Ó Jesus crucificado, ensinai-me a ciência da cruz, ensinai-me o valor do sofrimento.
1 – A Paixão de Jesus ensina-nos concretamente que, na vida cristã, é necessário ter forças para abraçar a dor por amor de Deus. Esta lição é dura e repugna à nossa natureza, tão inclinada ao prazer e à alegria. É uma lição que nos vem de Jesus, Mestre de verdade e vida, Mestre amantíssimo das nossas almas, que só quer o nosso verdadeiro bem. Portanto, se Ele nos ensina a sofrer, quer dizer que no sofrimento se encerra um grande tesouro. O sofrimento, em si, é um mal e não pode ser amado; se Jesus quis abraçá-lo tão plenamente e no-lo propõe, convidando-nos a estimá-lo e a amá-lo, é unicamente em vista de um bem superior que só por meio dele pode ser alcançado: o bem sublime da redenção e santificação das nossas almas.
Ainda que o homem, sendo um ser composto, esteja por sua mesma natureza, sujeito à dor, Deus, mediante os dons preternaturais, tinha querido que os nossos primeiros pais fossem isentos dela; com o pecado esses dons ficaram para sempre perdidos e o sofrimento entrou inevitavelmente na nossa vida. A imensa some de dores que atormentam a humanidade é consequência da desordem produzida pelo pecado e não somente pelo pecado original, mas também pelos pecados atuais.
Todavia a Igreja canta: “felix culpas”! Porquê? Porque o amor infinito de Deus tudo transforma e sabe tirar do duplo mal do pecado e do sofrimento, o bem imenso da redenção do gênero humano. Jesus, tomando sobre Si os pecados dos homens, assumiu igualmente as suas consequências, ou seja, a dor; e esta dor, abraçada por Ele, durante toda a Sua vida, especialmente na Sua Paixão, tornou-se o instrumento da nossa redenção. A dor, consequência do pecado, tornou-se em Jesus e com Jesus, o meio para destruir o próprio pecado. Eis porque o cristão não pode considerar o sofrimento só como um peso indesejável que deve necessariamente suportar, mas – e muito mais – como um meio de redenção e santificação.
2 – O sofrimento é um sentimento desagradável que experimentamos perante uma coisa – situação, circunstância, etc., – que não corresponde às nossas tendências, exigências, aspirações, que não se harmoniza com elas nem as favorece, antes as contraria e embaraça. todos os homens estão sujeitos ao sofrimento, mas só o cristão possui o segredo de o fazer entrar na sua vida, sem que ele destrua a harmonia e a felicidade que são possíveis neste mundo. Este segredo consiste em saber harmonizar todo o gênero de sofrimento com as próprias aspirações, as quais, para um cristão, não podem limitar-se a um ideal de felicidade terrena. Esta harmonia é possível porque o que é contrário e inconveniente sob um ponto de vista, é muitas vezes conveniente visto sob outro. Assim, por exemplo, o sofrimento físico – fome, frio, doença, etc. – embora sendo inconveniente par ao corpo, pode ser muito útil para atingir um bem moral ou sobrenatural, tal como a aquisição da virtude, o progresso na santidade, etc…
Se, considerados sob um ponto de vista puramente humano, certos sofrimentos parecem completamente inoportunos e inconvenientes, nunca o são vistos sobrenaturalmente. “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom. 8, 28), e até as maiores calamidades, privadas ou sociais, podem tornar-se um meio precioso e eficaz de elevação. Qualquer sofrimento, portanto, pode harmonizar-se com os ideais supremos do cristão: a salvação eterna, a santidade, a glória de Deus, o bem das almas. Mas isto não é possível sem o amor; só será possível em proporção do amor. Unicamente o amor de Jesus pôde transformar a cruz, horrível instrumento de tortura, em instrumento eficacíssimo da glória de Deus e salvação da humanidade. O mesmo se dará conosco: a caridade, o amor de Deus e das almas, tornar-nos-ão capazes de abraçar qualquer dor, harmonizando-a com as nossas mais elevadas aspirações. Deste modo o sofrimento encontra lugar – e um lugar muito importante – na nossa vida, sem destruir a harmonia e a serenidade, sem oprimir o espírito, mas dilatando-o num movimento cada vez mais amplo, num amor cada vez maior. Assim, mesmo sofrendo, pode-se ser feliz. Eis como Jesus transformou a dor, eis o valor que lhe conferiu a Sua Paixão.
Colóquio – “Ó Senhor, custa-Vos saciar-nos de tristezas, mas Vós sabeis que é o único meio para nos preparardes para Vos conhecermos como Vós Vos conheceis, para nos tornarmos semelhantes a Vós.
“Sabeis, ó Senhor, que se me désseis só uma sombra de felicidade me apegaria a ela com toda a energia e toda a força do meu coração; esta sombra Vós me a recusais… quero dar-Vos tudo, não quero dar à criatura nem um átomo do meu amor.
“A vida passa tão depressa que realmente vale mais uma belíssima coroa no céu com um pouco de sofrimento do que ter uma ordinária sem sofrimento. Quando penso que por um sofrimento suportado com alegria Vos amarei melhor por toda a eternidade, quando penso que se Vós me désseis o universo inteiro com todos os seus tesouros, isso não seria comparável ao mais leve sofrimento! Cada novo sofrimento, cada angústia do coração é como uma leve brisa que Vos traz, ó Jesus, o perfume da alma que Vos ama; então Vós sorris amorosamente e logo preparais uma nova amargura, encheis o cálice até à borda, pensando que quanto mais a alma cresce no amor, mais deve crescer também no sofrimento.
“Que privilégio me fazeis, enviando-me uma tão grande dor! Ah! a eternidade não seria assaz longa para Vos agradecer. Porquê tanta predileção? É um segredo que me revelareis na minha Pátria, no dia em que enxugardes todas as lágrimas dos nossos olhos.
“Sois Vós, ó Senhor, que vindes mendigar esta tristeza, esta prova… Tendes necessidade dela para as almas, para a minha alma. Ó Jesus, fizeste-me compreender que era pela cruz que me queríeis dar almas e o meu gosto pelo sofrimento cresceu À medida que o sofrimento aumentava.
“Sim, sou feliz, por não me libertardes dos sofrimentos deste mundo. O sofrimento unido ao amor é a única coisa desejável neste vale de lágrimas” (T.M.J. Cart. 32, 50, 23, 40, 58, 224; M.A. pg. 178).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.