O desenvolvimento do amor

Francisco de Zurbarán, São Francisco de Assis em oração [Detalhe], Domínio Público - Wikimedia Commons

Meu Deus, Vós que desde toda a eternidade me prevenistes com o Vosso amor infinito, aumentai o meu amor por Vós.

1 – “Quem impedirá a Deus de fazer o que quiser na alma resignada, aniquilada e desprendida?” (S. II, 4, 2). Esta sentença de S. João da Cruz faz-te compreender que Deus deseja imensamente trabalhar na tua alma para te conduzir à santidade e à união com Ele, contanto que te ponhas nas Suas mãos despojado de todo o apego, aniquilado no teu amor próprio, totalmente dócil à Sua ação, inteiramente maleável e disponível. O Senhor, pelas provas purificadoras, vem em teu auxílio para te esvaziar de ti próprio e de te desprender das criaturas, para te abismar na verdadeira humildade, mas ao mesmo tempo para te ajudar a crescer no amor, a grande força que te deve unir a Ele. Todo o trabalho realizado por Deus na tua alma, tem como finalidade fazer-te progredir nesta virtude; provas exteriores e interiores, humilhações, impotências, aridez, lutas e tempestades têm, no plano divino, o fim de apagar em ti os fogos fátuos do amor próprio, do orgulho, dos afetos terrenos e de qualquer outra paixão desordenada para que em ti se acenda um só fogo cada vez mais intenso e vigoroso, o fogo da caridade.

Quanto mais o Senhor te purificar, tanto mais o teu coração se libertará de todas as impurezas e se tornará capaz de concentrar nEle todos os seus afetos. Caminha portanto nesta direção, aceitando a purificação em vista de um amor mais pleno e orientado toda a tua vida espiritual para o exercício do amor. O que sofres, sofre-o por amor, quer dizer, sofre-o de bom grado, sem recalcitrares, sem te lamentares e então, à medida que a tua alma for humilhada, despojada, mortificada, irá sendo revestida de caridade. As provas que Deus te manda não têm somente o fim de tornar o teu coração mais puro, mas também de o dilatarem na caridade. Essas provas servem para aumentar a tua capacidade de amor, não certamente de amor sensível, mas de um forte amor de vontade, um amor de pura benevolência que tende para Deus independentemente de toda a consolação pessoal procurando apenas a Sua glória e o Seu beneplácito.

2 – “Deus ensina e instrui secretamente a alma com perfeição de amor” (J.C. N. II, 5, 1), por intermédio das provas purificadoras. Primeiro ensina-a a amar para além de todo o gosto e alegria, privando-a até da alegria tão legítima e espontânea que deriva da consciência do próprio amor. A alma não totalmente purificada poderia apegar-se a esta alegria e por isso Deus retira-lha totalmente, as densas trevas impedem-na de ter consciência de que ama, a seca aridez extingue nela todo o gozo e doçura, é obrigada a prosseguir por um puro ato da vontade. Em lugar de se comprazer no seu amor, que já não sente, a alma fica profundamente aflita com a dúvida tormentosa de já não saber amar e para combater essa dúvida não tem outro meio senão aplicar-se com todas as suas forças ao exercício das obras do amor, isto é, a abraçar com generosidade qualquer coisa, qualquer sacrifício que agrade a Deus. Assim, o seu amor desenvolve-se e torna-se mais puro e forte: mais puro, porque com ele não se mistura nenhuma satisfação pessoal; mais forte, porque a impele para obras mais generosas. Neste estado, a alma adere a Deus só pelo ato da vontade, no qual consiste a substância do amor: quer bem a Deus, unicamente porque Ele é o sumo Bem, infinitamente amável; só a Ele quer e só a Ele serve, cumprindo todos os Seus divinos quereres sem nenhum retorno sobre si mesma, sem nenhuma busca de alegrias ou gostos espirituais; já não se preocupa com gozar do seu amor, já não se preocupa com receber, mas o seu único cuidado é dar, é dar-se, é agradar a Deus. Isto prova-te como a aridez e as trevas, em vez de sufocarem o amor, o fazem crescer de um modo maravilhoso, contanto que a alma esteja disposta a caminhar procurando só o gosto de Deus e esquecendo-se completamente de si mesma.

“Aprende a amar a Deus como Ele quer ser amado e deixa todos os teus modos pessoais” (AM. I, 57), aconselha-te S. João da Cruz, isto é, aprende a amar a Deus por um puro e forte ato da vontade, não te preocupando com tudo o que é sentimento, consolação, alegria do coração. Talvez a tua maneira de amr esteja ainda demasiado dependente do sentimento; então agradece ao Senhor se te fizer caminhar nas trevas e na aridez: deste modo Ele ajudar-te-á a libertares-te dessas fraquezas.

Colóquio – “Oh! Senhor da minha alma e meu único Bem! Porque não quereis que, em se determinando uma alma a amar-Vos, fazendo o que pode para deixar tudo e melhor se empregar neste Vosso amor, logo goze de ver-se na posse deste amor perfeito? Disse mal. Havia de dizer, queixando-me: porque não queremos nós? Sim, toda a culpa é nossa de não gozar logo de tão grande dignidade!…

“Em chegando a ter com perfeição o Vosso amor, teremos ao mesmo tempos todos os bens. Mas, meu Deus, somos tão avaros e tardios em dar-nos de todo a Vós, que não acabamos de nos dispor e Vós não quereis que gozemos de coisa tão preciosa sem grande custo.

“Bem vejo que, neste mundo, não há nada com que se possa comprar tão grande bem. Mas se fazemos o que podemos para não nos apegarmos às coisas da terra e nos dispomos colocando todo o nosso cuidado e conservação nas coisas do céu, creio que sem dúvida muito depressa nos dareis este bem. Julgamos que damos tudo, mas apenas Vos oferecemos a renda e os frutos, ficando nós com a raíz e a propriedade… Bela maneira de procurar o Vosso amor! E logo o queremos, por assim dizer, a mãos cheias!

“Ó Senhor se não nos dais este tesouro todo duma vez, é porque também nós não nos damos de todo a Vós. Praza a Vós, Senhor, dar-no-lo gota a gota, ainda que nos custe todos os trabalhos do mundo.

“Sim, meu Deus, o amor não está nas lágrimas, nem nos gosto e ternuras que tantas vezes desejamos e com os quais tanto nos consolamos, mas, pelo contrário, em servir-Vos com justiça, fortaleza de ânimo e humildade. Isso mais me parece a mim receber do que dar.

“Não permitais, Senhor, que coisa de tanto preço como o Vosso amor seja dado a pessoas que Vos servem só pelo desejo de consolações espirituais” (T.J. Vi. 11, 1-13).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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