Ó Senhor, uni-me a Vós e que a força da Vossa caridade acenda no meu coração a verdadeira chama apostólica.
1 – S. Tomás ensina que o amor é como o fogo, produz uma chama e a chama do amor é o zelo. Se o fogo arde intensamente, então a chama que produz é também devoradora, intensa. O verdadeiro zelo apostólico é o resultado espontâneo, o fruto normal do contato íntimo da alma com Deus por meio do amor. Quanto mais uma alma se une a Deus por amor, tanto mais fica envolvida na chama da Sua caridade, tanto mais participa do Seu amor infinito pelos homens, do Seu zelo eterno pela sua salvação, de modo que se torna necessariamente apostólica.
Dizer que não se pode ser apóstolo antes de estar tão intimamente possuído pelo amor divino, seria um exagero, mas é evidente que não se chega à plenitude do apostolado, e portanto, da fecundidade apostólica, sem esta chama interior que nasce da união com Deus. Enquanto não se chega a este ponto, é necessário considerar-se principiante no apostolado, à semelhança de um aprendiz que se aplica a uma arte, executando este ou aquele trabalho, sem contudo ser estimulado e orientado pela inspiração pessoal. Os principiantes devem comportar-se como tais, ou seja, devem agir com cautela, dar-se ao apostolado com prudência e só em certa medida porque, não tendo ainda atingido a maturidade espiritual da qual brota espontaneamente a chama do zelo, ainda não possuem os recursos de graça que defenderiam a alma dos perigos de uma atividade externa demasiado intensa e que, ao mesmo tempo, teriam o poder de tornar fecundo todo o seu trabalho. “Aqui – afirma S.ta Teresa de Jesus – a alma não está criada: é como um menino que começa a mamar, e se o apartam dos peitos de sua mãe, que se pode esperar senão a morte? Se se aparta da oração sem uma causa gravíssima e não volta a ela depressa, temo grandemente que lhe suceda como ao menino, pois irá de mal a pior” (M. IV, 3, 10). Notemos que a Santa não fala aqui das almas que estão dando os primeiros passos na vida interior, mas daquelas que, tendo chegado à oração de quietude, podem bem chamar-se proficientes; e todavia não é exagerado afirmar que, no que diz respeito ao apostolado, são ainda principiantes.
2 – S.ta Teresa de Jesus apresenta-nos a alma no momento em que nela desponta a chama interior do apostolado, como consequência da caridade que a une a Deus. Trata-se de uma alma que o amor e o abandono tornaram tão submissa que “não sabe nem quer outra coisa, senão que Deus fala dela o que quiser”; e Deus, que “a toma já por Sua”, assinala-a “com o Seu selo” infundindo-lhe uma vivíssima dor pelos pecados dos homens e um ardente desejo de se imolar pela sua salvação (cfr. M. V, 2, 12-14). A caridade cresceu nessa alma até a tornar capaz de renunciar efetivamente à sua vontade para se conformar em tudo com a vontade divina; mesmo em casos difíceis e imprevistos que requerem muito espírito de sacrifício, ela sabe pôr de lado toda a repugnância, e ressentimento da natureza, todos os pontos de vista e desejos pessoais, para aderir ao querer divino, quer se lhe apresente sob o aspecto dos deveres quotidianos, quer se lhe manifeste pela voz exterior da obediência ou pela voz interior do Espírito Santo, como também através das circunstâncias da vida. É portanto uma alma verdadeiramente unida a Deus por amor, verdadeiramente dada a Ele, e Deus toma-a e lança-a no serviço da Igreja e das almas, querendo servir-Se dela para realizar o Seu plano de salvação e de santificação da humanidade.
Assim despertam na alma imensos desejos de apostolado, em nada semelhantes aos que podia ter alimentado anteriormente; sente que já se não pertence, que a sua vida está necessariamente ligada à do Divino Redentor e que, a exemplo Seu, deve consagrá-la e consumi-la toda no serviço das almas. Mesmo aquelas que vivem aparentemente mais afastadas do mundo e do contato exterior com os homens – as que vivem na clausura, os contemplativos nos seus ermos ou desertos – tornam-se eminentemente apostólicas ao chegarem a este estado, e toda a sua vida de oração e sacrifício é orientada para um único ideal: reparar pelos pecados da humanidade, salvar as almas. Enquanto os contemplativos expandem este zelo apostólico intensificando a sua imolação escondida, os ativos, entregues às obras exteriores, encontram na chama interior proveniente da sua união com Deus, o impulso, a força, o amparo, a fecundidade do seu apostolado. Mais uma vez devemos concluir que o caminho para alcançar o máximo rendimento apostólico é o caminho solitário e silencioso da união com Deus.
Colóquio – “Meu Deus, como é fervorosa e forte a caridade duma alma que Vos está unida por amor! Aqueles que estão assim presos por Vós, não se podem limitar ao seu proveito pessoal nem contentar-se com ele; esforçam-se, com uma solicitude e afeto todo celestial e com grande diligência, por levar consigo muitos outros. Fazei, ó Senhor, que o meu amor por Vós produza efeitos semelhantes!” (cfr. J.C.).
“Ó Senhor, de uma alma já determinada a amar-Vos e abandonada nas Vossas mãos, não quereis outra coisa senão que obedeça, que se informe bem do que é mais para Vossa glória e só isso deseje.
“Oh! caridade daqueles que Vos amam verdadeiramente! Bem pouco descanso poderão ter, se vêem que podem contribuir um pouco para que uma só alma aproveite e Vos ame mais, ou para lhe dar algum consolo ou livrá-la de algum perigo. Que mal descansará com o seu descanso pessoal
“Ó Senhor, aflita pela perda de tantas almas, se não posso ajudá-las com as obras, quero importunar-Vos com a oração. Estou pronta a perder todo o meu regalo e considero-o por bem perdido, porque já não me lembro do meu contentamento, senão do melhor modo de cumprir a Vossa vontade.
“Meu Deus, quanto mais o tempo passa, muito maiores sçao os meus desejos de contribuir para o bem de alguma alma e muitas vezes me parece ser como uma pessoa que tem guardado um grande tesouro e deseja que todos gozem dele, mas não o pode repartir porque se vê com as mãos atadas. Não cabendo mais em mim, elevo até Vós o meu clamor e suplico-Vos que me concedais qualquer meio de ganhar alguma alma para o Vosso serviço” (T.J. Fd. 5, 6 e 5; 1, 6 e 7).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico