Os nossos deveres – Vigésimo Segundo Domingo depois do Pentecostes

Ensinai-me, Senhor, a cumprir todos os meus deveres em homenagem à Vossa soberana Majestade.

1 – Os ensinamentos contidos na Missa deste domingo podem sintetizar-se na conhecida frase de Jesus que lemos no Evangelho (Mt. 22, 15-21); “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”; por outras palavras: cumpri com exatidão os vossos deveres para com Deus e para com o próximo, dando a cada um o que lhe pertence.

A Epístola (Fil. 1, 6-11) apresenta-nos S. Paulo como modelo de caridade para com aqueles que Deus confiou aos nossos cuidados: “Tenho-vos no coração, vós todos que, quer nas minhas cadeias, quer na defesa e confirmação do Evangelho, sois participantes da minha alegria”. Paulo sente vivamente a sua paternidade espiritual para com as almas que gerou para Cristo; embora longe, sente-se responsável pelos seus êxitos, preocupa-se com a sua perseverança no bem, ampara-as com o seu afeto paternal e com os seus prudentes conselhos: “Confio que Aquele que começou em vós a boa obra, a completará até ao dia de Cristo Jesus”. Não quer que se perturbem por ele estar longe: não é senão um pobre instrumento, só Deus é o verdadeiro guia das almas e Deus continuará a obra começada; quanto a ele, podem ter a certeza de que não cessa de os amar: “Deus me é testemunha de que modo vos amo a todos nas entranhas de Jesus Cristo”.

S. João Crisóstomo diz que o coração de Paulo é o coração de Cristo por causa do seu grande amor às almas que o torna muito semelhante ao Redentor. Se Deus pôs uma alma no nosso caminho pedindo-nos que nos ocupássemos dela, não podemos desinteressar-nos; essa alma fica doravante unida à nossa, devemos sentir-nos responsáveis por ela e obrigados a ajudá-la até ao fim.

Depois de nos ter falado de solidariedade que devemos ter para com os que foram confiados aos nossos cuidados, a Epístola lembra-nos também a caridade em geral a respeito do próximo: “que a vossa caridade cresça mais e mais em ciência e em todo o conhecimento”. Trata-se de uma caridade cada vez mais delicada na compreensão da alma dos outros, cada vez mais perspicaz em se adaptar às mentalidades, às exigências e aos gostos alheios; uma caridade que deve impelir-nos, como diz S. Paulo, “a distinguir – e portanto a fazer – o melhor”, a fim de que sejamos “sinceros e irrepreensíveis para o dia de Cristo” (Fil. 1, 10).

2 – O Evangelho descreve, nítida e claramente, a posição do cristão perante a autoridade civil. A questão insidiosa, se é ou não lícito pagar o tributo a César, oferece a Jesus a ocasião de resolver o problema das relações entre os deveres civis e os religiosos. Pede que Lhe apresentem uma moeda e pergunta: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” “De César”, responderam-Lhe. E Jesus replica: “Dai pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Não há oposição entre os direitos do poder político e os de Deus, porque “não haveria poder algum se não fosse dado do alto” (cfr. Jo. 19, 11): a autoridade política legitimamente constituída provém de Deus e há de ser respeitada como um reflexo da autoridade divina. Por isso, todo o cristão está obrigado a obedecer à autoridade política, desde que esta não ordene coisas contrárias à lei de Deus, porque neste caso já não representaria a autoridade divina, e então, como diz S. Pedro, “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens” (Act. 5, 29).

Não pensemos que, tendo-nos dedicado ao apostolado ou consagrado a obras religiosas, estamos por isso dispensados dos deveres civis; pelo contrário, também neste campo os católicos deveriam ser os primeiros. Os imperadores, os reis, os homens que se consagraram à política ou à armas e que a Igreja venera como santos, dizem-nos que a santidade é possível em toda a parte e que se pode alcançar mesmo estando ao serviço do Estado, pois nesse caso também se trata de servir a Deus nas criaturas.

Ordenando-nos que se dê a César o que é de César, Jesus ensina-nos a dar ao Estado tudo quanto lhe pertence, tudo o que se refere à ordem e ao bem público temporal. Mas Jesus não fica por aqui e acrescenta: “dai a Deus o que é de Deus”. Se o denário que tem a efígie de César deve ser restituído a César, muito mais a nossa alma, que traz em si a imagem de Deus, deve ser restituída a Deus. Afirmar que devemos dar a alma a Deus, é dizer que Lhe devemos dar tudo, porque efetivamente tudo recebemos dEle. Neste sentido, cumprir os nossos deveres para com o próximo, para com os iguais ou inferiores, para com os superiores eclesiásticos ou civis, é cumprir os nossos deveres para com Deus, é restituir-Lhe tudo quanto nos deu, submetendo a nossa liberdade à Sua lei e pondo a nossa vontade ao serviço da Sua.

Colóquio – “Ó meu Deus, já que sou vosso por tantos motivos e tenho tanta obrigação de Vos servir, nunca permitais que o pecado, Satanás ou o mundo usurpem a mais pequena parcela daquilo que é inteiramente Vosso. Tomai Vós, se assim Vos aprouver, inteira e absoluta posse do meu se e da minha vida. Ó meu Deus, eis que me dou todo a Vos, não querer pensar, dizer, fazer ou sofrer coisa alguma senão por Vosso amor, hoje, amanhã e sempre” (S. João Eudes).

“Ó meu Senhor Jesus, Vós destes-Vos a mim e nada me pedis senão o coração. Porém, Senhor, que é o meu pobre coração diante de Vós, que sois tudo? Se eu tivesse um coração que valesse mais do que todos os corações dos filhos dos homens em conjunto e do que todos os afetos dos anjos, e se a sua capacidade fosse tão grande que pudesse conter ao mesmo tempo muitas coisas espirituais e corporais, e mesmo todo o céu, eu Vo-lo deveria consagrar todo inteiro; contudo seria um dom bem pobre para tão grande Senhor, ou antes, seria bem pouco mais do que nada. Ora, com quanta maior razão não Vos darei e restituirei plenamente esta centelha de coração que encontro em mim! Por isso é para mim grandíssimo ganho que Vos digneis possuir o meu coração. E não seria louco se daqui para o futuro o consagrasse a qualquer criatura, quando o meu Deus o quer para Si? Não quero que permaneça doravante em mim; quero que repouse todo em Vós, que o criastes para Vos louvar. É melhor que o meu coração esteja no eterno gozo, na divina majestade e na bondade imensa do que na minha fragilidade; na Vossa deidade do que na minha iniquidade” (S. Boaventura).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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