O orgulho da inteligência, pavoroso mal da nossa época

Museu do Brooklyn "Les pharisiens questionnent Jésus" James Tissot - 1886-1894

Ai! dos habitantes da terra, porque por toda a parte domina presentemente o orgulho das inteligências.

Todos se julgam competentes e habilitados para todas as coisas; todos se pretendem capazes de julgar e decidir os mais árduos problemas da alma e das sociedades humanas. Não há quem ou no livro, ou no jornal, ou na cátedra não pretenda proferir a última palavra sobre os homens e as coisas. Em tal orgulho das inteligências não há senão o culto do Eu e a apoteose do homem pelo homem, a idolatria que, recusando-se à adoração de Deus, adora, entretanto, com burlescas liturgias de chamadas religiões sociológicas, a própria humanidade com seus vícios, suas paixões, suas tendências para o que é vil e adjeto.

Não, não há negar; o orgulho da inteligência, pavoroso mal da nossa época, é a maior aberração da própria inteligência. Toda a força da inteligência está no bom senso; e o bom senso prescreve ao homem a humildade, verdadeiramente a mais elevada e a mais bela das percepções da razão.

O maior castigo deste orgulho da inteligência é divorciar-se do bom senso universal, não só no que diz respeito ao mundo físico, como principalmente no que diz respeito ao mundo religioso, onde o tal orgulho intelectual, que é, depois do dinheiro, o maior déspota desta geração, não tolera os dogmas, isto é, as verdades fundamentais do espírito humano, nem mesmo aqueles que em todos os séculos foram o patrimônio sagrado da humanidade.

Para só dar um exemplo da repugnância pelos dogmas, seja este: – o da eternidade das penas. Crença verdadeiramente universal, ela tem por si, não só ensinos da Igreja, mas a história, a filosofia da história, a crítica da história, a psicologia, a metafísica, a moral, o direito criminal, o direito natural, os atributos de Deus e a economia inteira da redenção. A história o mostra: a eternidade das penas, isto é, o castigo eterno para o pecador que morre impenitente e sem ter se reconciliado com Deus não é crença somente dos povos cristãos, mas de todos os povos antigos e modernos, judeus ou gentios, bárbaros ou civilizados. A filosofia da história diz: uma crença universal exige uma causa universal, e esta é necessariamente a Revelação. A crítica histórica pondera: uma pena que fulmina o homem nas suas paixões não podia ser inventada pelo próprio homem. A metafísica ensina: há necessariamente para todas as coisas, exceto para Deus, um princípio e um conclusão, sendo que esta, para a felicidade ou para a desgraça final do homem, não pode deixar de ser eterna. A moral preceitua: assim como duas paralelas não se podem encontrar, assim também não é possível que o bem e o mal, que a virtude e o pecado cheguem ao mesmo fim. Aliás, o Direito Natural ensina que somos livres, e Deus não há de forçar à felicidade eterna o homem que a não quer obter. O Direito Criminal não mede nunca a pena pelo tempo gasto na perpetração do delito, mas, quando possível, pela intenção do criminoso, não se podendo, pois, alegar falta de proporção entre o pecado, ato de alguns momentos na terra, e o inferno, castigo eterno, que o pecador só recebe, depois de verificada por Deus a malícia de sua intenção e a infinidade dessa malícia.

Vede!…ao dogma magnífico da eternidade das penas não faltam razões colossais, argumentos irrespondíveis; mas, na nossa época, o orgulho das inteligências não o aceita e, quando de todo o não pode destruir com a lógica, recorre, numa falsa sensibilidade, para a misericórdia de Deus que ele aliás não reconhece; como se a misericórdia de Deus excluísse a sua justiça; como se, para Deus ser bom e compassivo, fosse mister ser fraco e imbecil, não tendo senão pelo meio o poder de punir, e galardoando afinal com a mesma ventura eterna o que se humilha, confessando o seu pecado, e o que se exalta cada vez mais no seu orgulho intelectual.

Este orgulho intelectual, porém, é justo reconhecê-lo, não procede somente da vontade, mas também da ignorância.

Os intelectuais de que se trata não têm absolutamente nem a noção do cristianismo histórico, nem a ideia do papel que Jesus Cristo representa na história.

Ignoram que o cristianismo é uma religião essencialmente histórica e não, como supõem, um sistema filosófico, uma teoria humanitária, ou uma abstração teológica. Ignoram que o Cristianismo é todo histórico, tanto no fundo como na forma; que o caráter inefável desta religião é ser histórica; que os seus dogmas são fatos; o seu Credo, um complexo de fatos, o seu longo e belo martirológio não é senão o sangue derramado para comprovação de fatos.

Ignoram, outrosim, que Jesus Cristo é a grande, a maior figura da história, de tal sorte que a história é incompreensível sem Ele; porque Ele, preexistiu como Deus na história; viveu como Deus na história, e como Deus sobrevive na história. Quarenta séculos o esperaram; vinte séculos o adoraram. Uma de duas: ou não se aceita a divindade de Jesus Cristo, enorme absurdo, porque Ele nasceu, viveu, falou, morreu, ressuscitou, sendo Pessoa Divina, ou se aceita, e então não se pode recusar, como o faz a falsa sensibilidade moderna, o castigo eterno, a eternidade das penas, o inferno.

Não! Não se pode recusá-lo porque o mesmo Cristo, que prometeu ao homem a felicidade eterna, ameaçou ao homem com a privação dessa felicidade, que é a eterna desgraça. O Cristo da história é outro, muito diferente desse que é de moda nos idílios e folhetins, nos artigos frívolos de jornais na semana santa. Descrevê-lo meigo e terno, sem mostrar conhecimento do seu valor, da sua força, da virilidade divina do seu caráter: sem revelar a consciência de que Ele é o Homem-Deus, oferecendo ao pecador a misericórdia, mas para eximi-lo de sua justiça, – é não ter a noção exata do Messias.

Há na vida de João Batista, em relação ao Messias, um tríplice e magnífico testemunho, expressado como que em três brados divinos da sua palavra ardente e arrebatadora. No primeiro brado, ele anuncia: “Alguém mais poderoso do que eu”. No segundo brado, diz à multidão, referindo-se ao Messias: “Ele está no meio de vós”. No terceiro brado, cercado de discípulos, afirma, apontando Jesus Cristo: “Eis o cordeiro de Deus: eis aquele que tira o pecado do mundo”.

Mas, que noção João Batista nos deu do Messias! Lede os Evangelhos; e verificareis que João Batista, não pregou Jesus Cristo somente como Salvador, pregou, além disso, sua divindade, sua misericórdia, sua justiça.

Aí tendes, segundo um testemunho autêntico, quem é Jesus Cristo: – É o Messias-Deus; é o Messias-Redentor; é o Messias-Juiz. A justiça de Deus é infinita como a sua misericórdia; e é por isso que a Escritura, não separando a justiça da misericórdia, nos diz: “O Senhor é misericordioso, compassivo e justo…”. Ele próprio dirá a uns: “Vinde, bem-ditos… gozai a felicidade que vos foi reservada”; e dirá a outros: “ide, malditos, para a desgraça eterna”.

Despojar da justiça o Messias, porque é misericordioso! – cúmulo de irrisão! – que só se explica pela decadência em que, na sociedade contemporânea, se acham a ideia, o sentimento, o culto da justiça. Ser a justiça uma perfeição no homem é não se querer que Deus seja justo!…

Cristo, O Messias, já veio na misericórdia; agora virá aparecer na justiça.

(Retirado do Cap II do Livro A Segunda Vinda de Jesus Cristo, Padre Julio Maria, C. SS. R., 1932)

Última atualização do artigo em 4 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico

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