Ó Senhor, fazei que eu Vos ame por Vós mesmo e não para minha consolação; fazei que, amando-Vos, procure sempre a Vossa caridade e não a minha.
1 – Amar é querer bem a alguém; compreende-se, pois, que a essência do amor está no ato da vontade com que se quer bem. Isto não obsta a que em nós a este ato se una o afeto sensível, e então o amor é, ao mesmo tempo, ato da vontade e ato da sensibilidade: todavia é evidente que a substância do verdadeiro amor não consiste na emoção do sentimento, mas sim no ato d vontade. A caridade não modifica a nossa maneira de amar, mas penetra-a, sobrenaturaliza-a, tornando a vontade a sensibilidade capazes de amar a Deus. Também o nosso afeto sensível pode empenhar-se no ato de amor sobrenatural; Deus não desdenha esta manifestação mais humilde, menos elevada, do nosso amor por Ele e a prova disto é que nos mandou amá-lO não só com toda a mente e com toda a alma, mas também com todo o coração. Todas as nossas forças – intelectuais, volitivas, afetivas – são postas em ação no ato de amor e no entanto a substância desse ato não esta no sentimento, mas na vontade. Por isso quando no teu amor para com Deus permaneces frio quando à sensibilidade e não sentes nada, não te deves perturbar: encontrarás desse modo menos satisfação no teu amor – porque sentir que se ama é muito mais doce – porém o teu ato de amor será igualmente verdadeiro e pleno. Ao contrário, faltando-te o ao poio e o impulso que vem do sentimento, ver-te-ás constrangido a aplicar-te com maior decisão ao ato da vontade, e isto, longe de prejudicar, tornará mais volitivo, e portanto mais meritório, o teu ato de amor. Precisamente porque a substância do amor consiste no ato da vontade que quer bem a Deus, o Senhor, para tornar mais intenso e puro o teu amor, privá-lo-á frequentemente de toda a doçura do sentimento; já não sentirás que amas a Deus – e isto causar-te-á pena – mas, na realidade, amá-lo-ás na media em que souberes querer decididamente a Sua vontade, o Seu beneplácito, o Seu gosto, acima de mão, ao passo que depende sempre de ti fazer atos de amor com a vontade, depende sempre de ti querer bem a Deus, procurando com todas as tuas forças viver para Ele e agradar-Lhe.
2 – S. João da Cruz declara: “A vontade, pela operação, une-se com Deus e nEle põe o seu termo, que é o amor, e não pelo assentimento e apreensão do seu apetite que se assenta na alma como fim e remate” (Cart. 11). A operação da vontade é o ato de amor com que queremos bem a Deus, com que conformamos a nossa vontade à Sua; esta operação tem o seu termo precisamente em Deus e é o verdadeiro meio para nos unirmos a Ele. O sentimento do amor, pelo contrário, não passando de uma impressão subjetiva, produzida talvez na sensibilidade pelo ato de amor termina na alma que o experimenta, conforta-a mas, de per si, não contribui para a unir com Deus. É verdade que a alma pode servir-se dele, para se dar ao Senhor com maior generosidade e neste caso o sentimento do amor intensifica a operação da vontade; infelizmente, porém, somos tão inclinados a procurar a nossa satisfação até nas coisas mais santas, que não é difícil que a alma se detenha na doçura deste sentimento e cesse então de tender para Deus com todas as suas forças. É por isso muito útil que Deus nos faça passar por períodos de aridez obrigando-nos assim a caminhar através da pura operação da vontade; então, diz o doutor místico, “a alma só nEle põe o afeto, gozo, gosto e amor, arredadas todas as coisas e amando-O sobre todas elas”. E acrescenta: “Muito louco seria o que faltando-lhe a suavidade e deleite espiritual, pensasse que por isso lhe faltava Deus e quando a tivesse gozasse e se deleitasse, pensando que por isso possuía a Deus” (ib.). Não, não consiste nisto o verdadeiro amor e união com Deus, mas na pura operação da vontade que procura a Deus e o Seu querer acima de todas as coisas. Por isso se queres verdadeiramente amar a Deus e unir-te a Ele, “conserva essa fome e sede de Deus só” (ib.), isto é, deves procurar só a Sua vontade preferindo-a à tua. Esta maneira de amar far-te-á sair de ti mesmo, daquilo que há de mais profundo no teu eu, na tua vontade, para te lançar todo na vontade de Deus. Se pensas que, para chegar à união perfeita com Deus, toda a tua vida tem de estar envolvida pela Sua vontade, sentirás a necessidade de seres continuamente generoso a fim de saíres da tua vontade e de permaneceres sempre na de Deus.
Colóquio – “Ó Deus e Senhor meu! Quantos são os que andam a buscar em Vós o seu consolo e gosto só desejando que lhes concedais mercês e dons! Ao contrário, os que pretendem dar-Vos gosto e dar-Vos algo á sua custa, sem olharem ao seu particular, são muito poucos.
“Concedei-me, ó Senhor, a graça de Vos seguir com verdadeiro amor e com espírito de sacrifício, para que de maneira alguma busque consolação e gosto nem em Vós nem noutra coisa! Não quero pedir-Vos mercês, porque vejo claramente que muitas me tendes feito. Todo o meu cuidado está em como poderei dar-Vos algum gosto e servir-Vos por causa do que mereceis, ainda que seja à minha própria custa, à custa de incômodos e sofrimentos. Ó meu Amado, quero para mim todo o áspero e trabalhoso e para Vós tudo quanto é suave e saboroso” (J.C. N. II, 19, 4; AM. 2, 52).
“Ó Senhor, com é necessário aprender a amar-Vos sem interesse! Para caminhar como se deve no caminho do amor, é necessário ter o único desejo de Vos servir, ó Cristo crucificado; não só não Vos peço consolações, mas nem sequer as desejo e suplico-Vos que não mas concedais nesta terra.
“Não, meu Deus, o amor não está nos gostos espirituais, mas na firme determinação de Vos contentar em todas as coisas, em procurar quanto pudermos não Vos ofender, em pedir-Vos o aumento da Vossa honra e da Vossa glória. Está sobretudo em ter a nossa vontade tão conforme à Vossa, que nenhuma coisa entendamos que tendes que não a queiramos com toda a nossa vontade e tão alegremente tomemos o saboroso como o amargo. Ó poderoso amor de Deus, como é verdade nada parecer impossível a quem ama” (T.J. M. IV, 2, 9; 1, 7; F. 5, 10; P. 3, 4).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.