LIBERALISMO É PECADO
D. Félix Sardà y Salvany
15. UMA OBSERVAÇÃO SIMPLICÍSSIMA QUE ACABA DE POR A QUESTÃO EM SEU VERDADEIRO PONTO DE VISTA
Mil vezes tenho feito a sós comigo uma reflexão, que não sei como não tenha ocorrido cada dia aos liberais de boa fé, se algum há que mereça ainda esta caritativa atenuante ao seu feio apelido. É a seguinte:
Tem hoje o mundo católico em justo e merecido conceito de impiedade o qualificativo de livre-pensador, aplicado a qualquer pessoa, periódico ou instituição. Academia livre-pensadora, sociedade de livre-pensadores, periódicos escritos com critério livre-pensador são frases horripilantes que fazem eriçar os cabelos à maior parte de nossos irmãos, ainda aos que afetam de mais afastados da feroz intransigência ultramontana. E não obstante veja-se como são as coisas e quão pouca importância se dá geralmente às meras palavras. Pessoa, associação, livro, ou governo, a que não presida em matérias de fé e de moral o critério único e exclusivo da Igreja católica, são liberais. E reconhece-se que o são, e honram-se eles de sê-lo, e ninguém se escandaliza com isso, senão nós os fiéis intransigentes. Trocai porém a palavra. Chamai-os livre-pensadores. Imediatamente vos repelem o epíteto como uma calúnia, e louvores a Deus se vos não pedem satisfação pelo insulto.
Por que, amigos, cur tam varie? Não haveis repelido de vossa consciência, de vosso governo ou de vosso periódico ou academia o veto absoluto da Igreja? Não haveis erigido em critério fundamental de vossas idéias e resoluções a razão livre?
Pois, dizeis bem: sois liberais e ninguém vos pode contestar esta designação. Porém, sabei-o: sois com isso livre-pensadores, ainda que vos faça corar tal denominação. Todo o liberal, de qualquer grau ou matiz, é, ipso facto, livre-pensador. E todo o livre-pensador, por odiosa que seja e até ofensiva às conveniências sociais esta denominação, não passa de ser um lógico liberal. É doutrina precisa e exata, como as matemáticas, e não tem reverso de folha, como costuma dizer-se.
Aplicações práticas; Sois católico mais ou menos condescendente ou eivado, e pertenceis, por mal de vossos pecados, a um Ateneu liberal. Concentrai-vos por um momento e perguntai a vós mesmos: Continuaria eu pertencendo a esse Ateneu, se amanhã ele se declarasse público e paladinamente Ateneu livre-pensador? Que vos diz a consciência e o pejo? – Que não. Pois mandai que vos risquem das listas desse Ateneu, porque não podeis pertencer a ele.
Tendes um periódico que ledes e dais a ler aos vossos sem escrúpulo, embora ele se chame e discorra como liberais. Continuaríeis adstrito a ele se de repente aparecesse, em sua primeira página, o título de periódico livre-pensador? Parece-me que de maneira nenhuma. Pois fechai-lhe desde já as portas de vossa casa; o tal liberal, manso ou exaltado, há anos que não passava de livre-pensador.
Ah! De quantas preocupações nos corrigiríamos fixando apenas um pouco a atenção no significado das palavras!
Toda a associação científica, literária, ou filantrópica, liberalmente constituída, é associação livre-pensadora. Todo o governo liberalmente organizado, é governo livre-pensador. Todo o livro ou periódico liberalmente escrito, é periódico ou livro de livre-pensadores.
Ter repugnância pela palavra, e não tê-la pela realidade por ela representada, é manifesta obsecação.
Pensem bem aqueles de nossos irmãos, que sem escrúpulo algum de sua endurecida ou demasiado branda e acomodatícia consciência fazem parte de círculos, certames, redações, governos, ou qualquer outra classe de instituições fundadas com inteira independência de magistério da fé. Tais instituições são liberais e por isso mesmo livre-pensadoras. E a uma agrupação livre´pensadora não pode pertencer católico algum sem deixar de sê-lo pelo mero fato de aceitar, como seu, o critério livre-pensador da dita agrupação. Logo, tão pouco pode pertencer a uma agrupação liberal.
Quantos católicos, não obstante, servem de muito boamente ao diabo em obras deste quilate.
Vão-se convencendo agora de quão perversa coisa é o Liberalismo? E de quão merecido é o horror com que um bom católico deve olhar as coisas liberais? E de quão justificada e natural é a nossa feroz intolerância ultramontana?
O Liberalismo é Pecado – Pe. Félix Sardá y Salvany, 1949.
Última atualização do artigo em 9 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico