Senhor, ensinai-me a amar-Vos deveras, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças.
1 – “No meio está a virtude”. Esta máxima tão certa para as virtudes morais, não se pode aplicar às virtudes teologais que, tendo um objeto infinito, Deus, não podem ter nenhum limite. A medida de crer, de esperar em Deus, como a medida de O amar, é não pôr medida alguma nem à fé, nem à esperança, nem ao amor. Por mais que ames a Deus, nunca poderás amá-lo demais, nem tanto quanto Ele é amável. Logo, por sua natureza, o preceito da caridade não admite nenhum limite e tu nunca poderás dizer: amarei a Deus até certo ponto, e depois basta, porque deste modo renunciarias a tender á perfeição da caridade que consiste em aproximar-se o mais possível dum amor de Deus proporcionado à Sua amabilidade infinita. Por isso é mister que nunca pares no exercício da caridade, mas que te empenhes, com todas as tuas forças, em que ela cresça sempre. Justamente porque se trata de amar a Deus, bem supremo e infinito, o preceito da caridade tem um caráter totalitário: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente, com todas as tuas forças” (Mc. 12, 30). Se tu, criatura tão limitada, não empregas no amor de Deus todo esse pouco que tens e que és, como poderás deveras tender à perfeição da caridade? Se não está em teu poder amar a Deus quanto Ele é amável, está contudo em teu poder procurar amá-lo com todas as tuas forças e é esta a perfeição do amor que Deus reclama de ti.
Aliás até o amor humano, por sua natureza, é totalitário. Quanto mais íntima e profunda for uma amizade, tanto mais exige a entrega exclusiva do coração; e sempre que o amigo começa a fazer reservas, a dar a outros o próprio afeto, a amizade perde o seu vigor, arrefece e pode mesmo extinguir-se. Vigia, pois, para que não haja frieza na tua amizade com Deus, vela por guardares para Ele as primícias do teu coração, procura empenhar-te deveras em amá-lo com todas as tuas forças. É verdade que só no céu poderás amar a Deus com todo o teu poder e de tal modo que o teu amor tenha sempre atualmente para Ele; aqui na terra não te é possível esta absoluta totalidade e estabilidade no amor, todavia podes dirigir para Deus o teu coração, os teus afetos, a tua vontade, os teus desejos, sempre que te lembrares.
2 – Jesus disse: “o que ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt. 10, 37). O preceito da caridade impõe-nos, pois, amar a Deus sobre todas as coisas, o que se pode entender sob dois aspectos: amar a Deus mais do que a qualquer criatura a ponto de se estar disposto seja a que renúncia for para O não ofender gravemente. É o primeiro grau da caridade, indispensável para sermos amigos de Deus, para possuirmos a graça e, por isso, é exigido a todos. mas num sentido mais profundo, amar a Deus sobre todas as coisas significa preferi-lO em tudo, não somente naquilo que pode ser motivo de pecado grave ou leve, mas também naquilo que não corresponde plenamente ao Seu beneplácito. Este é o grau da caridade perfeita a que deve tender a alma que aspira à íntima amizade com Deus, grau que requer absoluta renúncia e absoluta pureza, ou seja, ausência de qualquer sombra de pecado ou de apego ás criaturas. Assim, o exercício da caridade perfeita exige e realiza em nós um trabalho de total purificação. “A caridade esvazia a vontade de todas as coisas, pois obriga-nos a amar a Deus sobre todas elas” (J.C. S. II, 6, 4).
Deves persuadir-te de que, neste mundo, o exercício do amor, está intimamente unido ao da renúncia caminhando ambos a par e passo; por outras palavras, quanto mais a caridade for intensa e perfeita, tanto mais exige uma renúncia total, mas é precisamente através dela que a alma chega a amar a Deus com todas as suas forças. “A fortaleza da alma – diz o Doutor místico – consiste nas suas potências, paixões e apetites; e tudo isto é governado pela vontade. Pois quando a vontade [por meio do amor] as encaminha para Deus e as desvia de tudo quanto não é Deus, então… chega a amar a Deus com toda a sua força” (S. III, 16, 2). Eis a grande função da renúncia no que diz respeito à caridade: libertar as forças da vontade a fim de que todas possam empregar-se em amar e servir a Deus. Se queres verdadeiramente amar a Deus com todo o teu coração, sê muito generoso na renuncia e no desapego; isto é, também um exercício de amor, porque dispõe a alma para a caridade perfeita.
Colóquio – “Ó Senhor Deus, não bastava que nos permitísseis amar-Vos sem Vos dignardes convidar-nos a isso com exortações e obrigar-nos com preceitos? Mas não, bondade divina, mandaste-lo a fim de que nem a Vossa grandeza nem a nossa baixeza, nem qualquer outro pretexto nos impedisse de Vos amar. Ó bom Deus, se soubéssemos compreender a felicidade e a honra de poder amar-Vos, quanto nos consideraríamos a Vós obrigados, a Vós que não só no-lo permitistes, mas que até nos mandastes amar-Vos! ó meu Deus, eu nem sei se devo amar mais a Vossa infinita beleza que a Vossa divina bondade me ordena amar, ou se esta Vossa bondade que me ordena amar uma tão infinita beleza! Ó beleza do meu Deus, quão amável és, sendo-me concedida por tão imensa bondade; ó bondade, quão amável és ao comunicar-nos uma tão eminente beleza!
“ó Senhor, como é doce este mandamento visto que, se por Vós fosse dirigido aos condenados, ficariam no mesmo instante livres da sua extrema desventura e os bem-aventurados, só por cumpri-lo, são bem-aventurados. Ó amor celeste, quão amável és para as nossas almas! Ó divina Bondade, sede eternamente bendita, Vós que com tanta solicitude nos mandais amar-Vos, muito embora o Vosso amor seja de tal maneira desejável e necessário à nossa felicidade que sem ele não podemos ser senão desgraçados!
“Ó Senhor, no céu não precisaremos de mandamento algum para Vos amar já que os nossos corações, atraídos e arrebatados pela visão da Vossa suma beleza e bondade, se verão numa dulcíssima necessidade de Vos amar eternamente. Lá em cima teremos um coração inteiramente livre de paixões, uma alma totalmente imune de distrações, um espírito livre de contrariedades, forças isentas de repugnâncias e por isso Vos amaremos com perpétuo e ininterrupto amor. Mas nesta vida mortal não podemos atingir um grau tão perfeito de amor, não possuindo ainda nem o coração, nem a alma, nem o espírito, nem as forças dos bem-aventurados. Contudo, Vós quereis que não deixemos de fazer nesta vida o que está no nosso poder para Vos amarmos com todo o coração e com todas as forças que possuímos; isto não só é possível, mas é até facílimo, porque amar-Vos, ó Deus, é coisa sumamente amável” (cfr. S. Francisco de Sales).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.