A pressa é um dos maiores traidores que a devoção e verdadeira virtude possa encontrar. Simula aquecer-nos no bem, mas é só para nos arrefeçer, e não nos faz correr senão para nos fazer tropeçar. É por isto que nos devemos resguardar dela em todas as ocasiões, e particularmente na oração.
E, para vos auxiliar nisso, lembrai-vos de que as graças e bens da oração não são águas da terra, mas do céu, e que portanto todos os nossos esforços não as podem adquirir. Devemos ter o coração aberto para o céu e aguardar o santo orvalho. E nunca vos esqueçais de trazer à oração esta consideração: nela é que nós nos aproximamos de Deus e nos colocamos na sua presença, por duas razões principais.
A primeira é para prestarmos a Deus a honra e a homenagem que lhe devemos, e isto pode fazer-se sem que ele nos fale, nem nós a ele; pois esse dever se cumpre reconhecendo que ele é nosso Deus e nós suas vis criaturas, e permanecendo diante dele prostrados em espírito, aguardando as suas ordens. Quantos cortesãos não há que vão cem vezes à presença do Rei, não para lhe falar, nem para ouvi-lo, mas simplesmente a fim de serem por ele vistos e testemunharem, por essa assiduidade, que são seus servos? E esse intuito de nos prostrarmos diante de Deus só para testemunharmos e protestatmos a nossa vontade e reconhecimento no seu serviço é muito excelente, muito santo e muito puro, e, por conseguinte, de grandíssima perfeição.
A segunda causa pela qual nos apresentamos diante de Deus é para falar com ele e ouvi-lo falar-nos por suas inspirações e movimentos interiores; e ordinariamente isto se faz com prazer mui delicioso, por isto que grande bem nos é falar a tão grande Senhor, e, quando ele responde, derrama mil bálsamos e unguentos preciosos, que dão grande suavidade.
Ora, um desses dois bens nunca nos pode faltar na oração. Se pudermos falar a Nosso Senhor, falemos; louvemo-lo, roguemo-lo. Se não pudermos falar, por estarmos roucos, fiquemos contudo no quarto e façamos-lhe reverência; ele nos verá lá, aceitará a nossa paciência e favorecerá o nosso silêncio. De outra vez, ficaremos tão deslumbrados, que ele nos tomará pela mão, e conversará conosco, e dará cem voltas conosco pelas aléias do seu jardim de oração; e, quando nunca o fizesse, contentemo-nos com que seja nosso dever andar atrás dele, e que grande graça e honra extrema nos seja o sofrer-nos ele em sua presença. Destarte, não nos apressaremos para lhe falar, visto que a outra ocasião de estarmos ao pé dele não nos é menos útil, e talvez seja até muito mais, conquanto um pouco menos agradável ao nosso gosto.
Quando, pois, vierdes ao pé de Nosso Senhor, falai-lhe se puderdes; se não puderdes, ficai aí, fazei-vos ver e não vos deis pressa de outra coisa.
O Segredo da Salvação, A Lembrança da presença de Deus e as Orações jaculatórias, extraído das Obras de S. Francisco de Sales, por Fernando Millon, Missionário de S. Francisco de Sales, 1952.
Última atualização do artigo em 7 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico