Ó Senhor, ensinai-me a cobrir com o manto da caridade os defeitos e os erros alheios.

1 – “Irmãos, não digais mal uns dos outros – exorta-nos S. Tiago. – O que diz mal do seu irmão, diz mal da lei” (4, 11), ou seja, da lei evangélica da caridade fraterna. Para falar mal do próximo não é necessário chegar a semear suspeitas injustas ou atribuir-lhe culpas e erros falsos; basta falar sem necessidade dos defeitos alheios, embora sejam reais e conhecidos de todos. Também isto é contra a caridade, porque deste modo fixamos a nossa atenção e a dos outros nos pontos fracos do próximo em vez de olharmos ao seu lado bom, com a consequência de diminuir, no espírito de quem ouve, a estima devida ao próximo ou, pelo menos, de lançarmos sobre ele alguma sombra. Muito diferente é a conduta da caridade, a qual, como diz a Escritura, “cobre todas as faltas” (Prov. 10, 12), procurando mais encobrir as faltas alheias do que pô-las em evidência. Em virtude da caridade sobrenatural, devemos usar para com o próximo da mesma habilidade de que usamos instintivamente para encobrir os nossos defeitos e os nossos erros, pois não gostamos nada que sejam assunto de conversa. Se somos tão sensíveis ao que os outros dizem de nós, como poderemos pensar que seja inteiramente indiferente falar com tanta liberdade dos defeitos do próximo, sob pretexto de que se trata de defeitos verdadeiros e notórios? E os nossos defeitos não serão igualmente verdadeiros e evidentes para os que vivem conosco?

A caridade fraterna consiste em amar o próximo por Deus, por pertencer a Deus e ser obra das Suas mãos. Com não pode agradar a uma mãe ouvir falar dos defeitos dos seus filhos, como um artista não gosta que critiquem as suas obras, também não agrada a Deus que se fale dos defeitos das Suas criaturas. Por isso, devemos não só abster-nos severamente de comentar os defeitos alheios, mas também evitar prestar atenção a quem o faz. “nunca procures ouvir falar das fraquezas dos outros – diz S. João da Cruz – e se alguém se queixar na tua presença de um terceiro, pede-lhe humildemente que se cale” (AM. II, 68).

2 – Sta Teresa de Jesus escrevia às suas filhas: “Alegrar-se por as virtudes das irmãs serem conhecidas é uma grande coisa e quando virmos alguma falta em algum, devemos senti-la como se fosse nossa e encobri-la” (M. V. 3, 11). Eis a verdadeira atitude duma delicada caridade fraterna. Aliás é o que fazemos espontaneamente com os nossos amigos, mas – por a caridade ser universal – devemos fazê-lo com todas as pessoas. Muitas vezes, porém, o demônio, inimigo da caridade, suscita lutas em nós, para nos fazer agir em sentido contrário. Também os santos conheceram tentações semelhantes, mas ao passo que nós tantas vezes as secundamos, eles souberam reagir com coragem, valendo-se delas para exercerem a caridade com maior cuidado. Era a tática que usava Sta Teresa do Menino Jesus: “Quando o demônio procura pôr diante dos olhos da minha alma os defeitos de tal ou tal irmã, apresso-me a descobrir as suas virtudes, os seus bons desejos. Penso comigo que se a vi cair uma vez, ela pode muito bem ter alcançado grande número de vitórias que esconde por humildade e mesmo o que me parece uma falta, pode muito bem ser um ato de virtude, por causa da intenção” (M. C. pg. 269).

Se uma pessoa nos é naturalmente antipática ou nos fez algum mal, será mais fácil vermos nela os defeitos do que as virtudes, os primeiros aumentados e as segundas diminuídas e interpretamos mal o que diz ou o que faz. Então é chegado o momento de estar particularmente vigilante, de combater os pensamentos pouco benévolos que espontaneamente nos vêm à cabeça a seu respeito e de jamais nos permitirmos falar deles a outrem. Além disso, devemos reagir também fazendo atos positivos de caridade: rezar especialmente por ela, aproveitar todas as ocasiões de lhe prestar qualquer serviço, mostrando-nos para com ela particularmente amáveis e benévolos. O manto da caridade tem de ser tão amplo que não só cubra os defeitos dos amigos, mas também os dos inimigos ou das pessoas que não nos agradam. A caridade não faz distinção de pessoas, mas usa para com todos de igual benevolência porque em todos vê e ama só a Deus.

Colóquio – “Para saber se tenho verdadeira caridade, devo examinar se quando falo do meu próximo estou mais pronto a falar das suas virtudes do que dos seus defeitos. E ainda que não dissesse mal, só o fato de estar a ouvir a murmuração já seria um grande mal, pois que, calando-me, mostrarei aprovar o que ouço. Por isso, Deus meu, quando alguém me vier dizer algum defeito do próximo, não o quererei ouvir e dir-lhe-ei que faça oração por ele e reze para que eu própria me corrija. Mais facilmente devo advertir da falta aquele que a comete do que falar dela com outros, porque, fazendo assim, em vez de lhe dar remédio, cometem-se muitas outras faltas muito piores do que aquela de que se fala.

“Se os meus olhos fossem puros, ó Senhor, veria muito bem de que maneira devo praticar o amor para com o meu próximo. Descobrindo em mim um defeito e encontrando o mesmo num irmão, irei ter com ele e pedir-lhe-ei conselho, rogando-lhe que me ensine o modo de me corrigir. Então ele, desejando responder-me, considerará esse defeito, reconhecerá tê-lo também e ficaremos ambos instruídos. Ó meu Deus, com que doce amor sabe ganhar o próximo aquele que possui um olhar puro!

“Se amo a minha irmã, ó Senhor, mesmo que esteja a cantar os Vossos louvores, serei obrigada a interrompê-los para acudir às suas necessidades; e se devo fazer isto quando se trata do seu bem material, com mais razão o devo fazer quando se trata do bem da sua alma. Se, para ajudar o corpo, tivesse de velar uma noite ou duas, sendo necessário, muito mais, se tivesse verdadeira caridade, aceitaria a fadiga de velar durante uma noite ou duas e de chorar com lágrimas um defeito, embora mínimo, da minha irmã; estou além disso obrigada a desejar para ela todas as virtudes e a esforçar-me para que as adquira. Não devo desejar-lhe só as virtudes e a saúde da alma, mas também que ganhe muitos méritos e que, pela Vossa graça, Senhor, se transforme totalmente em Vós” (Sta M. Madalena de Pazzi).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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