Foge dos teus inimigos, e guarda-te também dos que se te apresentam como amigos (Ecl. VI, 13).
Há amigos, que apesar de carecerem de vida, no entanto exercem uma influência decisiva sobre nós: são os livros.
À semelhança do que acontece com as pessoas, também com os livros podemos ter intimidade de relações, recebendo as suas ideias e sentimentos, ganhando-lhes afeição e tornando-nos semelhantes a eles.
Nos jovens então, em que a fantasia tem um ascendente poderosíssimo, os livros exercem uma influência muito eficaz.
Sê pois, ó jovem cristã, muito vigilante na escolha dos que lês. O que é o manjar para o corpo, são-no eles para a alma.
Põe um cuidado especial naqueles que te hão de servir de passatempo.
O mundo está povoado de livros. Em toda a parte se nos apresentam ocasiões de leitura: bibliotecas públicas e particulares, gabinetes, folhas, revistas ilustradas, jornais.
Mas entre a multidão dos que encontramos, quanto veneno! quantos há que são instrumentos de morte! Às leituras mais do que a nenhuma outra coisa, podem aplicar-se aquelas palavras: O inferno alargou o seu seio e abriu as suas faces sem termo nem medida (1).
Títulos que excitam a curiosidade, impressões magníficas, ilustrações primorosas e barateza aliados à inexperiência da juventude, à cegueira de muitos pais, aos maus conselhos e exemplos que lavram por toda a parte, são outras tantas armadilhas para a gente nova.
É grande a influência da palavra oral, porque é voz viva; mas a da palavra escrita é ainda maior e mais eficaz.
Aquela leva-a o vento, esta porém permanece; aquela de ordinário é fruto duma ideia passageira; esta, é-o da reflexão, ornada com as galas do estilo; aquela ouve-se uma só vez, esta mil.
Os livros percorrem o mundo, falam mil línguas, e penetram no coração tanto mais fundamente quanto mais só está o leitor, e mais concentrada a sua atenção.
Sendo tão poderoso o seu influxo, devemos pôr um grande cuidado na escolha daqueles que hão de ser objeto da nossa leitura.
Não te deixes enganar pelo título, nem pelo luxo da impressão, nem pela fama.
Não leias livros proibidos pela Igreja: os eu juízo deve ser sagrado para ti.
Foge daqueles que te aprecem maus ou perigosos. Mau é todo o livro contrário á fé ou à moral.
Não leias os que te perturbam o espírito. A simples experiência seria já uma temeridade. Se não podes ajuizar por ti mesma, pede conselho ao teu diretor.
Deixa aqueles que transtornam e falseiam as ideias, e não percas o tempo precioso com leituras inúteis, que nem ao menos servem para te proporcionar uma recriação honesta.
Se durante a leitura, os teus olhos caírem nalguma passagem ofensiva da fé e do pudor expulsa de ti a serpente.
Ainda que o veneno seja muito suave, e o mal se apresente debaixo da forma encantadora do estilo e da poesia, nem por isso deixa de ser o que é, e de produzir o seu efeito. Foge dos inimigos, e guarda-te ainda dos que aprecem teus amigos (2).
Lê com moderação: não te deixes dominar pela fome de leitura, afim de que, com a dissipação do espírito, não percas o gosto do trabalho próprio do teu estado.
Queres saber qual é o efeito das novelas e dos seus assuntos inventados adrede para excitar a curiosidade.
Repara naquela jovem absorta, com um livro aberto entre as mãos noites inteiras. Não vê, nem ouve; devora e é devorada. Que interesse e que ânsia excita nela o drama! todas as paixões que lê avidamente no livro, se vão levantando no seu coração: amor, o ódio, a inveja, a vingança, a cólera, o desespero! Que caos de paixões, que fluxo e refluxo de imagens sempre novas num mundo fictício!
E quando a novela é imoral, que abomináveis miasmas penetram no coração da jovem! que negras sombras lhe cobrem a fantasia! Como o sangue lhe referve nas veias! Que brilho tão intenso despede a faísca, que ameaça converter-se num incêndio devorador! Oh! o momento que imediatamente se seguir a estas impressões, será talvez testemunha duma queda lamentável, e duma resolução fatal!
Como não te há de queimar o fogo que meteste no seio?
Aprende no exemplo de tantas jovens às quais os maus livros causaram a ruína. os inimigos que te rodeiam são já bastantes, não precisas de aumentar mais o número deles. Ouve a voz da consciência e não terás mais tarde de que te arrepender.
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Is. V, 14.
(2) Ecl. VI, 13.
Última atualização do artigo em 24 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico