O dom do entendimento

Pintura de Frans Pourbus, o Jovem, detalhe: Divino Espírito Santo, por volta de 1619, Museu de Belas Artes de Nancy (Public Domain / Wikimedia Commons)

Vinde, Espírito de entendimento, iluminai-me!

1 – No nosso caminho para Deus encontramos dificuldades, não só da parte das criaturas que tentam impedir-nos a passagem, mas também por causa da impenetrabilidade dos mistérios divinos; e se, para nos fazer superar as primeiras, o Espírito Santo vem em nosso auxílio com o dom de ciência, para vencermos as segundas ajuda-nos com o dom de entendimento.

A nossa inteligência é incapaz de atingir o infinito. Ainda que revestida de fé, o seu modo de entender é sempre humano, procede por meio de ideias e conceitos limitados, absolutamente insuficientes para exprimirem as realidades divinas. A própria Revelação chega até nós através de palavras humanas e, por consequência, não pode dizer-nos o que é Deus em Si mesmo, nem pode manifestar-nos a essência íntima das verdades reveladas. Munidos unicamente com a virtude da fé, somos constrangidos a deter-nos, por assim dizer, à superfície dos mistérios divinos: temos a certeza de que nos foram revelados por Deus, aderimos a eles com todas as nossas forças e apesar disso não conseguimos penetrá-los. Mas o que a fé não pode fazer por si própria, fá-lo-á com a ajuda do dom de entendimento. Este dom ultrapassa o nosso modo humano de entender e ilumina-nos de um modo divino, fazendo-nos além disso “intus legere”, quer dizer, “ler dentro” os mistérios divinos com a própria luz e inteligência do Espírito Santo.

É uma penetração rápida e profunda que não acrescenta nada de novo aos dados da Revelação, mas que nos faz compreender o sentido íntimo das verdades reveladas; o dom de entendimento rasga, por assim dizer, o invólucro das proposições e dos conceitos humanos e permite-nos lançar um olhar para a substância dos mistérios divinos. A fé diz-nos que Deus é Trindade; o dom de entendimento não nos diz mais nada, não nos deixa ver nem sequer nos explica o mistérios, mas faz-nos penetrar nele. Sob o influxo deste dom, a alma não só crê que Deus é Uno e Trino, mas tem também a intuição de que o mistério trinitário é essencial à natureza divina e é o que melhor de todos revela a perfeição, o poder e o amor infinitos de Deus.

2 – Só o Espírito Santo, que é Deus, nos pode fazer penetrar nos mistérios divinos; S. Paulo di-lo expressamente: “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu… a nós, porém, Deus revelou-o por meio do seu Espírito porque o Espírito tudo penetra, mesmo as profundezas de Deus. Assim também as coisas que são de Deus ninguém as conhece senão o Espírito de Deus. Ora nós não recebemos o espírito deste mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para conhecermos as coisas que por Deus nos foram dadas” (I Cor. 2, 9-12). tal é a obra maravilhosa que o Espírito Santo realiza em nós pelo dom de entendimento. às almas que Lhe estão unidas pelo amor, Ele comunica uma participação do conhecimento dos Seus divinos mistérios. Por isso é evidente que quanto mais unidos estivermos ao Espírito Santo em caridade perfeita, mais aptos estaremos a receber esta preciosa comunicação. Então o dom de entendimento não estará em ´nós inoperante, mas intervirá com a Sua luz para iluminar os nossos estudos, as nossas meditações acerca das cosias de Deus, fazendo-nos penetrar nas Suas profundezas, fazendo-nos captar o sentido íntimo dos textos sagrados, dando-nos a inteligência exata dos mandamentos e dos conselhos divinos. Deste modo o Espírito Santo introduz a alma numa oração mais simples e mais profunda: a mente já não precisa de raciocinar, de andar à procura de motivos convincentes, mas, sob o toque iluminativo do Espírito Santo, detém-se e fixa o seu olhar na verdade. Este simples olhar contemplativo revela-lhe Deus mais do que qualquer outro estudo teológico: sente-se abismar na divindade, pressente um abismo sem fundo e goza em se submergir nele; não vê, não distingue, nada sabe dizer de concreto, mas sente Deus, sente que está em contato com Ele. Que diferença entre a compreensão do mesmo mistério quando o meditamos só à luz da fé ou quando, pelo contrário, temos a graça de o penetrar com a luz proveniente do dom de entendimento! Então já não o contemplamos do exterior, mas do interior, já não paramos na expressão verbal que o enuncia, mas penetramos no segredo oculto por trás da fórmula.

Colóquio – Vinde, Espírito Santo, vinde luz divina!

“Ó Luz que não vê outra luz, claridade que obscurece qualquer outa claridade, luz da qual deriva toda a luz; claridade em comparação da qual toda a claridade é treva e toda a luz escuridão; luz suprema não nublada pela cegueira nem ofuscada por névoa ou obscurecida por trevas; luz que nenhum obstáculo impede, que nenhuma sombra divide; luz que ilumina todas as coisas ao mesmo tempo e sempre, absorvei-me no pélago da Vossa caridade, para que eu Vos veja em Vós e a mim em Vós, e todas as coisas sob o Vosso olhar” (S.to Agostinho).

“Como poderei aproximar-me de Vós, ó Espírito Santo? Vós habitais numa luz inacessível e Vós mesmo não sois senão luz, ciência, esplendor; eu, porém, habito num lugar de trevas e não sou mais que ignorância e rudeza.

“Entretanto, ó Espírito Santo, invoco-Vos com confiança a fim de ser por Vós iluminado. Mostrai-me as grandezas divinas, os mistérios divinos, para que os reconheça e adore. Descobri-me as ciladas do demônio e do mundo para que as evite e jamais caia nelas; descobri-me igualmente as minhas fraquezas e misérias, os meus erros e preconceitos, as minhas obstinações e os artifícios do meu amor próprio, a fim de que os deteste e corrija. Mas, ó luz benéfica, iluminai sobretudo a minha alma, para que conheça o que quereis de mim; fazei-me conhecer todo o encanto dos Vossos atrativos e da Vossa graça, e tudo o que devo fazer para merecer os benéficos influxos da Vossa bondade, a fim de lhes corresponder com fidelidade plena; sustentai-me, enfim, para que eu Vos seja fiel até à morte” (P. Aurillon).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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