O Combate Espiritual – Obstáculos a vencer
As paixões: O Orgulho
1. Natureza do orgulho – Suas diversas formas
“Cada um é tentado pela sua própria concupiscência que o arrebata e seduz,” diz o Apóstolo São Tiago[1]. Os ataques do demônio, de que falaremos logo adiante, seriam pouco perigosos, se, dentro de nós mesmos, não tivéssemos inimigos temíveis – as nossas paixões. Estas inclinações ao mal, já de si impetuosas e ardentes, chegam muitas e muitas vezes a tornar-se tirânicas pelas faltas cometidas, pelas concessões que se lhe fazem. Admitem-se comumente, para as más inclinações, três divisões principais: o orgulho, a sensualidade e o apego aos bens terrenos.
O orgulho é um amor desordenado à própria excelência. Santo Tomás, reproduzindo um texto de São Gregório, ensina que o orgulho se manifesta de quatro modos diferentes. Ei-los: ou atribuímo-nos o que temos de bom, ou, se reconhecemos que este bem vem de Deus, julgamos que seja devido a nosso méritos, ou vangloriamo-nos de possuir qualidades que não temos, ou, desprezando os outros, desejamos uma estima singular pelos nossos predicados.
O orgulho não diz em termos expressos: “Sou autor de minhas qualidades; a mim exclusivamente devo minhas virtudes e meus talentos;” mas o amor desregrado que tem a si mesmo e que faz convergir todos os seus pensamentos para o seu idolatrado “eu”, engana-o e o leva a apropriar-se mais ou menos inconscientemente o que não lhe pertence, a prevalecer-se dos bens que recebeu como se não fossem dons de Deus.
Assim, deste amor desregrado, deste egoísmo muitas vezes inconsciente, nasce uma complacência exagerada em si mesmo, que é o princípio do orgulho. Gosta-se de pensar nas qualidades que se tem ou que se julga ter e alegra-se com elas, não como de uma dádiva de Deus a um indigno, mas como de um bem pessoal de cuja posse se experimenta prazer, sente-se glória. O homem nesta posição faz uma ideia exagerada de seus méritos e, frequentemente, se atribui qualidades que não possui. É desta arte que procede o que só tem confiança em seu próprio juízo, ou toma como qualidade o que não é: assim fazem as pessoas altivas que se orgulham de suas riquezas, de suas luxuosas toilettes.
A complacência excessiva em si mesmo acarreta naturalmente a depreciação do próximo. O que é orgulhoso, sem o saber, é severo e injusto nos juízos que forma dos seus irmãos: julga-se superior a eles e esta disposição de sua vontade leva-o inconscientemente a rebaixá-los; muito facilmente se convencerá que ele só tem razão e que todos os outros estão enganados.
Da complacência em si mesmo nasce a vanglória, ou vaidade, que é o desejo imoderado da estima e dos louvores. Todo desejo de glória é desordenado, quando se procura a própria glória nas coisas frágeis e efêmeras, quando se baseia esta glória no juízo dos homens, tão propensos ao erro, quando se cobiça a estima e a aprovação por qualquer razão que não seja a honra de Deus e o bem das almas.[2] São, pois, roídas pelo vício da vanglória estas pessoas que visam ocupar o espírito dos outros, prender-lhes a atenção, granjear-lhes a admiração, embora pretendam vantagens fúteis. É o caso, também, das que têm um receio excessivo de ser esquecidas, tidas em conta de nada, desprezadas ou humilhadas.
O orgulho também gera a ambição, que é o amor da autoridade e das honras. Impor sua vontade, receber provas de respeito, eis as aspirações dos ambiciosos. Participam deste defeito os susceptíveis, os ciosos de sua autoridade, os quais em vez de se alegrarem com o bem realizado por outros, temem sempre que seus colegas ou auxiliares usurpem seus direitos ou granjeiem muito crédito.
Outra forma mais disfarçada do orgulho é a que excita a tristeza, o despeito, o desânimo. Se a pessoa que alimenta um amor desordenado à própria existência, é, por índole, inclinada aos pensamentos sombrios, ficará aterrorizada de seus defeitos, como outra qualquer se deleita na contemplação de suas qualidades; pensará neles sem cessar, concebendo amarga tristeza e, bem depressa, ficará sendo presa do abatimento e do desânimo. Esta modalidade da soberba é perigosa, porque simula a humildade e paralisa as almas.
2. Males causados pelo orgulho
O orgulho, não há negar, é uma grave desordem: perdeu a Lúcifer e seus anjos e foi a primeira falta de Adão e Eva. “Sereis semelhantes a Deus,” disse a serpente a nossos primeiros pais, e esta palavra despertou neles um sentimento de soberba. Eram muito inteligentes para caírem no erro grosseiro de se igualarem a Deus, mas pensaram consigo: “Bom seria sabermos por nós mesmos e decidir o que é bom e o que é mal, sermos independentes, livres de toda a autoridade, de sorte que todas as nossas vontades fossem legítimas e se cumprissem todos os nossos anhelos. O consentimento que deram a este pensamento de orgulho, cegou-os logo; e eles, instantes antes tão esclarecidos, deixaram-se seduzir grosseiramente e perpetraram seu pecado.
O que o orgulho foi no primeiro casal humano, ainda o é e sê-lo-á sempre em todos os seus descendentes: princípio de erro e de pecado e fonte de todos os males que acompanham a culpa. “tu dizes: “Sou rico adquiri grandes bens, não preciso de nada,” e não sabes que és um infeliz, miserável, pobre, cego e nu.”[3] Come feito, o orgulhoso é cego voluntário, mentiroso e ladrão: cego, pois engana-se a seu respeito, elevando-se nesciamente a seus próprios olhos e não quer ver as deploráveis consequências do seu erro; mentiroso, porque, sendo de si nada e pecado, tem a pretensão de que seus bens, suas qualidades lhe pertençam e diz-se superior ao que ele é; ladrão, porque se apossa de uma glória que só pertence a Deus.
Por isso, o orgulhoso é odioso a Deus e aos homens. É odioso a Deus: “Todo coração altivo, diz a Escritura Sagrada, está em abominação ao Senhor.”[4] Depois de Adão prevaricar, o Senhor escarneceu-o dizendo: “Eis que o homem tornou-se como um de nós.”[5] Esta criatura insensata, este verme que se incha, se arvora em rival de Deus e quer, quando menos, livrar-se da dependência que deve ao seu Criador e Senhor; fazendo alarde dos bens que recebeu de empréstimo e que muitas vezes são falso e enganadores, não pode deixar de provocar a repulsa daquele que é, por excelência, a verdade e a santidade. “Deus resiste aos soberbos;”[6] o orgulho é um dos maiores obstáculos às graças divinas: “Ai de vós, fariseus, dizia Jesus, que gostais dos primeiros lugares nas sinagogas e das saudações nas praças públicas,”[7] O orgulho é também odioso aos homens. Cheio de si sem condescendência para com ninguém e querendo ser obsequiado por todos, julgando legítima a satisfação de suas paixões, até com prejuízo alheio, não pode absolutamente atrair os corações. Esta pretensão de ser o centro de tudo, de tudo subordinar à própria pessoa, homens ou coisas, ou simplesmente de elevar-se acima de seu merecimento, desagrada aos que dela são testemunhas. Os próprios e mais aspiram à afeição, estima e veneração dos outros, são, ordinariamente, os menos amáveis e os menos amados.
O orgulho e a vaidade fazem perder até o mérito das boas obras. “Não façais vossas boas obras, disse o Salvador, diante dos homens para serdes vistos por eles: do contrário não tereis recompensa junto do vosso Pai que está no céu”[8]. O orgulho, que é essencialmente erro e mentira, conduz fatalmente a outros erros. Além de nos privar das grandes luzes que Deus concede aos humildes, influencia falazmente nos juízos fazendo-nos acreditar no que mais lisonjeia nosso amor próprio, adotar as opiniões que nos agradam negar nossos erros, desculpar nossas injustiças, exaltar e exagerar o pouco bem que praticamos.
O orgulho e a vanglória geram muitas outras falhas, Santo Tomás assim enumera as filhas da vanglória: “A jactância ou bazófia, o alarde das novidades, a hipocrisia, a obstinação ou apego à própria opinião, o espírito de chicana, a desobediência[9].” junte-se a esta enumeração o tão funesto respeito humano que perde tantas almas fracas. São João, neste ponto, cita um exemplo lamentável: “Até muitos membros do sinédrio, diz ele, acreditaram em Jesus; mas, por causa dos fariseus, não O confessaram, pois amaram mais a glória que vem dos homens do que a glória que vem de Deus.”[10] Enfim, como observa Santo Tomás, o orgulho é, muitas vezes, castigado por quedas vergonhosas; Deus assim o permite em sua sabedoria e misericórdia, para que a confusão do seu hediondo pecado, induza o orgulhoso a se humilhar e a se converter.[11]
3. Luta contra o orgulho
O orgulho, afirma Santo Tomás, é custoso de evitar-se, porque se introduz, sem o sabermos, e até aproveita para se manifestar de qualquer ato bom; mas então, enquanto a consciência não o descobre, ele não atinge toda a sua gravidade. Um vez assinalado, é fácil a uma alma reta combatê-lo quer pelo espetáculo da miséria humana, quer pela consideração das grandezas divinas, quer ainda pelo pensamento da fragilidade e da imperfeição dos bens que excitam esta paixão.[12]
Todavia, estas considerações todas embora muito acertadas, não são eficazes senão quando aliadas à oração ardente. O orgulho é uma loucura; mas, esta inclinação é tão profundamente enraizada no coração humano, que são necessárias graças fortíssimas para dominá-lo, e estas são dadas somente aos que as pedem com instância.
Manual de Espiritualidade por A. Saudreau, Cônego honorário de Angers. Primeiro Capelão da Casa Madre do Bom Pastor, 1937.
- I, 14
- S. Tomás, 2, 2, q. 132, a, 1.
- Apc., III, 17.
- Prov., VI, 5.
- Gên., III, 21.
- Pedro, V, 5 – Tiago, IV, 6.
- Luc., XI, 43.
- Mat., VI, 1.
- 2 2, q. 132, a. 5.
- João, XII, 42, 43.
- 2. 2. q. 162, a. 6, ad. 3.
- 2. 2. q. 162, a. 6 ad, 1.
Última atualização do artigo em 5 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico