Se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo. (Luc. XIII, 5.)
Há dois caminhos que levam ao céu: o da inocência e o da penitência. Quem se tiver extraviado por aquele, tem necessariamente de tomar por este.
Se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo. (1) Ainda que o amor próprio procure diminuir a culpa pela qual havemos de fazer penitência, ainda que a sensualidade busque evasivas e desculpas para fugir à dor que a penitência traz consigo, nem por isso deixam de ser verdadeiras as palavras e ameaças de Cristo.
Sem a virtude da penitência não houve remissão dos pecados na lei natural, no tempo da lei Moisaica, nem a há no tribunal da penitência, no tempo da lei da graça. Nem pode ser de outro modo.
Será justo que tendo ofendido a Deus, teu supremo Bem e soberano Senhor, estejas tão sossegada como se não tivesses sofrido mal nenhum, e que não te entristeças por teres pecado? Será justo que continues no gozo e na alegria, entregue a tida a espécie de prazeres? Que ideia fazes da grandeza de Deus?
Quase o magoa mais a tua falta de arrependimento, do que o próprio pecado. Olhei, diz o Senhor, e ouvi: não há ninguém que faça penitência dos seus pecados, dizendo: Que fiz eu? (2) Ofendeste a um Deus justo e santo, e não temes a taça terrível da ira divina, que o Senhor sustenta nas suas mãos, e que todos os pecadores hão de esgotar até às fezes? (3) Que leviandade, que ousadia e que cegueira!
Ofendeste a Deus! e atreves-te a apresentar-te assim na sua presença! Queres que Ele presencie o espetáculo da tua alma impura, e que sustenha o braço da sua justiça? A quem me queres comparar para me julgares semelhante a ti (4) e me fazeres de certo modo teu cúmplice?
Nem digas: Não preciso de fazer penitência: já me arrependi, confessei-me e recebi a absolvição das minhas culpas: porque o Espírito Santo declara que não deixes de temer pelos pecados já perdoados. (5)
É justo que te alegres porque a grande bondade do Senhor te quis perdoar! mas, nem por isso deixa de ser certo que o ofendeste, e que a lembrança dos pecados que cometeste, te deve causar amargura toda a tua vida, humilhar-te e dispor-te para fazer penitência.
E além disso, não te fica ainda para pagar a pena temporal?
Tão certo é, que te sobejam motivos para te julgares pecadora, e para aceitares as tribulações desta vida com verdadeiro espírito de penitência.
Por outro lado, ainda que não houvéssemos cometido nenhum pecado mortal, estaríamos obrigados a ela; porque penitência significa mortificação, luta, abnegação, destruição do mal, que há em nós.
Vimos ao mundo, sujeitos à penitência, como filhos de ira e membros daquela grande família, que perdeu a graça na pessoa dos seus primeiros pais, e que por isso veem gemendo debaixo do peso de inumeráveis males. acaso não tem a humanidade inteira de sofrer as consequências do pecado original? Que dificuldade em conhecer e praticar o bem! Que desgraçada inclinação para o mal! E tudo isto anda aliado a um cortejo de males físicos, de dores, enfermidades, trabalhos, privações e angústias, até que venha por fim a morte libertar-nos deles.
Verdadeiramente, homem e penitente na condição e que atualmente nos encontramos, significam uma e a mesma coisa.
E não é isto o que nos está ensinando toda a vida do Homem-Deus? Não tem ela o caráter de verdadeira penitência, desde o berço até à cruz? Pretenderemos nós apartar-nos dela, sendo Jesus a nossa cabeça?
Que é que levou tantas santas, como Santa Rosa de Lima, Santa Izabel, Santa Maria Madalena de Pazis a viver uma vida de heróica penitência, senão o conhecimento da culpa a que estavam sujeitas, como descendentes de Adão, e o desejo de destruir em si o homem velho e de satisfazer à justiça divina?!
Se o homem não se violenta, se não reprime a sua natureza corrompida, procurando tê-la sujeita ao domínio do espírito, as paixões degradá-lo-ão.
“Sofre e abstém-te”: eis o lema da nossa condição de penitentes. Sem sofrimento e privações não pode haver segurança, não pode haver virtude, nem coroa, nem céu.
“Sofre e abstém-te”: eis o lema até dos inocentes: o lírio, só no meio dos espinhos está seguro.
Penitência, cruz, mortificação! Como estas palavras soam tão duramente aos nossos ouvidos! Contudo devem andar sempre nos nossos lábios, para daqui as fazermos passar às obras: senão pereceremos todos do mesmo modo. (6)
O que sobretudo te aterra na penitência, é o aspecto de austeridade com que ser apresenta. Afigura-se-te dura e severa! Imaginá-la pálida, extenuada, como um fantasma.
A penitência é dura. Mas, a vida é acaso um paraíso de rosas?!
Repara bem no aspecto austero desta virtude, e encontrarás impresso nela o selo da dignidade humana e da paz celestial.
É certo que dizer penitência, é dizer amargura; mas, debaixo desta capa, está oculto o fruto mais doce e agradável da paz, da consolação e da confiança.
O que te causa repulsa, torna-o fácil a graça, a unção do Espírito Santo, o auxílio de Maria Santíssima e dos santos, a esperança da recompensa eterna, e o costume que insensivelmente se adquire.
Porventura, depois da queda de Adão já o homem alcançou qualquer bem de certa importância sem grandes trabalhos e suores? E hão de nos custar menos do que todos os bens da terra, bens tão preciosos como a libertação do cativeiro do pecado, a volta à graça de Deus, e o aumento em nós dos tesouros celestiais?
De que prodígios seria teatro o mundo, se os condenados conseguissem, ao menos, um momento para fazer penitência!
Ainda que tenhas cometido um só pecado mortal, considera=te já como condenada, porque mereceste por ele o inferno, e devias ter caído nele.
e se Deus te quis conservar, foi para te dar tempo para fazeres penitência: (7) E tu negar-te-ás a isso?
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Luc. XIII, 5.
(2) Jer. VIII, 6.
(3) Salm. LXXIV, 9.
(4) Is. XLVI, 5.
(5) Ecle. V, 5.
(6) Luc. XIII, 5.
(7) Apoc. II, 21.
Última atualização do artigo em 14 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico