Ó Senhor, não recuseis admitir-me à Vossa intimidade, ainda que eu seja muito indigno.
1 – A meditação, como também a leitura meditada, é um meio para chegar ao centro da oração que, segundo Sta Teresa de Jesus, consiste num “trato de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama” (Vi. 8, 5). Pouco importa chegar lá através da meditação ou da leitura, ou ainda por meio da recitação ou da leitura, ou ainda por meio da recitação lenta e devota de uma oração vocal: todos os caminhos são bons e o melhor para cada um será aquele que o conduzir mais rapidamente ao fim, isto é, ao trato íntimo com Deus. Chegada assim ao centro da oração, a alma deve aprender a perseverar aí, ou seja, a entreter-se “num trato íntimo de amizade com o Senhor”. Também aqui o modo variará conforme o atrativo e as disposições pessoais que muitas vezes pode mudar, segundo os dias e as circunstâncias. Por vezes, logo que a alma penetrou suficientemente na consideração do amor de Deus por ela, sente-se levada a exprimir-Lhe a sua gratidão, o seu desejo de Lhe corresponder e inicia espontaneamente uma conversação íntima com o Senhor. Declara-Lhe todo o seu reconhecimento, promete-Lhe ser mais generosa em dar-se a Ele, pede perdão de o não ter sido no passado; passa depois a propósitos práticos e pede-Lhe ajuda para poder mantê-los firmemente. Trata-se naturalmente de cum colóquio íntimo inteiramente pessoal e espontâneo, sem qualquer preocupação de forma e de ordem, que provém unicamente da superabundância do coração. É este um dos modos em que, suspensa a leitura ou a meditação que despertaram nela tão bons afetos, a alma “pára a tratar a sós com Deus”, voltando ao livro ou à reflexão só quando tiver necessidade de procurar novos argumentos e afetos com que alimentar o seu colóquio com o Senhor. Pode dizer-se que se trata de um verdadeiro colóquio, porque não é só a alma que fala, mas o próprio Deus lhe responde, não por palavras sensíveis, mas enviando-lhe graças de luz e de amor com as quais entende melhor os caminhos de Deus e se sente mais inflamada para prosseguir generosamente. Por isso é bom que a alma não se exceda em palavras no seu colóquio, mas que o suspenda frequentemente e se ponha inteiramente à escuta para perceber os movimentos da graça que são justamente a resposta de Deus.
2 – Não devemos julgar que, para tratar intimamente com Deus e manifestar-Lhe o próprio amor, seja sempre necessário fazê-lo com palavras. Muitas vezes – e isto acontece espontaneamente com o progresso da vida espiritual – a alma refere calar-se para fixar imperturbável o seu olhar no Senhor, para O escutar a Ele, o Mestre interior, e O amar em silêncio. A manifestação do seu amor torna-se assim menos impetuosa e menos viva, mas ganha em profundidade o que perde em emoção e em exterioridade. A alma exprime o seu amor mais tranquilamente, mas o movimento da sua vontade para Deus é muito mais decidido e mais sério. Postos de parte os raciocínios e as palavras, a alma concentra-se toda num olhar de intuição amorosa sobre Deus, olhar que, muito melhor do que o raciocínio e os colóquios ardentes, a faz penetrar nas profundidades dos mistérios divinos. Antes de chegar a este ponto a alma leu, meditou, analisou: agora, ao contrário, como que saboreando o fruto dos seus esforços, pára a contemplar a Deus em silêncio e amor. O seu colóquio torna-se assim um colóquio silencioso, contemplativo, segundo a noção tradicional de “contemplação” entendida como “simplex intuitus veritatis”, ou seja, como um simples olhar que penetra a verdade. Repitamo-lo, não é um olhar especulativo, mas um olhar amoroso que mantém a alma em íntimo contato com Deus, num verdadeiro comércio de amizade com Ele: quanto mais a alma O contempla, mais se enamora dEle e mais sente a necessidade de concentrar o seu amor numa generosidade total. Por outro lado, o Senhor responde também à busca e ao amor da alma e deixa-Se encontrar e sentir, iluminando-a com a Sua luz e atraindo-a mais fortemente a Si com a Sua graça.
Nem sempre a alma conseguirá perseverar longamente neste olhar contemplativo, neste colóquio silencioso. Será necessário voltar frequentes vezes à reflexão, à expressão verbal dos seus afetos e assim, sobretudo quando não está ainda habituada a este modo de oração, será até bom que o faça com uma certa frequência para evitar cair no vago ou em distrações. Todavia deve ter sempre presente que ganha mais nestas pausas silenciosas aos pés do Senhor do que em mil raciocínios e palavras.
Colóquio – “Ó Senhor, fazei que o fim da minha oração seja ter o coração ocupado em Vos amar. Já que não encontro meio mais apto ao exercício do amor do que este íntimo recolhimento feito em silêncio e com desapego de todas as criaturas, eu Vos peço, Deus meu, que me tireis antes a vida do que me priveis deste contato interior conVosco, que é o meu pequeno paraíso na terra” (cfr. S. Leonardo de Porto Maurício).
“Ó Senhor, Vós não lucrais nada em estar em nossa companhia e no entanto amais-nos a ponto de dizerdes que as Vossas delícias são estar conosco. Porque nos amais tanto, que Vos dais a Vós próprio de preferência a conceder-nos aquilo que Vos pedimos? Doravante não quero possuir mais nada, pois posso possuir-Vos, ó meu Deus, e posso assim tratar tão intimamente conVosco. Adornar-me-ei cm as jóias das virtudes e convidar-Vos-ei para o tálamo do meu coração onde repousarei conVosco. Bem sei que Vós não pedis nem quereis outra coisa senão visitar a minha alma; nela desejais entrar e há muito tempo que bateis, por isso lamento ter estado privado por tanto tempo dum tão grande bem. aproximar-me-ei de Vós no segredo do meu coração e dir-vos-ei: Sei que Vós me amais mais do que eu me amo a mim mesmo, não pensarei mais em mim; mas só de Vós me aproximarei e Vós tereis cuidado de mim. Não posso atender a mim e a Vós: e por isso, Vós pensareis em mim e nas minhas enfermidades para as curar, e eu, em troca, na Vossa bondade para me deleitar. Se bem que eu ganhe imenso conVosco sem que Vós lucreis nada comigo, sei que apesar disso, Vós Vos comprazeis mais em estar comigo e de melhor vontade me ajudais do que eu estou conVosco a gozar a Vossa bondade. Como pode isto acontecer? A resposta é que eu me quero mal e Vós me quereis bem… Se eu quisesse, ó Senhor, recordar todos os sinais do Vosso afeto, não o conseguiria, porque, ainda que eu tivesse todas as línguas dos homens e dos anjos, não conseguiria exprimir nem os bens da natureza, nem os bens da graça, nem os bens da glória que provém de Vós… Como poderei, ó Senhor, pensar ou meditar noutra coisa além do Vosso amor? Que haverá de mais doce que o Vosso amor? Porque desejo outra coisa? E porque não fico para sempre unido e preso pelo amor? O Vosso amor envolve-me e eu ainda não compreendo o que é o Vosso amor” (cfr. S. Boaventura).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.