INTRODUÇÃO
Chama Jesus todos os homens à salvação eterna; foi por eles que nasceu, padeceu e morreu.
Não obstante, variados são os caminhos pelos quais os conduz ao céu. Cada alma recebe dons, aptidões em relação com o seu estado e com a missão que deve cumprir.
Essas missões são diversas como os estados de vida. Algumas, mais sagradas, assumem o caráter de uma vocação. Todas as vocações são ordenadas em mira à salvação, e a elas deve cada um mostrar-se generosamente fiel. Umas há, porem, mais elevadas que outras, e entre estas ocupa a primeira linha a vocação sacerdotal.
Admite-se que nem todos são indistintamente chamados ao Sacerdócio.
O ofício do Sacerdote corresponde a uma missão por demais elevada, requer qualidades demasiado especiais, comporta responsabilidades sobejamente grandes e confere poderes demasiadamente extensos, para que tão alta vocação não seja efeito de um chamado particular e de uma escolha individual.
Essa condição é essencial tanto para lhe receber a honra quanto para lhe desempenhar as funções.
O Sacerdote é um “chamado”, um “escolhido”, um “privilegiado” de Deus.
É o que faz sua grandeza. É o que lhe assegura as graças da sua sublime e delicada missão.
Daí a importância capital de conhecer-se a escolha de Deus sobre as almas sacerdotais. Só estas podem aspirar à honra do Sacerdócio. “Ninguém se arrogue essa honra, senão o que é chamado por Deus”, diz-nos S. Paulo. “Nec quisquam sumit sibí honorem, sed qui vocatur a Deo” (1).
Essa escolha divina comporta uma dignidade sem igual, que não honra só ao Sacerdote, mas que ressalta sobre a família e a sociedade. É por isso que todos são interessados nas vocações sacerdotais.
O SACERDÓCIO SUPÕE UMA ESCOLHA DIVINA
1. — Uma escolha.
Evidentemente, de forma alguma pode o Sacerdócio ser considerado como coisa ordinária, comum, fortuita: por exemplo, como efeito do acaso, conseqüência de certos acontecimentos, resultantes de circunstâncias diversas, desfecho de situações particulares, etc. Se assim fôra, o Sacerdócio seria algo de facultativo e de sem valor, que, por conseguinte, poderia ser aceito ou rejeitado impunemente à vontade; o que absolutamente não corresponde à justa concepção que os cristãos habitualmente fazem do Sacerdócio.
Sem dúvida alguma, há uma vontade que preside à escolha de um Sacerdote. Essa escolha deve ser inteligente, sábia, judiciosa, feita em vista de um fim determinado, em harmonia com o papel que o Sacerdote é destinado a desempenhar.
Só se dirigem para o Sacerdócio aqueles que a ele se creem chamados. Só são ordenados pelo Bispo aqueles que este acredita serem os eleitos do Senhor,
À origem da vocação sacerdotal, como ao seu coroamento pela Ordenação, preside e domina um pensamento mestre: há chamamento; a pessoa é verdadeiramente escolhida por Deus.
2. — Escolha divina.
Se o Sacerdócio é a conseqüência de uma escolha real, daí não se segue que possa qualquer um dar-se a si mesmo essa vocação pelo simples fato de se determinar a abraçá-la.
O eleito não faz o chamado, recebe-o e responde-lhe. A vocação sacerdotal não depende nem da vontade humana, nem da intensidade dos desejos, como tão pouco do capricho ou da imaginação.
Os mais belos planos do futuro não têm valor algum se não repousarem em base real e séria. A base da vocação sacerdotal é o chamamento do alto; o resto é mera conseqüência e expansão disso.
Não somos donos da graça, dá-a Deus a quem quer e na medida que lhe apraz. Quem, pois, ousaria criar para si, por si mesmo, uma missão na ordem sobrenatural, e pretender dispor a seu talante de graças especiais destinadas a um fim determinado a que não fosse chamado?
Ora, o Sacerdócio é algo de puramente sobrenatural, que depende unicamente da vontade divina, e que Deus distribui às almas segundo a sua sabedoria e beneplácito.
Jesus teve o cuidado de no-lo declarar formalmente, dizendo: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi’’ (2).
É a esta luz de verdade que cumpre considerar a vocação sacerdotal para lhe apreciar a excelência e lhe corresponder fielmente, se a ela sentir-se alguém chamado.
3. — Escolha divina na origem.
A vocação sacerdotal não é uma escolha que Deus fez do eleito no curso da sua vida, numa época de maior fervor, em seguida a circunstâncias providenciais, em recompensa de um merecimento qualquer, por uma necessidade de momento. Os acontecimentos humanos e as disposições do indivíduo absolutamente não influem nas escolhas de Deus. Cumpre remontar a mais alto, até aos decretos eternos, para descobrir em sua origem a vocação sacerdotal.
No pensamento de Deus, a criação futura de uma alma sacerdotal já está assinalada com o cunho das escolhas divinas; quando ela é criada, não faz mais do que realizar no tempo o pensamento eterno de Deus.
Desde toda eternidade foi o Sacerdote escolhido por Deus para ser seu ministro e representante. A sua vocação é eterna e divina. Haverá algo maior?
4. — Escolha divina no fim.
Divina na origem, a vocação sacerdotal também o é no fim. O Sacerdote recebe uma missão sobrenatural, em vista dos interesses maiores de Deus e das almas: eis aí todo o Sacerdócio.
O Sacerdote não é Sacerdote para as coisas terrenas; mas unicamente para as coisas celestes. Não tem a liberdade de consagrar-se a umas ou a outras; só existe para ser intermediário entre Deus e os homens. O seu ofício é todo divino; ele só foi escolhido para cumpri-lo.
Nada engrandece tanto a vocação sacerdotal; por outro lado, nada lhe torna mais temíveis as sublimes responsabilidades.
5. — Escolha divina na participação do Sacerdócio de Jesus.
Nada há de tão grande, santo, divino como o mistério da Incarnação do Verbo.
O Filho de Deus aparece na humanidade com a honra do seu Sacerdócio. É o Sacerdote eterno que vem oferecer seu Sacrifício. Toda a sua missão consiste no exercício do seu Sacerdócio, continuado durante toda a vida e coroado pela imolação suprema do Calvário.
Para aplicar ao mundo os merecimentos do Sacrifício do seu Salvador, a Igreja recorre aos Sacerdotes que participam do mesmo Sacerdócio de Jesus e que cumprem na terra idêntica missão.
Não pode haver vocação mais elevada, nem escolha mais divina.
Compreende-se que Jesus haja afirmado ter, só Ele, o direito de escolher seus Sacerdotes. Serve-se ele dos homens para manifestar suas vontades; mas, antes que seus eleitos sejam chamados a subir os degraus do santuário, já Ele os escolheu e marcou com o cunho das suas eternas e sacerdotais predestinações.
A Vocação sacerdotal, M.E. De La CROIX, Cap. I, 1942.
(1) Hebr., V, 4.
(2) João, XV, 16.
Última atualização do artigo em 19 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico