Haec societas diligenter et sancte observata, nos homines hominibus miscit et indicat aliquid esse commune jus generis humani. SENECA, Epist. XLVII (1)
A família não é somente o elemento primeiro de todo Estado, ela se mantém como seu elemento constitutivo, de tal sorte que a sociedade regular, tal como existe, durante o tempo em que não tenha contrariado as leis da natureza, como fez nossa França na Revolução, compõe-se não de indivíduos, mas de famílias. Hoje, somente os indivíduos contam, o Estado conhece apenas cidadãos dispersos; isto é contrário à ordem natural. Como muito bem disse Savigny: “O Estado, uma vez formado, tem como elementos constitutivos as famílias, não os indivíduos.” Assim era outrora, e o que o demonstra de uma maneira bem sensível é o fato de que nos recenseamentos da população a contagem era sempre feita não por pessoas, mas por fogões, isto é, por lares; cada lar era considerado o centro de uma família, e cada família era no Estado uma unidade política e jurídica, assim como econômica.
Buisson disse um dia na Câmara: “O dever da Revolução é emancipar o indivíduo, a pessoa humana, célula elementar, orgânica, da sociedade.” Com efeito, é exatamente essa a empreitada que a Revolução se impôs, mas essa tarefa não leva a nada menos do que à desorganização da sociedade e à sua dissolução. O indivíduo é apenas um elemento da célula orgânica da sociedade. Essa célula é a família; separar seus elementos, praticar o individualismo, é destruir sua vida, é torná-la impotente para cumprir seu papel na constituição do ser social, como sucederia com o ser vivo a dissociação dos elementos da célula vegetal ou animal.
Isto era tão bem compreendido em Roma, que o Estado romano primitivo reconhecia apenas as gentes e que para se ter uma situação legal era preciso ser membro de uma dessas corporações. “O filho de família emancipado, diz Flach, o escravo liberto, os estrangeiros vindos a Roma em busca de asilo, deviam submeter-se a um chefe de família”.
Do mesmo modo na França, na alta Idade Média: “Nenhum lugar para o homem isolado, diz o mesmo autor; se uma família vem a decair ou a dissolver-se, os elementos que a compõem deverão agregar-se a uma outra. Não encontrar semelhante asilo equivale à morte”. Em todos os lugares a família é, nas boas épocas da história dos povos, aquilo que, entre nós, a democracia, para nossa infelicidade, fez o indivíduo ser: a unidade social.
Tanto no corpo social quanto no corpo vivo, para retomar a comparação de Buisson, as células elementares não estão na mesma categoria, ainda que igualmente provindas de uma célula primitiva. Há células primeiras, elementares, que dão origem às células do sangue e às células dos tecidos. Assim também na sociedade; as famílias, posto que oriundas de um mesmo ponto, são de condição diversa e estão repartidas em três classes: o povo, a burguesia e a nobreza. Para maior semelhança, a burguesia realiza, na sociedade, o papel do sangue no corpo humano: ela sai do povo e alimenta a nobreza. Contrariamente ao que quer a democracia, em toda a parte em que o progresso moral, intelectual, material germina e se desenvolve, as desigualdades aparecem, acentuam-se, fixam-se nas famílias e pouco a pouco constituem uma hierarquia, não de funcionários, mas de casas.
Reencontramos aqui as grandes leis que Deus estabeleceu quando da criação do homem, na sociedade primeira, a fim de que elas continuassem a reger todas as sociedades humanas, qualquer que fosse o desenvolvimento que elas tivessem.
“Há leis, diz Bonald, para as formigas e as abelhas. Como se pôde pensar que não as havia para a sociedade dos homens, e que ela estivesse entregue aos azares de suas invenções?” Rousseau pensou isto. Ele se esforçou em formular para os Estados leis diferentes das dispostas pelo Criador; e os democratas, seus discípulos, esforçando-se, segundo suas lições, em estabelecer os Estados sobre a igualdade em oposição à autoridade, e sobre a independência recíproca em oposição à união, só podem destruí-los, e destruí-los pela base.
Se os povos só são feitos de famílias vivas, e se as leis impostas por Deus à família devem ser as leis de toda a sociedade, é necessário que os Estados reproduzam neles alguma coisa do modelo primitivo. Todos os sábios estão de acordo sobre esse ponto. “Os gregos e os romanos, diz o abade Fleury (2), reputados pela sabedoria deste mundo, aprendiam a política governando suas famílias. A família é a imagem reduzida do Estado. Significa guiar os homens que vivem em sociedade”.
“O governo da casa, diz Jean Bodin no segundo capítulo do primeiro livro de sua obra, é um governo direto de vários sujeitos sob a obediência de um chefe de família. A república é um governo direto de várias famílias e do que lhes é comum com força soberana. É impossível que a república valha alguma coisa se as famílias que são os seus pilares estão tão mal organizadas”.
Leão XIII diz a mesma coisa: “A família é o berço da sociedade civil e é em grande parte no recinto do lar doméstico que se prepara o destino dos Estados (3). Alhures: “A sociedade doméstica contém e fortifica os princípios e, por assim dizer, os melhores elementos da vida social: assim é que dela depende em grande parte a condição tranqüila e próspera das nações” (4). É, pois, com razão que Bonald diz: “Quando as leis da sociedade dos homens são esquecidas pela sociedade política, elas podem ser reencontradas na sociedade doméstica”.
Na nossa França, a sociedade conservou o modelo familiar até a Revolução.
No século XVIII, em 14 de fevereiro de 1774, o Parlamento de Provence podia ainda escrever ao rei: “Entre nós cada comuna é uma família que governa a si mesma, que se impõe suas leis, que vela por seus interesses. O oficial municipal é o pai da comuna”.
Ribbes, que estudou com tanto cuidado as comunas do Ancien Régime, conclui: “As localidades são organizadas em famílias, os registros municipais são em todos os pontos semelhantes aos livros domésticos; o lar tem seus ritos, as localidades têm os seus. A ideia de família manifesta-se no mais alto grau no sistema de administração, ela é ainda mais impressionante nas solenidades e nas recreações públicas”.
A própria monarquia havia conservado esse mesmo caráter. O governo era essencialmente familiar. A mulher e o filho primogênito do rei estavam estreitamente associados ao exercício do poder. O tesouro do Estado ficava sob a vigilância da rainha e sob seu controle direto. O camareiro, que se denominaria hoje ministro das finanças, era, por esse fato, seu subordinado. Assim também, até nossos dias, na maior parte dos lares é a mulher que tem a chave do caixa. A rainha aparece nos tratados concluídos com as potências estrangeiras.
Os seis grandes oficiais da coroa (5), que assistiam o rei em todos os atos de poder, tinham tido, na origem, funções domésticas nitidamente marcadas pelos próprios títulos de suas dignidades. O senescal, o condestável, o despenseiro, o copeiro, o camareiro, o chanceler tomaram seus nomes dos diferentes serviços da casa do rei, e sucedeu que o Palácio do Rei transformou-se pouco a pouco em um seminário de homens de Estado.
Viollet, na sua Histoire des Constitutions de la France, definiu assim o caráter de nossa antiga monarquia: “A autoridade do rei era semelhante à do pai de família; assim, o poder patriarcal e o poder real são por suas origens parentes muito próximos”. E mais adiante, voltando à mesma ideia, diz ainda: “É manifesto que o rei desempenha o papel de um chefe de família patriarcal”.
Como o pai de família, o rei era a fonte de toda a justiça no reino. Summum justitiae caput foi assim que Fulbert de Chartres definiu o rei no século XI. Cada grupo natural, local ou profissional tinha organização e autoridade próprias: a família tem seu chefe, a oficina seu mestre, a comuna seus magistrados, as corporações seus síndicos, a Igreja seus bispos. A ideia de uma regra comum estabelecida por um poder qualquer para o conjunto dos habitantes teria então parecido uma monstruosidade. Cada grupo administra a si mesmo. Mas entre essas liberdades e franquias locais, entre esses pequenos estados múltiplos e independentes é preciso manter a harmonia, a paz, assegurar o respeito aos bons costumes. É o papel mais importante do rei: ele é o justiceiro pacificador, o apaziguador de discórdias, o guardião das liberdades e da paz pública, a qual veio a ser chamada de paz do rei. Na origem esse papel foi exercido a fortes golpes de espada. Harnulf chama Luís, o Gordo, de batalhador infatigável: “Luís, agora o pacífico, com o cetro à mão, dá a cada um o seu direito”. Mas logo o rei distribuiu a justiça de maneira diferente. O rei escutava os queixosos como um senhor a seus vassalos, como um pai aos seus filhos. Ele tratava seus súditos com inteira familiaridade. “Todos os dias, diz Joinville, falando de São Luís, ele dava de comer com abundância aos pobres, no seu quarto, e freqüentes vezes vi que ele próprio cortava-lhes o pão e dava-lhes de beber”. Seria um erro crer que esses traços tenham sido particulares à magnífica bondade de São Luís; Roberto, o Piedoso, entre outros, agia do mesmo modo. Foi uma tradição, entre nossos antigos reis, mostrarem-se acolhedores e benfeitores, sobretudo em relação aos pequenos e aos humildes” (6).
No século XIII o rei passeava a pé pelas ruas de Paris, e cada qual se acercava dele e lhe falava sem cerimônia.
O florentino Francesco da Barberino registra sua surpresa de ver Filipe, o Belo — cujo poder se fazia sentir até no fundo da Itália — passear assim em Paris e cumprimentar com simplicidade as pessoas que passavam. É desnecessário contrapor essa bonomia à arrogância dos senhores florentinos.
Segundo o testemunho do cronista Chastellan, Carlos VII “despendia dias e horas a cuidar de homens de todas as condições, e assistia pessoa por pessoa, cada qual distintamente”.
Os embaixadores venezianos do século XVI atestam, em suas célebres correspondências, que “ninguém é excluído da presença do rei e que as pessoas da classe mais vil penetram ousadamente e à vontade no quarto íntimo”. O rei comia diante de seus súditos, em família. Cada qual podia entrar na sala durante as refeições.
“Se há um característico singular nesta monarquia, escreve o próprio Luís XIV, é o acesso livre e fácil dos súditos ao príncipe”.
E de fato, apesar da multiplicação dos meios de transporte e do prodigioso crescimento de uma cidade como Paris nas proximidades da residência real, vemos o grande rei receber cada semana todos os pedintes que se apresentam, por pobres e mal vestidos que sejam.
“Eu ia ao Louvre, escreve Locatelle em 1665, e aí passeava com toda a liberdade, e, passando pelos diversos corpos da guarda, chegava a esta porta que é aberta logo que nela se toca, e o mais freqüentemente pelo próprio rei. Basta tocar levemente e em seguida se vos introduz. O rei quer que os súditos entrem livremente”.
Os acontecimentos que concerniam diretamente ao rei e à rainha eram para a França inteira acontecimentos de família. A casa do rei era, no sentido próprio, “a casa de França”.
As Lettres d’un Voyageur Anglais sur la France, la Suisse et l’Allemagne oferecem os mesmos testemunhos referidos acima. Eis algumas linhas da citação que dela faz J. de Maistre em um de seus opúsculos:
“O amor e o apego dos franceses pela pessoa de seus reis é uma parte essencial e tocante do caráter nacional… A palavra rei excita, no espírito dos franceses, ideias de beneficência, de reconhecimento e de amor, simultaneamente com aquelas de poder, de grandeza e de felicidade… Os franceses acorrem em multidão a Versalhes, nos domingos e dias de festa, olhando o rei com uma avidez sempre nova, e o vêem pela vigésima vez com tanto prazer quanto da primeira. Eles o encaram como seu amigo, como seu protetor, como seu benfeitor”.
“Antes da Revolução, diz também o general de Marmont, tinha-se pela pessoa do rei um sentimento difícil de definir, um sentimento de devoção com um caráter quase religioso. A palavra “rei” tinha então uma magia e um poder que nada havia alterado. Esse amor redundava numa espécie de culto”.
“Lembrai-vos de amar com ternura a pessoa sagrada de nosso rei, dizia em 1681 a seus filhos no seu livro de razão (7), um modesto habitante de Puy-Michel (Baixos Alpes), de ser-lhe obedientes, submissos e cheios de respeito às suas ordens”. Recomendações semelhantes encontram-se em outros livros de razão, publicados por Charles de Ribbes; e as divisas das famílias senhoriais exprimem freqüentemente os mesmos sentimentos.
Tais sentimentos jamais se manifestaram de maneira tão ruidosa como por ocasião do nascimento de Luís XVI.
“Os gritos de Viva o Rei!, que começaram às seis horas da manhã, não foram interrompidos até o pôr-do-sol. Quando nasceu o Delfim, a alegria da França foi a de uma família. As pessoas paravam nas ruas, falando umas com as outras, sem se conhecerem, e os conhecidos se abraçavam” (8).
Aulard, historiador oficial da Revolução, forçado pelas realidades que se impuseram à sua atenção, fala desta maneira do amor dos franceses pelo seu rei e do seu apego à monarquia:
“Ninguém pensa em atribuir à realeza, ou mesmo ao rei, os males dos quais nos queixamos. Em todos os cadernos (9) os franceses revelam um ardente realismo, uma ardente devoção à pessoa de Luís XVI. Sobretudo nos cadernos do primeiro grau, ou cadernos das paróquias, há um grito de confiança, de amor, de gratidão. Nosso bom rei! O rei nosso pai! Eis como se exprimem os trabalhadores e os camponeses. A nobreza e o clero, naturalmente menos entusiasmados, também se mostram realistas” (Histoire Politique de la Révolution Française, p. 2).
E mais longe (p. 7): “Se bem que o povo começasse a ter um certo sentimento de seus direitos, longe de pensar em restringir todo esse poder real, era nele que colocava toda sua esperança. Um caderno dizia que para que se realizasse o bem bastava que o rei dissesse: “A mim, meu povo! “.
Os mesmos sentimentos perseveraram até em plena Revolução. Maurice Talmeyr, na sua brochura “La Franc-Maçonnerie et la Révolution Française“, observou esses sentimentos:
“Durante dois anos a Revolução foi feita aos gritos de Viva o Rei! Em seguida, a maioria dos próprios homens e mulheres arruaceiros, pagos para ultrajar o soberano, são, diante dele, subitamente tocados pelo intransponível amor de sua raça ao descendente de seus monarcas. Toda sua exaltação, na presença dele, transforma-se, como em outubro de 1798, em respeito e ternura”. Talmeyr traz outros fatos em confirmação do que ele diz e chama o testemunho de Louis Blanc.
Ele teria podido igualmente invocar o testemunho de Mme. Roland. Testemunha do que se passava sob seus olhos, ela escrevia com desespero: “Não se acreditaria o quanto os funcionários e os comerciantes são reacionários. Quanto ao povo, está cansado; ele crê que tudo está acabado e volta para seu trabalho. Todos os jornais democráticos se irritam com os vivas que acompanham o Rei, cada vez que ele aparece em público”.
É, pois, bem verdadeira a observação de Frantz Funck-Brentano: “Nada mais difícil para o espírito moderno do que imaginar o que era, na França antiga, a personalidade real e os sentimentos pelos quais seus súditos lhe estavam ligados”. Dizia-se comumente que o rei era o pai de seus súditos; essas palavras correspondiam a um sentimento real e concreto da parte do soberano assim como de parte da nação. “Chamar o rei de pai do povo , disse La Bruyère (que sempre põe muita precisão em tudo o que diz), é menos elogiá-lo do que defini-lo”. E Tocqueville: “A nação tinha pelo Rei a um só tempo a ternura que se tem por um pai e o respeito devido somente a Deus”.
“A França é apaixonadamente monarquista”, disse Mirabeau. E Michelet: “Das entranhas da França brota um grito terno de profunda expressão: Meu rei!”.
“A nação, diz Augustin Thierry, não havia sofrido por causa desse regime (monárquico); ela mesma o quis resolutamente e com perseverança. Ele não estava fundado nem na força nem na fraude, mas, ao contrário, era aceito pela consciência de todos” (10). Assim, não se pode dizer que a nação quis libertar-se da monarquia. A multidão de abstenções nas eleições durante todo o período revolucionário, no qual de cem mil inscritos somente dez mil votavam, mostra bem que a parte da nação desejosa da substituição do regime monárquico pelo regime republicano foi insignificante. Sabe-se, ademais, que a maioria da Convenção não se comprometeu com o voto que condenava Luís XVI à morte. Um dos votantes não tinha vinte e cinco anos, um outro não era francês, cinco outros não eram válidos ou inscritos, enfim, sete deputados votaram duas vezes, como deputados e como suplentes de seus colegas. Ao invés de um voto de maioria, o veredicto tinha uma minoria de treze votos (11).
Na Réforme Sociale de 1° de novembro de 1904, Funck-Brentano, falando da função da realeza francesa, disse: “Saído do pai de família, o rei tinha permanecido na alma popular, vagamente e sem que ela se desse conta disso, como o pai junto ao qual vinham buscar proteção e abrigo. Em sua direção, através dos séculos, tinham instintivamente dirigido os olhares em caso de aflição ou de necessidade. E eis que, bruscamente, essa grande autoridade paternal é derrubada. E corre no meio do povo da França um mal-estar, um pavor, vago, irrefletido. Ó, os rumores sinistros! Eis os bandidos! e o pai não está mais presente! O “grande medo” é a última página da história da realeza na França. Não há nada de mais tocante, de mais glorioso para ela, não há nada onde apareça melhor o caráter das relações que, tradicionalmente, instintivamente, tinham-se estabelecido entre o rei e a nação… (12)
Foi ao espírito familiar da monarquia que a França em muito boa parte deveu sua prosperidade. E essa prosperidade foi tal que a França era, sem contestação, a primeira nação da Europa. O grande orador inglês Fox reconhecia-o, não sem amargor, na Câmara dos Comuns, quando exclamava, em 1787:
“De Petersburgo à Lisboa, se se excetua a Corte de Viena, a influência da França predomina em todos os Gabinetes da Europa. O Gabinete de Versalhes apresenta ao mundo o mais incompreensível paradoxo: é o mais estável, o mais constante e o mais inflexível que há na Europa. Após vários séculos, ele segue invariavelmente o mesmo sistema, e, no entanto, a nação francesa prossegue como a mais ágil da Europa”.
Dá-se que, com efeito, toda sociedade que conserva o espírito familiar, uma vez que permanece submissa à lei natural, progride, por assim dizer, necessariamente. “Nada na história, diz Frantz Funck-Brentano, jamais negou essa lei geral: tanto quanto uma nação é governada segundo os princípios constitutivos da família, tanto ela é florescente; no dia em que ela se afasta dessas tradições que a criaram, a ruína está próxima. O que dá fundamento às nações serve também para mantê-las”.
Edmond Burke, nas suas Réflexions sur la Révolution Française, dirigia aos franceses de 1789 sábias palavras. Quão pouca atenção se lhes deu! “Quereis corrigir os abusos de vosso governo; mas por que criar novidades? Por que não vos reatais a vossas antigas tradições?”
O Espírito Familiar, no Lar, na Cidade e no Estado, Monsenhor Henri Delassus, Doutor em Teologia, 1910.
(1) Essa sociedade, cuidadosa e santamente respeitada, mistura os homens aos homens, e indica ser
algo comum a lei do gênero humano. (N. do T.).
(2) Opuscules I , p. 292.
(3) Encíclica Sapientiae Christianae.
(4) Encíclica Quod Multum.
(5) O senescal era o escudeiro que, na guerra, seguia seu mestre nas expedições, velando pela instalação da tenda real. Na ausência do rei, ele comandava o exército. Essas funções derivam hereditariamente das Casas de Rochefort e de Giuerlande; Luís VI diminuiu-lhes o alcance, Filipe Augusto suprimiu-as.
Quando Filipe-Augusto fez desaparecer o ofício de senescal, o condestável tornou-se o chefe do exército, e o rei acrescentou-lhe dois marechais. O ofício foi suprimido por Richelieu.
O despenseiro velava pelo cozimento do pão. O ofício teve como titulares os maiores nomes da França, entre outros o de Montmorency.
O copeiro tinha a administração dos vinhedos reais, e deles gerava os rendimentos. Ele teve a intendência do tesouro real e a presidência da Câmara dos Condes. A partir do século XII essas funções tornaram-se hereditárias na Casa de la Tour. Foram suprimidas por Carlos VII.
O camareiro dirigia o serviço dos quartos privados. Ele tornou-se o tesoureiro do reino, e nessa qualidade estava colocado, como dissemos, sob as ordens da rainha. O encargo foi suprimido em 1445.
A origem do grande chanceler é religiosa e ao mesmo tempo doméstica. Os reis merovíngios conservavam entre suas relíquias a pequena capa (chape) de São Martinho. Daí o nome de capela (chapelle) dado aos lugares onde eram guardadas as relíquias dos reis. Os arquivos eram conservados
junto às relíquias. O chefe dos capelães foi o grande chanceler, que carregava constantemente no pescoço o grande sinete real.
(6) Eis o que Francisco I, no início de seu reinado, escrevia no cabeçalho da ordenação de 23 de setembro de 1523:
“Como prouve a Deus chamar-nos, na flor de nossa idade, como um dos seus principais mestres do governo desse belo, nobre e digno reino de França, divina e miraculosamente instituído para a direção e proteção de todas as suas classes: Especialmente para a conservação, elevação e defesa da classe comum e popular, que é a mais fraca, e por isso a mais fácil de oprimir, e naturalmente tem maior necessidade do que todas as outras de boa guarda e defesa, e singularmente o pobre comum homem da França, que sempre tem sido doce, simples e gracioso em todas as coisas, e obsequioso para com o seu príncipe, e senhor natural, que ele sempre tem reconhecido, tendo-o servido e obedecido sem mudar, nem variar, preferindo sofrer a receber a dominação de outro príncipe. De tal maneira que entre os reis da França e seus súditos tem havido sempre a maior aglutinação, liame e conjunção de verdadeiro amor, natural devoção, cordial concórdia e íntima afeição do que em qualquer outra monarquia ou nação cristã.
Os quais amor, devoção e concórdia bem conservados entre o rei e seus súditos sob o temor e o amor de Deus (que sempre tem sido servido devotadamente na França) tornaram o reino florescente, triunfante, temido e estimado por toda a terra… Ora, o verdadeiro meio pelo qual os reis podem e devem perpetuar e aumentar esse amor consiste na justiça e na paz: na justiça, fazendo-a distribuir e administrar pura, boa, igual e concisa, sem nenhuma acepção de pessoa e sem suspeita de avareza a nossos súditos; em paz fora e dentro do reino: sobretudo na paz intrínseca fazendo viver o homem de bem sob a ajuda e proteção de seu rei, em boa e amorosa paz comer seu pão e viver na sua propriedade em repouso , sem ser humilhado nem atormentado sem propósito, que é a maior felicidade, contentamento e tesouro que um rei pode conquistar para seu povo…”
(7) O livro de razão, como era chamado na França o livro de família, era uma espécie de diário familiar, mantido e atualizado pelas sucessivas gerações. O autor trata da matéria em detalhes no capítulo IX, pp. 75 e 76. (N. do T.).
(8) Campan, I, p. 89; III, p. 215.
(9) Os “cahiers de doléance”, literalmente “cadernos de queixas”, constituíram um dos elementos utilizados pela Revolução, em 1789, com a finalidade de depreciar a monarquia. Nesses cadernos, os franceses deveriam anotar as queixas que tinham contra seus governantes. O resultado foi o inverso do esperado, tantas as manifestações de amor pela Casa Real, não obstante todas as falsificações produzidas pelos agentes da Revolução. (N. do T.).
(10) 10 Augustin Thierry, Essai sur la Formation du Tiers-Etat, p. 89.
(11) Depois dessa data fatal de 21 de janeiro de 1793, não houve nenhum fracasso nacional que não tenha sancionado alguma ruína, se não definitiva, pelo menos muito durável, pois o dano dessa data subsistiu até nossos dias. E não houve nenhum sucesso, nenhuma glória, nenhuma conquista, nenhuma alegria nacional que não tenha tido os mais dolorosos dias seguintes. A seqüência de nossos reis representa a mais admirável continuidade de um crescimento histórico, e o assassinato de um deles dá o sinal dos movimentos inversos, os quais, apesar da multidão das compensações provisórias, tomam, no seu conjunto, a forma de uma regressão. Para o progresso social, assim como para os costumes, para a ordem política, assim como para a extensão territorial ou o número de habitantes relativamente a outras nações da Europa, a França caiu abaixo do que era em 1793.
Primeiro fato! Segundo fato: com recursos admiráveis e incomparáveis meios, a França tende a perseverar nessa queda, em razão dos mesmos princípios que a determinaram, faz cento e dezesseis anos, ao regicídio. É, pois, verdadeiro, que cortando a cabeça de seu Rei, a França cometeu suicídio.
(12) Os mesmos sentimentos manifestaram-se na Restauração. Madame de Marigny, irmã de Chateaubriand, estava em Paris em 1814, no momento da entrada dos Aliados. Ela anotava, dia a dia, em finos cadernos, as notícias e os boatos da cidade . Assim que um caderno era completado, ela o enviava a seus pais, na Bretanha. Esses cadernos acabam de ser publicados por M. J. Ladreit de Lacharrière. Eis o relato que ela faz da entrada do conde d’Artois:
Terça-feira, 12 de abril — Levantei-me muito doente, mas decidida a fazer o impossível para ver o Príncipe tão querido dos franceses. Tomei café para reanimar-me e, como guia das senhoritas Verpier, cuja mãe estava muito indisposta, pus-me a caminho, com a esperança de poder entrar em NotreDame; coisa que tentei inutilmente, mesmo com dinheiro que ofereci a um pobre homem que vigiava uma pequena porta pela qual entravam os cônegos. Não sabendo que decisão tomar, sentindo-me incapaz de permanecer de pé na rua durante cinco ou seis horas, retornei com minhas companheiras, muito triste. Passando diante do estabelecimento de um comerciante de vinho, perguntei-lhe se ele tinha uma janela sobre a rua e se ele queria alugá-la; ele ficou maravilhado. O negócio foi logo concluído.
O afluxo de pessoas e de carros que iam a Notre-Dame era tão prodigioso que nele não se podia fixar o olhar por muito tempo; fui obrigada a retirar-me da janela várias vezes; eu estava aturdida.
Entre as senhoras que não puderam encontrar lugar, percebi Mme. de Gois; chamei-a. Ela veio com suas amigas ocupar uma janela que ainda estava por alugar e pagou-a. Notava-se, dentro dos carros, belíssimos trajes, e mesmo mulheres a pé que estavam muito bem vestidas; quase todas portavam flores de lis sobre os chapéus, ou em buquês que carregavam diante de si. Algumas tinham três flores de lis bordadas em ouro sobre as mangas fofas.
O pavilhão branco drapejava sobre as torres de Notre-Dame, com o escudo da França. Enfim, ao meio-dia soou o grande sino e soube-se que Monsieur estava na porta do bairro Saint-Denis. Um numeroso destacamento da guarda nacional aguardava-o lá; a guarda atirou as armas aos pés do príncipe, num transporte de respeito e de amor. Ele pareceu sensibilizar-se. Sua Alteza abraçou alguns que ele reconheceu…
No meio dessa multidão de penachos brancos e de senhores de seu séquito, o conde d’Artois pôs-se a caminho para Notre-Dame, mas a quantidade de pessoas que o interceptavam e as igrejas onde se lhe ofereceu incenso entravaram e retardaram de tal forma sua passagem que eram duas horas e meia quando ele chegou na rua onde eu estava, e que conduz à catedral.
À sua passagem sob o arco do triunfo da porta Saint-Denis, o grande sino soou de novo; mas à sua aproximação da metrópole, todos os sinos repicaram; eles não podiam abafar as aclamações, a música misturava-se-lhes. Não, jamais se poderá pintar esse entusiasmo. Poder-se-ia dizer que a alegria havia transbordado, chorava-se, gritava-se pela sua felicidade; temia-se não ter forças de suster-se para vê-lo passar, e eu me incluía entre estes. Mme. de Gois repreendeu-me fortemente por minha sensibilidade; ela fez-me bem; eu resisti contra o mal-estar que experimentava, e lancei-me irrefletidamente à sacada, tão feliz em lhe dar meu derradeiro suspiro. Deixei escapar a felicidade do meu coração, meus votos por ele, meu enternecimento pela lembrança de seus infortúnios, ou melhor, eu lançava todos esses sentimentos, porque estava fora de mim…
A santidade do lugar não pôde estancar os transportes das pessoas que estavam na igreja; as abóbadas tremiam com as aclamações. Mas esse Príncipe religioso, logo que se começou a cantar o Te Deum, voltou-se e fez sinais reclamando silêncio. Ao Domine salvum fac regem viram-se grossas lágrimas correr de seus olhos.
Enfim, o cortejo retomou seu caminho, e, para nossa satisfação, fez ainda S.A. passar sob nossas janelas, onde de novo estávamos com meio-corpo para fora, apaixonadas, gritando num derradeiro esforço: “Viva Monsieur! Faça o céu que seja sempre feliz!” Nossos chapéus ornados de lis, nossa ação, nossos lenços no ar foram fixados um momento pelos olhares do Príncipe, que nos cumprimentou com aquela graça e aquele sorriso amável que não pertencem senão a ele.
Então, no cúmulo da alegria, não sabendo mais o que fazia, pareceu-me que eu não devia olhar para mais ninguém, que nenhum outro objeto era mais digno de ser observado. Sentei-me para respirar, eu sufocava, minha voz se extinguia, eu respondia apenas através de sinais.
Foi preciso pensar na volta para meu colégio. Propus às companheiras irmos a Notre-Dame e darmos graças a Deus por nos ter conservado a família de São Luís… Entrei em casa extenuada de calor e de fadiga, mas sobretudo sobrecarregada de felicidade e de alegria, tanto que não dormi.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico