Ó meu Deus que sois todo amor, acendei em mim a chama da caridade.
1 – A Sagrada Escritura diz-nos: “Deus caritas est” (I Jo. 4, 16). Deus é amor, amor eterno, infinito, substancial. Assim como tudo o que há em Deus é belo, bom, perfeito, santo, tudo o que há em Deus é amor: a Sua formosura, a Sua sabedoria, a Sua onipotência, a Sua providência e até a Sua justiça, é amor. O amor é perfeito e santo quando se orienta com todas as suas forças para o sumo Bem preferindo-o a todos os bens; este é o amor com que Deus Se ama a Si mesmo, porque Ele é Bem, o único Bem sumo e eterno, ao qual nenhum outro bem pode ser preferido. Portanto, o amor infinito que Deus tem a Si mesmo é, por sua natureza, inteiramente santo e em nada se relaciona com o que nós chamamos egoísmo ou amor próprio, pelo qual nos amamos a nós mesmos com afeto desordenado, até nos preferirmos – em pouco ou em muito, às vezes em tudo – a Deus, sumo Bem. Nós somos egoístas porque tendemos a amar-nos a nós mesmos, excluindo qualquer outro afeto; Deus, porém, está de tal maneira isento de toda a sombra de egoísmo que, embora amando-Se infinitamente e estando totalmente enamorado do Seu bem infinito, tende por Sua natureza a irradiar o Seu amor. É assim que Deus ama as criaturas; não as ama por haver nelas algum bem que O atraia, mas porque Ele mesmo, amando-as, produz nelas o bem. “O amor de Deus – afirma S. Tomás – é a causa que infunde e gera a bondade nas coisas” (Iª, q. 20, a. 2, co); Deus ama-nos, pois, com um amor totalmente gratuito e livre, com um amor sumamente puro, com um amor que é, ao mesmo tempo, benevolência e beneficência: benevolência que quer o nosso bem, beneficência que faz o nosso bem. Deus, amando-nos, para o bem, convida-nos à santidade, atrai-nos a Si, torna-nos participantes da Sua felicidade eterna; tudo o que somos e temos é dom do Seu amor infinito.
2 – “Deus foi o primeiro que nos amou”, exclama o apóstolo S. João (I, 4, 10), e de fato amou-nos desde toda a eternidade. Jazíamos no nada e contudo já estávamos no pensamento de Deus e Ele, vendo-nos, amou-nos e decretou chamar-nos à existência, de preferência a outros inumeráveis seres. “Amei-te com amor eterno e por isso, compadecido de ti, atraí-te a mim” (Jer. 31, 3): eis como o próprio Deus nos revela a história da nossa vida que é a do Seu amor para conosco. História que, uma vez iniciada, não mais termina, porque o amor de Deus não tem fim; só o pecado tem a triste possibilidade de a interromper, mas, por Si, Deus ama-nos sempre e amar-nos-á com um amor incessante, infinito, eterno, imutável, fidelíssimo. Deus ama-nos quando nos consola, mas ama-nos também quando nos prova e nos deixa acabrunhados; ama-nos quando nos manda alegrias em abundância, mas ama-nos também quando nos aflige com a dor; as Suas consolações são amor, mas não o são menos os Seus castigos e provações. Em qualquer circunstância, por mais triste e dolorosa que seja, estamos sempre cercados pelo Seu amor que outra coisa não pode ser senão o desejo do bem e que por isso quer infalivelmente o nosso bem, mesmo quando nos conduz pelo caminho áspero e duro do sofrimento. Deus “tira a vida e dá a vida… castiga-nos e salva-nos” (cfr. I Reis, 2, 6; Tob. 13, 2), sempre impelido pelo Seu amor. Assim, não é raro ferir mais aqueles a quem mais ama, “porque – diz o Espírito Santo – os homens amados são provados no cadinho da humilhação” (Ecli. 2, 5). E Sta Teresa de Jesus afirma: “Vede, pois, o que deu [trabalhos e dores]… Àquele a quem mais amava [Jesus]… São estes os Seus dons neste mundo. Dá conforme ao amor que nos tem: dá mais a quem mais ama, e menos a quem menos ama” (Cam. 32, 7).
Crer no amor de Deus, crer nele firmemente mesmo quando nos fere no que possuímos de mais querido, eis o programa da alma que deseja entregar-se cegamente ao Amor infinito.
Colóquio – “Ensinai a este miserável, ó meu Deus, quanto Vos deve amar, e amar-Vos-ei com todo o meu coração, com toda a minha alma, porque Vós fostes o primeiro a amar-me. Eu existo porque Vós me criastes, e desde a eternidade Vos propusestes criar-me e contar-me a eternidade Vos propusestes criar-me e contar-me entre as Vossas criaturas. Donde me vem esta graça, benigníssimo Senhor, Deus altíssimo, Pai misericordiosíssimo? Por que merecimentos meus ou por que graça minha aprouve a Vossa Majestade criar-me? Eu não existia e Vós me criastes; nada era e do nada me arrancastes, fazendo-me alguma coisa. E que coisa? Não uma gota de água, nem fogo, nem ave, nem peixe ou qualquer outro animal… mas fizestes-me um pouco inferior aos anjos porque, como eles, recebi a razão para Vos conhecer e para que, conhecendo-Vos, Vos pudesse amar. E eu, ó Senhor, sou homem, por Vossa graça e por ela posso também ser Vosso filho, o que não podem as outras criaturas. isto operou-o só a Vossa graça, só a Vossa bondade, a fim de eu poder participar da Vossa doçura. Concedei-me, pois, a graça de Vos ser reconhecido, Vós que do nada em criastes!” (Sto. Agostinho).
“Ó meus Deus, Sabedoria infinita, sem medida nem limitação, superior a todos os entendimentos angélicos e humanos! Ó Amor que me amai acima do que eu me posso amar entender! O amor que nos tendes e tivestes ainda mais me espanta e desatina por sermos o que somos.
“Como poderia a minha vontade não sentir inclinada a amar-Vos? Ó Senhor, tantas demonstrações de amor recebi de Vós, que desejo ao menos pagar-Vos alguma. Afligi-me em especial o pensamento de que Vós, verdadeiro amante, nunca me abandonais, mas sempre me acompanhais, dando-me o ser e a vida. Entendendo que melhor amigo jamais poderei encontrar” (T.J. Ex. 17, 1; P. 1, 7; M. II, 4).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.