Primeiramente devemos saber que todas as coisas foram criadas para a oração, e que, quando Deus criou o Anjo e o homem, o fez a fim de que eles o louvassem eternamente lá no céu, se bem seja essa a última coisa que faremos, se último se pode chamar ao que é eterno. É certo que os Anjos oram, e isto nos é mostrado em vários lugares da Sagrada Escritura. Mas, quanto aos homens que estão no céu, não temos tantos testemunhos, por isto que, antes de Nosso Senhor morrer, ressuscitar e subir ao céu, não havia homens no paraíso: estavam todos no seio de Abraão. É, entretanto, coisa claríssima que os Santos e os homens que estão no paraíso oram, de vez que os Anjos, com quem eles estão, também oram. Todos os homens podem orar, e nem um só pode excusar-se de fazê-lo, nem sequer os hereges. Verdade é que os grandes pecadores têm muita dificuldade em fazer oração. Não obstante, enquanto forem capazes da graça, podem fazer oração. Só o diabo é que não a pode fazer, porque só ele é incapaz de amor.
Os antigos cristãos educados por S. Marcos evangelista eram assíduos na oração, e por isto vários dos antigos Padres os apelidaram de os suplicantes, e outros os chamaram de médicos, porque por meio da oração achavam eles remédio para todos os seus males. Denominaram-nos ainda monges, por serem eles muito unidos, dado que o nome de monge significa único. Os filósofos pagãos diziam que o homem é uma árvore derrubada, donde podemos concluir o quanto a oração é necessária ao homem, visto como, não tendo terra suficiente para lhe cobrir as raízes, não pode a árvore subsistir; assim, o homem que não tem particular atenção para com as coisas celestes, também não pode subsistir.
Ora, consoante a maioria dos Padres, a oração outra coisa não é senão uma elevação da mente às coisas celestes; outros dizem que é um pedido; mas as duas opiniões não se contrariam, porquanto, elevando a nossa mente a Deus, podemos pedir-Lhe o que nos parecer necessário.
O principal pedido que devemos fazer a Deus é a união das nossas vontades à Sua, e a causa final da oração consiste em só querermos a Deus. Assim, está aí encerrada toda a perfeição, como disse Frei Gil, companheiro de S. Francisco de Assis, quando certo personagem lhe perguntou como poderia fazer para ser logo perfeito: ” Dá, respondeu ele, uma a um”; quer dizer: Tens só uma alma e há só um Deus; dá-lhe a tua alma, e Ele se dará a ti.
A perseverança é o dom mais desejável que possamos esperar nesta vida, e o qual, como diz o sacro Concílio de Trento, não podemos haver de outro senão de Deus, que é só quem pode firmar aquele que está de pé e levantar aquele que cai. Por isto é que é preciso continuamente pedi-lo, empregando os meios que Deus nos ensinou para obtê-lo: a oração, ·o jejum, o uso dos sacramentos, a frequentação dos bons, a audição e a leitura das santas Palavras. Ora, por isto que o dom da oração e da devoção é liberalmente concedido a todos os que de bom coração querem consentir nas inspirações celestes, em nosso poder está perseverarmos.
Pensai na grande honra que um coração tem em falar a sós a seu Deus, a esse ser soberano, imenso e infinito. Sim, porque aquilo que o coração diz a Deus, ninguém o sabe senão o próprio Deus primeiramente, e depois aqueles a quem Deus o faz saber. Não é esse um maravilhoso segredo? Penso ser isto o que os Doutores dizem, a saber, que, para fazer oração, é bom pensar que há só Deus no mundo; pois, sem dúvida, isso retrai muito as potências da alma, e a aplicação delas se faz bem mais forte.
O Segredo da Salvação, A Lembrança da presença de Deus e as Orações jaculatórias, extraído das Obras de S. Francisco de Sales, por Fernando Millon, Missionário de S. Francisco de Sales, 1952.
Última atualização do artigo em 11 de março de 2025 por Arsenal Católico