Fazei-me compreender, Senhor, que a minha esperança deve estar fundada em vós, no Vosso amor, na Vossa misericórdia infinita.
1 – A nossa esperança seria muito incerta se tivéssemos de a fundar nos nossos méritos, no grau de graça que possuímos, porque nem podemos ter a certeza de estar em estado de graça, nem podemos estar seguros das nossas boas obras, sempre cheias de defeitos. Porém, a nossa esperança é certa, porque o seu primeiro fundamento não deve ser procurado em nós, mas em Deus, na Sua bondade infinita, na Sua vontade salvífica, pela qual Ele “quer que todos os homens se salvem” (Tim. 2, 4), na Sua vontade santificadora, pela qual não somente nos quer salvar, mas também santificar; “esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (I Tess. 4, 3).
Deus quer que a certeza da nossa esperança se apoie unicamente nEle. Embora exigindo a nossa colaboração, as nossas boas obras, não quer que baseemos nelas a nossa confiança; Jesus, com efeito, depois de nos ter estimulado a fazer tudo o que está ao nosso alcance, acrescentou: “depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: ‘somos servos inúteis'” (Lc. 17, 10). Lição muito difícil de compreender para as almas que estão demasiado habituadas a contar com as suas próprias forças e que jugam poder penetrar numa vida espiritual mais profunda, com os seus recursos pessoais. Por isso, quando o Senhor quer fazê-las progredir, fá-las passar por estados penosos de impotência, deixa-as experimentar as rebeliões e repugnâncias da natureza, para que se convençam como é vã a confiança que em si mesmas depositam. Eis o ponto delicado: saber aceitar essa experiência sem cair no desânimo. Se antes confiavas em ti próprio e agora, em presença de certas dificuldades e provas da vida interior, vês as tuas forças reduzidas a nada, agradece ao Senhor. Deste modo Ele liberta-te da confiança demasiada que depositavas em ti e obriga-te ao exercício de uma esperança mais pura, mais sobrenatural, despojada de todos os elementos e apoios humanos. mas se não podes esperar em ti, isto não é motivo para desesperares, mas sim para esperares unicamente em Deus, para te lançares nEle com plena confiança, tal com faz uma criancinha que, quanto mais incapaz e impotente se sente, tanto mais confiada se refugia entre os braços da sua mãe.
2 – A certeza da nossa esperança deriva da certeza da nossa fé: “sei em quem pus a minha fé, estou certo de que Ele é poderoso para guardar o me depósito até esse dia, ou seja, até à vida eterna” (II Tim. 1, 12). Não se trata de uma certeza intelectual, mas sim de uma certeza da vontade e do coração, pela qual confiamos plenamente numa pessoa que sabemos com certeza que nos ama. E quem nos tem mais amor do que Deus? Quem nos deu mais provas de amor do que Deus? Contemplemos Jesus na cruz e repitamos com S. Paulo: “O Filho de Deus amou-me e entregou-Se a Si mesmo por mim” (Gál. 2, 20).
Ora haverá “maior amor do que o daquele que dá a sua vida pelos seus amigos”? (Jo. 15, 3).
Eis em que se funda a certeza da tua esperança. Deves esperar chegar à posse beatífica de Deus na vida eterna e à união com Ele neste mundo não somente porque cumpriste o teu dever, porque te sentes forte no bem, virtuoso e bem disposto… mais porque, mau grado a tua miséria e fraqueza, sabes que Deus está sempre pronto a ajudar-te desde que reconheças humildemente o teu nada e deposites nEle toda a tua confiança. Sta Teresa do Menino Jesus dizia: “A santidade não está nesta ou naquela prática, consiste num disposição do coração que nos torna humildes e pequenos nos braços de Deus, conscientes da nossa fraqueza e confiados, até á audácia, na Sua bondade de Pai” (NV. 3, VIII). Se nas tuas quedas e impotências te fechais em ti mesmo, cortas as asas da esperança e não fazes senão mergulhar cada vez mais na tua miséria; mas se, pelo contrário, te elevas a Deus por um ato de plena confiança então a tua fraqueza é confortada e sustentada pela Sua onipotência auxiliadora. Se perante as dificuldades e sacrifícios que o dever te impõe páras a calcular as tuas forças, recuas e es tentado a desertar; mas se, inversamente, desviando o olhar de ti mesmo, o diriges para Deus, para o Seu amor infinito, a certeza da Sua ajuda dar-te-á forças para avançar. A firme esperança nEle tornar-te-á forte, corajoso, generoso: será a alavancada da tua vida.
Colóquio – “Fortíssimo e onipotente Senhor, mostrai-me a minha pobreza para a confessar. Eu disse que era rico e de nada carecia, mas ignorava que era pobre, cego nu, mísero e miserável; julgava ser alguma coisa, e afinal não era nada. Eu disse: ‘Serei sábio’ e tornei-me néscio; julgava ser prudente e enganei-me. agora vejo que a sabedoria é um dom Vosso, que sem Vós não podemos fazer nada porque se Vós, Senhor, não defendeis a cidade, em vão vigia o que a guarda. Isto me ensinastes para que eu me conhecesse; abandonastes-me e experimentastes-me… a fim de que eu me conhecesse. Apenas Vos apartastes um pouco de mim, imediatamente caí; vi então e conheci que Vós me sustentáveis; se caí foi por minha fraqueza, se me levantei foi por Vosso favor…
“Ó meu Deus, eu poderia desesperar por causa dos meus grandes pecados e inumeráveis negligências… mas não ouso desesperar porque, tendo sido algum tempo Vosso inimigo, fui reconciliado conVosco pela morte do Vosso inimigo; e não somente reconciliado, mas ainda salvo por Ele. Por isso a minha esperança e a certeza da minha confiança está toda no Seu Sangue precioso derramado por nós e por nossa salvação. Nele vivo e confiado nele espero chegar até Vós, não pela minha justiça, mas pela que me veio do Vosso Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
“Portanto, nas canseiras desta guerra, Senhor Jesus, levanto para Vós o meu olhar. Faça o inimigo contra mim o que quiser, eu não temerei porque Vós sois um forte defensor. Muita razão tenho para esperar em Vós, pois não serei confundido eternamente.
“Agora, enquanto estou no corpo, estou longe de Vós, já que avanço por fé e não por visão. Chegará o dia em que verei o que agora creio sem ver e serei feliz. Então virá a realidade daquilo que agora espero. Vivo contente na minha esperança, porque Vós sois verdadeiro nas Vossas promessas; mas, todavia, não Vos possuindo ainda, gemo sob o aguilhão do desejo. Fazei-me perseverante neste desejo até que chegue o que prometestes; então acabarão os gemidos e só ressoará o louvor” (Sto Agostinho).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.