o em cueiros, e o reclinou em um presépio, por não haver lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 6)Assim comenta Santo Tomás em seu sermão:

“Não devemos entender que Cristo veio à carne mudando de lugar, por que Ele diz em Jeremias: Eu encho o céu e a terra. Mas então, como veio Ele à carne? Digo que veio à carne descendo do Céu, não o abandonando, e sim assumindo a nossa natureza. Por que diz São João: Veio aos seus. E como dizer que estava Ele no mundo? Quando se diz: E o Verbo se fez carne“.

Desta primeira vinda longa foi a espera. Longa e dolorosa. Quatro mil anos debateu-se a humanidade em sua miséria, com seu pecado e malícia. O Antigo Testamento é, inteiramente, o primeiro Advento, a primeira espera da vinda do Salvador. Este tempo começou certamente com a expulsão do homem do Paraíso. O pecado de soberba, que pôs um querubim às portas fechadas do Éden agitando uma espada fulgurante, é o marco do início deste tempo de espera. Expulso, quer o homem voltar para sua casa, a Casa de seu Pai. Quer abrir estas portas fechadas. Mas sabe que somente sua santidade perdida as pode abrir. Somente o rechaço do que fez pode reparar sua queda.

Deve, porém não pode. Quer, contudo não consegue. E a duras penas convencer-se-á o homem de que não logrará a santidade à força de seu braço. Necessitará esta interminável processão de suas maldades – quatro mil anos! – para convencer-se de sua impotência, de sua incapacidade de chegar à santidade. O pecado é muito maior do que parecia. O pecado é um abismo cujo fundo não alcançamos ver. Esta triste evidência é a condição para o desejo de um Salvador.

O conhecimento do estado de pecado – conhecimento, digo, que inclua o sofrimento – é necessário para dar início ao tempo do Advento. Mas não é suficiente. É uma condição, porém não é tudo. O próprio desejo, fruto do conhecimento de nosso estado deplorável, não é definitivo para fazer-nos entrar na “Espera”. Qual será, então, o seu fundamento primeiro e constitutivo? A verdadeira chave do Advento é a Promessa de salvação que Deus faz. “Endireitar-se-ão os caminhos tortuosos e as asperezas serão aplainadas” – diz Isaías. A promessa feita a Adão de que viria uma Mulher e sua descendência, que esmagaria a cabeça da serpente: “Ponho perpétua inimizade entre ti e a Mulher, entre tua descendência e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu armarás laços ao seu calcanhar”. Promessa renovada a Noé e a Abraão.

De fato, formar-se-ão duas correntes na história, dois rios que correm paralelos, embora em direções contrárias: os que aguardam e os que não aguardam. Os que chegaram ao conhecimento da necessidade urgente de um Salvador, e os que creem poder alcançar sua felicidade sozinhos.

Três grandes figuras levantam-se como recusa a esta tentação e como caminho de esperança. A Liturgia põem-nas em relevo durante os quatro domingos do Advento. Três pessoas que encerram todas as demais, por seu significado, representatividade e ação: o Profeta Isaías, São João Batista e, evidentemente, a Santíssima Virgem.

Isaías é, por excelência, o profeta da espera do Messias. Contemplou-o em seus traços mais íntimos e descreveu-o em profecias, cuja veemência faz seus escritos ser chamados “quinto Evangelho”.

O povo que andava nas trevas viu uma grande luz. Sobre os que habitavam na terra das sombras da morte resplandeceu uma luz coruscante (…) Porque nos nasceu um Menino, um Filho nos foi dado. Ele tem sobre os ombros o poder e o principado, Seu nome será: Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai do Século Futuro, Príncipe da Paz” (Is 9, 1 ss).

São João Batista é o pregador da iminência da vinda. É a ele que a sinagoga impaciente vem perguntar: “És tu o Messias?”. Será ele que, em resposta, assinalará o Messias com o dedo: “Eis aqui o Cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo!”. A ele coube a missão, sem precedente, de ser o laço, o ponto de contato entre o Antigo Testamento e o seu Salvador: contato que transformaria o Testamento de Velho em Novo.

Porém neste quadro o ponto central é a Santíssima Virgem. Ela é a aurora que nos traz os raios de luz nos momentos de trevas, raios do Sol da justiça. Se jazíamos em nossos pecados, ela é a Imaculada Conceição (festa encravada no centro do Advento). E se vem o Desejado das colinas eternas, foi por que ela o pediu. Todos os desejos e pedidos anteriores ficaram desatendidos. mas não o seu. A vinda do Salvador é uma resposta pessoal ao pedido da Virgem Santíssima, Mater Salvatoris.

Faremos morada nele

A segunda vinda de Cristo é a que se passa na alma fiel. Ou seja, a alma, até então infiel, é feita fiel pela vinda de Cristo. E mui acertadamente diz-se “fiel” da alma, pois a pedra-de-toque, o ponto de contato de Cristo com a alma é a virtude da Fé.

Assim diz Santo Tomás:

“E observai que esta vinda (a do seu nascimento em Belém) excita outra vinda de Cristo, sua vinda à alma. Não nos seria, absolutamente, proveitosa a vinda de Cristo na carne, se não viesse também à nossa alma para santificar-nos. Por isso diz São João: ‘Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará e viremos a ele, e faremos nele morada’. Na primeira vinda veio unicamente o Filho. Nesta segunda vinda vem o Filho com o Pai para habitar dentro da alma”.

Certamente misteriosa é esta vinda de Cristo às almas, a sua entrada neste íntimo santuário, transformando e elevando-a. Contudo, não menos misteriosa é a semelhança e o paralelismo que se verificam na história da humanidade, pecadora e esperançosa, e na história de nossa alma particular. Reproduz-se, como em um microcosmos, a história inteira da Redenção.

A primeira condição que vimos no Antigo Testamento é o conhecimento do pecado. Por isso Deus tanto tardou. É um ponto essencial. Assim também conosco. Poderia parecer evidente que precisamos de Nosso Senhor; no entanto, não o é. “Ainda que todos se escandalizem, eu não me escandalizarei”,diz uma boa alma enganada pela ilusão de suas próprias forças. Isso (a evidência) dependerá de quantas vezes necessite cair para dar-se conta de que é coxo.

“Tarde te amei – dizia Santo Agostinho – ó Beleza tão antiga e sempre nova! Tarde te amei! Estavas dentro em mim, e eu, no entanto, fora Te buscava (…) Estavas comigo e eu não estava contigo. As coisas, que sem Ti não existem, me mantinham longe de Ti. Chamaste, clamaste e destruíste minha surdez; iluminaste, brilhaste e puseste em fuga minha cegueira”.

Ainda aos que receberam o batismo junto com o nascimento sobrevem, habitualmente, depois de uma infância mais ou menos tranquila, uns ventos de autossuficiência. Sonhos de grandeza, nostalgia de independência que fazem olhar com desprezo, ou ao menos com indiferença, esta constante  e pueril submissão a Cristo. O batismo permanece como semente escondida sob as gélidas neves do esquecimento, sem efeito, sem fruto, sem folhas, como uma árvore no outono…

O descobrimento, doloroso descobrimento, de seus pecados, de sua gravidade, de seu arraigamento em si, o intento malogrado de conversão, formam essa primeira condição para entrar neste tempo do Advento da alma. Poderíamos resumir nas palavras de Santa Teresa de Lisieux:

“Ó Deus meu! Trindade Santa! Desejo amar-Vos e Vos fazer amar, e trabalhar pela glorificação da Santa Igreja salvando as almas (…). Desejo cumprir perfeitamente vossa vontade (…). Em uma palavra: quero ser santa. Porém, sinto minha impotência e peço-Vos, meu Deus, que sejais Vós mesmo a minha santidade”[3]. Quero, mas não consigo. É neste dilema que se chega depois da dolorosa comprovação de nossas quedas.

O segundo ponto a considerar é o pedido. O Antigo Testamento é um grito constante, uma só oração de pedido e súplica pela vinda do Messias. “Orvalhai, ó Céus, das alturas! E que das nuvens chova o Salvador!”. Por isso a Igreja põe em nossa boca as palavras dos ardentes pedidos dos profetas: “Vem Senhor, não tardes mais! Vem livrar-nos, ó Deus dos exércitos! Mostra-nos a tua Face!”. 

Porém, também aqui não basta o conhecimento do pecado e o desejo do Salvador, nem sequer a oração e o pedido, ainda que sejam condições necessárias. Somente a Promessa pode fazer-nos adentrar o portal do Advento, na Espera que culminará com a Natividade de Jesus em nossas almas. Só a Promessa torna eficaz nosso desejo e oração. Promessa? Sim. O momento da Promessa na vida de cada alma é o redescobrimento da fé. É esta a luz que brilha em nossa indiferença. De certo modo, é Deus que se dirige à alma para renovar-lhe a promessa. Aqui começa a conversão. Aqui começa propriamente o Advento, a Espera. Espera já não mais do impossível, mas daquilo que Deus nos pode e quer dar: Ele mesmo.

Às três figuras anteriormente mencionadas correspondem, na alma, os três canais pelos quais nos chega a notícia da Promessa: O profeta Isaías é a figura a Revelação em si, desta Palavra de Deus dita ao homem e ensinada pelo Magistério. A conversão da alma depara-nos com um mundo que não supúnhamos. A Escritura ganha vida, o ensinamento da Igreja se nos apresenta como algo muito novo. São João Batista é o laço imediato da alma com a Revelação, é a preparação próxima: figura do sacerdócio, pelo qual a Promessa chega até nós. Contudo, é na Santíssima Virgem que se realiza todo o mistério. Ela é o Templo. Dela depende tudo. Não há graça que não passe por suas mãos, por isso, toda conversão é um filho mais que nasce de seu puríssimo seio.

Estote Parati

O artigo deveria ter terminado com o inciso anterior. Veio Cristo à carne, veio Cristo à alma: Está consumada a redenção esperada. Mas não. Nem tudo está terminado com a vinda de N. Senhor à alma. Santo Tomás assim comenta esta terceira vinda:

“Com esta vinda pela graça santificante, a alma livra-se de sua culpa, mas não de sua pena. Pois lhe é conferida a graça, mas não ainda a glória. E por isso é preciso uma terceira vinda de Cristo, quando morrem os santos, isto é, quando Ele os toma para Si. Como diz São João: ’Se me vou (pela Paixão), preparar-vos-ei um lugar (retirando o obstáculo) e novamente virei a vós (isto é, na morte), e vos tomarei comigo (ou seja, na glória), para que onde esteja eu estejais também vós”. E o mesmo São João diz também: ”Eu vim para que tenhais vida (sua presença nas almas), e para que a tenhais abundantemente (isto é, por participação da glória)”.

Santo Tomás tinha muito presente que a morte é uma vinda de Cristo que devemos esperar e para a qual devemos preparar-nos. Assim se lê no relato [4] de sua vida:

“Eram os primeiros dias de fevereiro. No dia seguinte de sua chegada, piorou, e continuou piorando nos dia seguintes, ainda que conseguisse, todavia, levantar-se e dizer a santa missa. (…) Passado uns oito dias, agravou-se o mal, e Frei Tomás, pressentindo o fim de sua vida, pediu que o levassem ao Mosteiro de Fossanova. Porque – dizia – se o Senhor se digna visitar-me, convém que me encontre em uma casa de religiosos, e não na de seculares”.

Não é outra coisa que ensina N. Senhor na parábola do ladrão que não tem hora para chegar, ou do servo que espera seu senhor.

“Estejais vestidos e com os rins cingidos, e tenhais em vossas mãos as lâmpadas acesas. Sede semelhantes aos criados que aguardam seu senhor quando volta das bodas, a fim de abrir-lhe prontamente a porta, logo que chegue. Assim vós, estejais sempre preparados, porque à hora que menos esperais virá o Filho do homem” (Lc 12, 35).

E N. Senhor faz ainda advertência quanto à grande tentação – também aqui – que em nosso caso se traduz em fugir da morte, de pensar que a vida aqui neste mundo é eterna e que não importa estar ou não unido a N. Senhor, já que a morte nunca virá:

“Mas se tal criado disser em seu coração: ’Meu senhor não pensa em vir tão prontamente’, e começar a maltratar os criados, a comer e beber e embriagar-se, virá o senhor do servo no dia em que menos espera, e à hora que não sabe, e o lançará fora e lhe dará os castigos devidos a suas infidelidades”. Assim, pois, que o servo que, não obstante tendo conhecido a vontade de seu senhor, nem pôs em ordem as coisas, nem se portou conforme desejava seu senhor, será açoitado muitas vezes”… Estote parati.

Diz-se que a vida é uma preparação para a morte. Pode-se também dizer o contrário, pois que a morte é capaz de transformar nossa vida. A morte menos temida dá mais vida. Aqui os canais da graça são os mesmos da segunda vinda, porém levados ao extremo da última doação. A esperança da vida eterna da Escritura não é algo longínquo, mas imediato: o sacerdote é o que vem apresentar-me o Viático, e a Santíssima Virgem é agora a porta do céu.

Venho logo, eis que estou às portas.

Se o homem deve morrer, também o deve o mundo inteiro. Se a morte é a porta por que Cristo vem definitivamente à alma do justo, o fim do mundo é a vinda de Cristo em glória e majestade para julgar vivos e mortos. Assim comenta Santo Tomás: “Então a glória dos santos redundará em seus corpos e os mortos ressuscitarão. Por isso diz São João: ’Chegará a hora em que todos os que estão nos sepulcros escutarão a voz do Filho de Deus: os que praticaram o bem, para a ressurreição da vida”. 

Também aqui convém esperar a N. Senhor. A sua vinda será o triunfo final, será a glória da Igreja, o fim das tribulações e humilhações. “Quando essas coisas começarem a acontecer, recobrai animo e levantai as vossas cabeças, porque a vossa libertação estará próxima” (Lc 21, 28).

Se olharmos com atenção estas palavras de Cristo, veremos que nisto haverá dor, pois que diz “recobrai animo”. Dissera-o já em seu discurso sobre o fim dos tempos (cf. Mt 24, 5). Detenhamo-nos nele por alguns momentos: 

“E estando, pois, Jesus sentado no Monte das Oliveiras, aproximaram-se alguns discípulos, e perguntaram-lhe em segredo: ’Dize-nos, quando sucederá isso? E qual será o sinal da tua vinda no fim do mundo?’. A que Jesus respondeu: ‘Vede bem, que ninguém vos engane: Porque muitos hão de vir em meu nome dizendo: Eu sou o Cristo, e seduzirão a muitos. Ouvireis, do mesmo modo, notícias e rumores de guerras; não vos turbeis por isso, pois é preciso que essas coisas aconteçam, mas, todavia, ainda não será o fim. (…) E aparecerá um grande número de falsos profetas que perverterão muita gente. Pela inundação dos vícios, a caridade de muitos esfriará. Mas o que perseverar até o fim, este se salvará… Contudo, depois da tribulação daqueles dias, o sol obscurer-se-á, a lua não iluminará mais e as estrelas cairão do céu, e as virtudes e anjos do céu tremerão. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, a cuja visão todos os povos da terra irão prorromper em pranto; e verão vir o Filho do homem sobre as nuvens resplandecentes do céu, com grande poder e majestade”.

Não é aqui o lugar para analisar os sinais e os momentos desse período tão turbulento. O que, sim, nos vem ao caso aqui é assinalar que haverá um fim dos tempos, que Cristo virá no fim do mundo e que, ainda que este momento esteja cercado de grandes tribulações, será o momento de Sua vinda em gloriosa majestade. Do mesmo modo que nas outras vindas, a espera é de suma importância aqui. Cristo não falou em vão, não o fez para assustar-nos, e não foi debalde que nos entregou o Apocalipse na visão de São João.

A blasfêmia racionalista se ri, dizendo que já se passaram dois mil anos, e o “próximo” de Cristo continua assustando os fiéis. Não é assim. Certamente, para Deus mil anos são como um dia, e pode-se dizer que sua vinda está próxima. Contudo, ainda que o contemplando do nosso lado, a palavra “próximo” indica a influência que tal fato tem sobre nós agora (e pelo contrário, a palavra “longínquo” é o que não se refere ao aqui e agora). A vinda de Cristo no fim dos tempos é um fato certo, que deve influenciar toda ação pessoal e política. Não temos aqui neste mundo morada definitiva, e a vinda do Senhor dos criados, do Pai de família, do Esposo, está próxima.

De fato, esta tentação que se dá nas anteriores vindas de Cristo é sempre a mesma: a do criado que não quer esperar o seu senhor para quando este chegar das bodas. Quer sua vida independente, seu paraíso na terra e a terra eterna. Continuando o discurso, N. Senhor põe-nos em guarda exatamente acerca desta tentação:

“O que sucedeu nos dias de Noé, isto mesmo sucederá na vinda do Filho do homem. Por que assim como nos dias anteriores ao dilúvio os homens continuavam comendo e bebendo, casando-se e dando seus filhos em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E não haviam jamais pensado no dilúvio, até que o viram começar, e os arrebatou a todos. Assim será na vinda do Filho do homem (…) Vigiai e orai, pois, vós outros, já que não sabeis a que hora haverá de chegar o vosso Senhor. Bem-aventurado o servo que o senhor ao voltar encontrar vigiando. Em verdade vos digo, que lhe será confiado o governo de todas suas terras. Porém, se este servo for mau, e disser em seu coração: Meu senhor não virá tão cedo; e por isso começar a maltratar os outros criados, a comer e a beber com os bêbados, virá o senhor do criado no dia que não espera, e à hora que menos pensa, e o lançará fora e lhe dará a pena dos hipócritas e servos infiéis, e ali haverá choro e ranger de dentes”.

O Modernismo não é outra coisa que a sistematização dessa tentação. O R. Pe. Castellani[5] escreve:

“O modernismo fundirá o liberalismo e o comunismo ao elemento religioso. O modernismo é o fundo comum das heresias contrárias, que algum dia – e já o vemos aproximar-se – as englobará por obra do Pseudoprofeta. Não é possível definir suscintamente o modernismo. É algo que era, que não é e que será; e quando for, durará pouco. Tecnicamente, os teólogos chamam de modernismo a heresia aparentemente complicada e difícil, condenada por São Pio X na encíclica Pascendi, porém, a heresia não é mais que o núcleo explícito e pedantesco de um impalpável e onipresente espírito que permeia o mundo hodierno (…). O ’blá-blá-blá’ do modernismo é mais um ruído que uma palavra. Contudo, é um ruído mágico, arrebatador, demoníaco, cheio de sinais e prodígios (…).Atrai, adormece, desnorteia, embriaga, exalta (…). O “blá-blá-blá” do liberalismo é “liberdade, liberdade, liberdade!”. O “blá-blá-blá” do comunismo é “justiça social”. E dos “blá-blá-blás” do modernismo, donde nascem os outros e se reúnem, poderíamos assinalar este: “Paraíso na terra; Deus é o homem; o homem é deus!!!”.

Também poderíamos assinalar brevemente o papel das três figuras anteriormente mencionadas. O papel da revelação nos últimos dias será capital. Salvo os dias de N. Senhor em sua vida mortal, nunca nenhuma época foi profetizada em tantos detalhes. As profecias serão o grande apoio e consolo do fiel. O que poderia parecer causa de susto será o grande motivo de consolação. 

São João Batista, ou o sacerdócio, será certamente perseguido e preso, porém ainda assim se fala da grande pregação de duas Testemunhas Mártires, Elias e Enoc. Com essa pregação dar-se-á a grande alegria da Igreja nesses tempos tenebrosos, que será a conversão dos judeus: sua entrada na Igreja, arrependidos, convertidos, tendo reconhecido a N. Senhor Jesus Cristo como seu Salvador e Deus. Este fato será como uma recordação da Promessa ao mundo apóstata e tíbio.

Entretanto, o Drama será especialmente a luta travada entre o dragão e a Mulher: será uma luta pessoal entre o inferno e a Virgem. Será sob sua bandeira que se agruparão os humildes. Por fim, o seu Imaculado Coração triunfará, e ela lhe esmagará a cabeça.

In Te Domine speravi

Tantas são as considerações que se nos impõem! Mas no fundo de todo o Advento está como princípio motor a virtude da Esperança. É por ela que alargaremos o coração, “abre bem a tua boca e Eu te saciarei”. É vigiando à porta da alma para que não a ocupe desejo algum que contradiga ao Desejo de N. Senhor, que nos preparemos para a graça, para o céu, para as tribulações. É levando o nosso desejo para a oração, para o pedido, que alcançaremos a vinda e o triunfo de nosso Salvador. 

in Permanência

  1. G. Oudin et Cie, Editeurs. 1911.
  2. Do latim Adventus, que significa Vinda. Dá-se ao exercício de preparação o nome do próprio acontecimento a que se propõe preparar.
  3. Consagração de si ao Amor misericordioso.
  4. Introducción Tomás de Aquino. Por Santiago Ramírez OP. Editorial B.A.C, 1975.
  5. Los Papeles de Benjamín Benavides, Ediciones Dictio. Pe. Castellani aplica as três Rãs do Apocalipse ao liberalismo, comunismo e modernismo. “Cuá – Cuá” quer dizer o tema principal destas heresias, repetidas como cantos de rãs.
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