Os dois reinos – Décimo Quarto Domingo depois do Pentecostes

Sustentai, ó Senhor, a minha fraqueza para que eu possa chegar à posse do Vosso reino.

1 – O pensamento central da Missa de hoje encontramo-lo sintetizado na Coleta: “Ó Senhor… porque sem Vós sucumbe a humana fraqueza, pelo Vosso constante auxílio, livrai-a de todos os males e guiai-a pela senda do bem”. Perante a vida espiritual, o homem é como uma criança que se encontra numa encruzilhada: não sabe caminha sozinho, não sabe que direção tomar para voltar para casa. Dois caminhos se abrem diante do cristão: um, conduz ao reino do espírito, ao reino de Deus; o outro, ao reino da carne, ao reino da riqueza. Qual dos dois escolherá? Evidentemente quer dar a preferência ao que conduz ao reino de Deus, reino pacífico e doce, descrito por Jesus no Evangelho de hoje (Mt. 6, 24-33). Mas, infelizmente, o reino das riquezas e da carne tem atrativos e tenta seduzir-lhe o coração. para resistir a estas lisonjas, a Epístola ensina-nos (Gál. 5, 16-24) que é preciso lutar; “a carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito desejos contrários à carne; estas coisas são contrárias entre si, para que não façais tudo aquilo que quereis”.

A luta é rude e por vezes levanta-se nas almas já resolutamente encaminhadas para o reino de Deus. Porquê? Porque a via que a ele conduz é áspera, fatigante, e penetra muitas vezes em densas trevas, sem que a alma se dê conta do caminho andado e dos progressos realizados. É preciso avançar na escuridão, crendo e esperando. Entretanto, porém, o olhar pára sobre outro caminho, mais largo, mais cômodo, semeado de bens sensíveis, que se vêem, se apalpam, se podem colher e gozar imediatamente: basta entender a mão. A alma sente a tentação e também sente que sozinha não pode resistir; se, porém, se refugia em Deus, se se deixa conduzir pelo espírito, será salva, mas não sem sacrifício. “Andai segundo o espírito – insiste S. Paulo – e não satisfareis os desejos da carne… Ora bem, as obras da carne são manifestas…” e o Apóstolo dá-nos uma lista delas bem pouco lisonjeira. É sempre assim. Os bens materiais apresentam-se com o encanto das flores, mas é um encanto que se desfaz depressa em podridão. Não vale a pena deter-se neles! Por isso “os que são de Cristo crucificaram a sua própria carne com os vícios e concupiscências”.

2 – O Evangelho põe-nos de novo alerta contra o atrativo dos bens materiais. Afirma em primeiro lugar que não se pode servir ao mesmo tempo a dois senhores, a Deus e à riqueza, como também se não podem tomar simultaneamente dois caminhos: o do reino de Deus e o dos prazeres terrenos. O que se entregou a Deus deve ter a coragem de se entregar a Ele plenamente, sem queixumes, sem voltar – ainda que passageiramente – aos caminhos do mundo. A alma que, depois de ter escolhido o caminho da perfeição, o não percorre totalmente e com generosidade, nunca estará contente: não terá a alegria de se sentir de Deus, nem terá a satisfação de poder seguir todos os encantos do mundo; a primeira ser-lhe-á interdita pela sua infidelidade, a segunda pelo temor de Deus que ainda lhe resta. É uma infeliz, Mas que é que nos impede de procurar totalmente o reino de Deus? Jesus di-lo no Evangelho de hoje: a demasiada solicitude pelo bem-estar material, pelas comodidades e pela segurança da vida presente. Apesar de querermos viver segundo o espírito, enquanto peregrinamos neste mundo num corpo mortal, estamos sempre sujeitos a deixar-nos invadir pelas preocupações materiais: “Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos?” Para nos livrar destes cuidados, Jesus apresenta-nos a visão maravilhosa da divina Providência. “Olhai para as aves do céu que não semeiam nem ceifam, nem fazem provisão nos celeiros, e contudo o vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não sois vós muito mais do que elas?” São palavras que dão asas, que dão vontade de lançar para longe todas as vãs preocupações terrenas a fim de nos concentrarmos na busca do reino de Deus: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”. Oh! se tivéssemos mais fé na divina Providência, que livres não estaríamos para atender aos negócios da alma! E mesmo que fôssemos obrigados a ocupar-nos dos afazeres terrenos, não ficaríamos atolados neles, mas seríamos capazes de nos mover com plena liberdade de espírito.

Colóquio – “Ó Senhor, já que a carne tem desejos contrários ao espírito e o espírito desejos contrários à carne, a luta é mortal: não faço o que quisera, pois quisera não ter concupiscências e isso é impossível. Queria ou não, tenho-as, lisonjeiam-me, estimulam-me, importunam-me, querem sempre levantar a cabeça; podem ser reprimidas, mas não sufocadas.

“Os Vossos preceitos, ó Senhor meu Deus, são as minhas armas. por meio do Vosso Espírito destes-me a possibilidade de refrear os meus membros; toda a minha esperança repousa, portanto, em Vós. Dai-me o poder de fazer o que me mandais e depois mandai-me o que quiserdes.

“Não quero, ó Senhor, ser amigo deste mundo, porque se eu for amigo deste mundo, serei Vosso inimigo. Quero fazer das coisas criadas uma escada para subir até Vós, porque se amar estas coisas mais do que a Vós, não Vos possuirei. De que aproveita a abundância das coisas feitas por Vós, se me faltais Vós que sois o seu Autor?

“Para quê tantos trabalhos por amor das riquezas? A ambição do dinheiro impõe fadigas, perigos, consumições, tribulações e eu, infeliz, a tudo me submeto; sujeito-me a isso para ter com que encher o cofre, e assim perco a tranquilidade.

“Vós, porém, que me ordenais, Deus meu? Amar-Vos. Se amo o ouro, ponho-me a procurá-lo sem o poder encontrar; mas Vós estais com aquele que Vos procura. Quereria a honra e talvez não possa consegui-la; mas quem Vos ama sem chegar a Vós? Basta que eu Vos ame, o próprio amor Vos aproximará de mim. Que haverá de mais doce que este amor? Vós sois o meu amor, ó Senhor! Amo-Vos com o maior ardor da minha alma, calcando aos pés tudo o que me atrai, resolvido a seguir para diante” (Sto Agostinho).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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