Ó Senhor, ensinai-me a crer mesmo no meio da obscuridade e das trevas; ensinai-me a crer, confiando unicamente na Vossa palavra.
1 – A inteligência humana pode, só com as suas forças, através da consideração das coisas criadas, subir ao conhecimento de Deus criador, pode conhecer a Sua existência e ainda algumas das Suas perfeições, mas ao mistério da Sua vida íntima, mistério que escapa aos olhares de qualquer criatura, não pode chegar sem que o próprio Deus a eleve. Só Deus conhece os mistérios da Sua vida íntima e da comunicação dessa vida aos homens, e só Deus no-los pode revelar. A revelação divina faz-nos “saber” com certeza que tais realidades existem, e contudo, não no-las deixa “ver”: faz-nos saber que Deus é Trindade, mas não nos faz ver a Trindade; faz-nos saber que Deus nos dá a graça, mas não no-la faz ver. Para aderirmos aos divinos mistérios, exatamente porque não vemos, devemos crer, confiados em Deus que no-los revelou; é nisto propriamente que consiste o ato de fé. A fé é certa porque se apoia na palavra de Deus que nem Se engana nem pode enganar. Neste sentido pode dizer-se que a fé é clara, ou seja, “limpa de erros” (J.C. C. 12, 3), e que não admite dúvidas, já que não se pode duvidar da palavra de Deus; mas, ao mesmo tempo, permanece obscura, porque não nos mostra as verdades que nos propõe para acreditar, continuando estas, por isso, a serem para nós um mistério. Recordemos, a ânfora que encerra uma tocha acesa sem a deixar ver. Este aspecto obscuro da fé é para nós simultaneamente penoso e glorioso. Penoso, porque não vemos o que cremos, porque o ato de fé exige, com frequência, um salto na escuridão, nas trevas, coisa que repugna à natureza humana que gosta de controlar, de se dar conta, de prosseguir baseada em dados evidentes. As realidades sobrenaturais, quanto mais elevadas são, tanto mais são obscuras; são trevas para a nossa inteligência incapaz de avançar sem a ajuda dos sentidos e incapaz de abranger o infinito. Por outro lado, é esta obscuridade que constitui o mérito e a glória do nosso ato de fé: mérito, porque é um ato inteiramente sobrenatural que não se baseia sobre o que vemos e controlamos, mas somente sobre o que Deus nos revelou; glória, porque o nosso ato de fé é tanto mais glorioso e honroso para Deus quanto mais se apoia só na Sua palavra.
2 – A minha inteligência não tem necessidade do concurso da vontade para acreditar que dois e dois são quatro: vê-o, é evidente. Ao contrário, perante as verdades divinas, precisamente porque não são para mim evidentes, a minha inteligência tem a liberdade de dar ou não o seu assentimento, e eu creio só porque quero crer. Diante das verdades naturais que posso controlar, como as verdades matemáticas, a minha adesão depende do esforço da minha inteligência: quanto mais a fundo as conheço e compreendo, mais convencido fico delas. Porém diante das verdades sobrenaturais, a minha adesão depende do esforço da minha vontade: é a vontade quem dá o impulso à inteligência. A vontade livre e reta, que ama o seu Deus, aceita plenamente tudo o que Ele lhe revelou; não é uma aceitação fria, mas uma aceitação amorosa, que põe em jogo todas as forças, toda a alma.
Todavia, porque falta a evidência, pode surgir a dúvida no meu pensamento; não me devo admirar, porque é natural que o entendimento humano duvide daquilo que não vê nem percebe. Algumas vezes as dúvidas podem provir da ignorância e então é um dever instruir-se; mas outras podem ser simples tentações e devem ser vencidas por um ato da vontade: Senhor, creio porque quero crer, creio embora não entenda, embora não veja, embora esteja em trevas. Creio, baseado unicamente na Vossa palavra. Esta é a conduta a seguir nas tentações contra fé; em vez de nos perdermos em raciocínios ou de desanimarmos, é mister aderir simplesmente com um ato da vontade. na sua dura prova contra a fé, Sta Teresa do Menino Jesus escrevia: “Apesar de não ter o gozo da fé, procuro ao menos realizar-lhe as obras. Creio que fiz mais atos de fé desde há um ano que durante toda a vida” (M.A. pg. 257). Através destas provações, a fé torna-se mais pura, mais sobrenatural: a alma crê, não pela consolação que a fé lhe dá, não apoiando-se no sentimento ou no entusiasmo, nem tão pouco nesse mínimo que entende dos mistérios divinos, mas crê só porque Deus falou. Quando o Senhor quer conduzir as almas a uma união mais íntima com Ele, quase sempre as faz passar por estas provas: é o momento de Lhe dar o testemunho da nossa fé, lançando-nos cegamente nos Seus braços.
Colóquio – “Ó fé bendita, tu és certa, mas também obscura. És obscura porque fazes crer em verdades reveladas pelo próprio Deus, as quais estãoa cima de toda a luz natural. A tua luz excessiva – luz de divina verdade – transforma-se para mim em obscura treva, porque o mais vence o menos, assim como a luz do sol suprime outras quaisquer luzes e vence a minha potência visual.
“Tu és noite escura para a alma e como noite a iluminas, à semelhança daquela nuvem tenebrosa que, durante a noite, alumiava o caminho aos filhos de Israel; assim, embora tu sejas escura nuvem, alumias com a tua treva a treva da minha alma. Por isso, posso dizer também eu: a noite será a minha luz nas minhas delícias. No caminho da pura contemplação e união com Deus, a tua noite, ó fé, será o meu guia.
“Fazei-me pois compreender, ó Senhor, que para vir a juntar-me em união conVosco, não devo procurar razões nem arrimar-me ao gosto, nem ao sentido, nem à imaginação, mas devo crer no Vosso infinito Ser divino que não cabe no entendimento nem noutro qualquer sentido” (cfr. J.C. S. II, 3, 1-6; 4, 4).
“Ó fé, tu és a grande amiga do nosso espírito, e às ciências humanas que se gabam de ser mais evidentes do que tu, podes muito bem dizer aquilo que a sagrada Esposa dizia às outras pastorinhas: ‘Eu sou morena, mas formosa’. Tu és morena porque estás entre as obscuridades das revelações divinas, as quais, carecendo de aparente evidência te fazem aparecer negra tornando-te quase irreconhecível; mas também és formosa em ti mesma pela tua infinita certeza” (cfr. S. Francisco de Sales).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.