Propagandistas do erro – Parte 3: Que é o que fazem os emissários protestantes?

Nada de novo. Imitam apenas um exemplo antiquíssimo: o da serpente enganadora.

A antiga serpente – o mais astuto dos animais, segundo a Sagrada Escritura – compreendeu que, entrando em intimidade com os filhos de Deus, Adão e Eva, lhe era forçoso proceder com extrema cautela. Cumpria-lhe estrear jeitosamente, travando relações, iniciando um breve dialogo, de preferência com Eva, porque Adão, com ser homem, podia oferecer maior resistência ao primeiro embate. Excogitado semelhante estratagema, entabulou conversa com Eva, fingiu interessar-se por ela, e, sobretudo, aparentou grande tristeza, quando soube que nem todas as frutas do Paraíso em que estava podia Eva livremente saborear. Quando percebeu que a sua interlocutora já começava a perder terreno, pôs-se a mentir desabaladamente, invectivando ao próprio Deus, a quem ousa caluniar, para destarte lograr melhor o pérfido intento. E assim, graças à astúcia, à hipocrisia, à mentira e à calúnia, conseguiu a astuta serpente arrastar para a voragem do pecado os nossos primeiros pais.

Pois, Filhos caríssimos, o que fez outrora a serpente falaz continuam a fazê-lo, ainda hoje, com igual perícia e maldade, os emissários protestantes quando aparecem no meio de vós.

De fato, qual contrapeso da supina ignorância que os caracteriza, dotados de uma astúcia tão refinada, que rivaliza com a da velha, antiquíssima serpente, bem compreendem que neste Paraíso terreal – o Brasil – e çom católicos – legítimos filhos de Deus, e mais que Adão e Eva -, não podem empregar meios brutais para pervertê-los. Por isso, com muito deliberado jeito e extrema sagacidade, sondam meticulosamente o terreno, arriscam alguma palavra, esboçam um sorriso complacente, e, preferentemente com mulheres desprevenidas, entabulam capciosos colóquios, cujo epílogo há de, fatalmente, ser uma arremetida mais ou menos violenta contra a Igreja. Informam-se da vossa vida, afetando ter para convosco muito interesse, e, se sois pobres, muita compaixão, lastimando que nenhum católico, que nem sequer o vosso pároco vos traga o seu conforto, o seu auxilio. Simulando, depois, entranhado amor à religião, à virtude, à santidade, põem-se a expectorar as suas tolices, as suas mentiras, as suas calúnias, logrando, não raro, fazer-os cair na cilada que vos armaram, como a tartárea serpente – de que são filhos – conseguiu derribar os nossos primeiros pais.

Convém, pois, desvendar-lhes aqui as manhas e rebater, ao menos, as mais deslavadas parvoíces, as mentiras mais artificiosas e as calúnias mais soezes que estes embusteiros tentam impingir por toda a parte.

O primeiro ardil a que recorrem consiste em falar muito de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, dizendo que devemos adorar a Deus em espírito e verdade, ter grande confiança em Nosso Senhor, etc.

Mas, para saberdes que deveis adorar a Deus em espírito e verdade e ter grande confiança em Nosso Senhor, era porventura mister que vo-lo viessem eles ensinar? Não vos encareceu o vosso pároco, repetidas vezes, e sob variadas formas, essa mesmíssima doutrina? Não amais vós a Deus e ao próximo mais do que esses filhos de Luthero, de Calvino e quejandos patriarcas da Reforma? Para que, pois, tanto palanfrório desses ministros que Deus nem mandou, nem reconhece? Para que? Escutai-lhes o resto da parlenga, e vereis o que pretendem com seu exordiar tão manhoso.

Depois de, com o aprumo vulgar dos parlapatões, vos terem inculcado o que nenhum de vós ignorava – que devemos adorar a Deus em espírito e verdade, que devemos ter confiança em Nosso Senhor, – ei-los chegados ao ponto a que miravam. Adorai a Deus, mas, para o adorardes, não é preciso ir à igreja, assistir à Missa, confessar os próprios pecados, receber a comunhão, guardar abstinência, observar a quaresma, etc., etc. Tende grande confiança em Jesus Cristo, porém nele só; nada de devoção a Maria nem aos santos; nenhum culto às imagens, às relíquias, etc., etc. Governai bem a vossa língua, e cuidai que não escutem os vossos ouvidos as pregações dos padres, nem vos deixeis intimidar o coração pelos castigos com que, em nome de Deus, vos ameaçam.

Perdidos intrujões! Dolosos incubadores do mesmo satânico artifício em que, desgraçadamente, se deixou Eva colher, e em que ainda hoje se enredam, para sua fatal ruína, alguns dos seus ingênuos descendentes!

Teríeis vós imaginado, Filhos caríssimos, que houvessem esses reles boticários, para entoxicar-vos com mais facilidade, de doirar as venenosas pílulas da sua heresia com o ouro da caridade para com Deus e da confiança em Nosso Senhor Je­sus Cristo?

Já vos precavera com paternal solicitude o Mestre divino: Cuidado com os falsos profetas!

A segunda astúcia que empregam esses pseudo-ministros para enganar os incautos, são os elogios que tributam à Fé. Ao ouvir-lhes as tiradas laudatórias, dir-se-ia que são fiéis ovelhas de Cristo; mas com tais encômios, de suspeita procedência, se coleiam, fatalmente, enormes despauté­rios, dentre os quais, à guisa de estribilho, sobressai este: para a salvação, de todo em todo dis­pensáveis são as boas obras: basta unicamente a Fé. Cai-lhes aqui o embuço, patenteando o que realmente são: lobos vorazes.

Efetivamente, ninguém nega ser a Fé o principio da salvação, e tão necessária ao cristão como raiz à planta. E, diz São Paulo, o primeiro passo dado na íngreme ascensão que nos há de conduzir a Deus, a quem, sem tal virtude, não podemos comprazer. (1) Pela Fé, sujeitamos a Deus o que de mais nobre possuímos – a inteligência – crendo firmemente nos mistérios mais profundos, mais recônditos, incessíveis à débil razão humana, e neles cremos unicamente fundados na própria autoridade de Deus, que houve por bem revelar-no-los, e que não pode errar por ser infinitamente veraz. Iluminados pelos clarões da Fé, os santos – diz o referido Apóstolo São Paulo – ­venceram os reinos do demônio, do mundo e da carne; praticaram a justiça e a santidade, e conseguiram a salvação. (2)

Mas onde descobriram os falsos ministros protestantes que só a Fé é suficiente para a salvação, e desnecessárias as boas obras? Na Bíblia, talvez? Acaso na Sagrada Escritura? Abramos, pois, o livro divino, e vejamos o que nele está escrito. Ainda que tivesse tão grande Fé, que lograsse transportar montanhas, se me não abrasasse a Caridade, eu nada seria. (3) Isso escreve São Paulo. Para se conseguir a salvação, não basta, portanto, unicamente a Fé; são igualmente necessárias as boas obras, o que, aliás, insofismavelmente evidencia o Apóstolo São Tiago, quando afirma que a Fé desacompanhada das obras é morta, (4) inane, completamente estéril.

Anterior a estes irrefragáveis testemunhos apostólicos e muitos outros que deixamos de referir aqui por evitar inúteis redundâncias, é a resposta de Nosso Senhor ao jovem que lhe perguntara o que devia fazer para assegurar a própria salvação: Se quiseres alcançar a eterna vida, guarda os mandamentos. (5)

Infelizmente, ainda não havia surgido o protestantismo, nem estava presente um só ministro reformado, para publicamente protestar e dizer àquele moço: “Não acredites nessa palavra de Jesus. Escuta o que te digo eu: para salvares a tua alma, basta-te unicamente a Fé; o resto é inútil”.

Ouvistes, Filhos caríssimos? Jesus Cristo afirma a necessidade das boas obras para a salvação: os protestantes negam tal necessidade. A quem dareis crédito? A esses impostores, ou ao divino Mestre? E se deveras acreditais nas palavras de Jesus Cristo, não deveis esquecer a sua insistente recomendação: Acautelai-vos dos falsos profetas!

O terceiro artifício dos refalsados ministros protestantes consiste em gabar a Fé, não só para sofisticamente inferir a inutilidade das boas obras, mas também para destruí-la.

De fato, por que razão tecem à Fé tantos encômios? Afim de rematar dolosamente que, para orar, não é preciso ir à igreja, pois não há para a oração certos lugares mais apropriados que outros; que de nada servem os ritos, as cerimônias, as procissões, os diversos atos, enfim, do culto público em vigor no catolicismo; que Deus só exige não malfaçamos a ninguém. Em resumo: depois de terem desnaturado a Fé mediante cerebrinos exageros e louvores falsos, esses tais paroleiros vos dissuadem da prática, do exercício da Fé, afim de poderem mais seguramente destruí-la nos vossos corações, porquanto é óbvio que uma virtude não exercitada – ou não existe, ou, se existe, não tardará a desaparecer.

Simulando a compostura de ovelhas, aqui os tendes, ainda uma vez, tais quais são: lobos vorazes. (6)

Não é necessário ir à igreja, dizem eles. E por que, na Lei antiga, exigiu Deus o Templo? E por que, na Lei nova, foi Jesus ao Templo, quando só contava doze anos? E por que frequentava Ele amiúde esse mesmo Templo de Jerusalém durante os três laboriosos anos do seu apostolado? Respondam os que asseveram, com desplante, não ser necessário ir à igreja. Devem, acaso, os católicos desertar as suas igrejas e capelas para frequentarem os templos protestantes? É isso o que pretendem? Digam-no, sem rebuços, mas cessem de mentir.

Afirmam que Deus está em toda a parte. É exato. Mas nas igrejas católicas não reside Nosso Senhor de modo especial, nos tabernáculos, realmente presente na hóstia consagrada, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, tal qual está no Céu? Do seu trono eucarístico sóe Jesus dar mais facilmente as suas audiências e distribuir com liberalidade maior as suas graças inefáveis.

Cumpre acrescentar que a igreja com seus altares, seus crucifixos, suas imagens, seus círios, seus sacrifícios, seus ritos, com todo o seu culto, enfim, excita a Fé, aviva a Esperança e afervora a Caridade; e, graças às orações feitas em comum, mais preciosas são as bênçãos outorgadas e mais abundantes os favores divinos.

Donde, sem dúvida, o ódio que o demônio e os hereges, seus sequazes, votam às nossas igrejas, assim com o os pérfidos conselhos que aos fiéis costumam dar os mentores do protestantismo, induzindo-os a desertá-las. Que diríeis vós de quem sorrateiramente persuadisse qualquer dos vossos filhos a abandonar a casa paterna? Pois isso mesmo deveis dizer do protestante, quando vos aconselhar a que não frequenteis a igreja, que é a casa de Deus, vosso Pai.

Fazei, antes, o contrário do que vos sugerem: amiudai vossa presença no lugar santo, afim de robustecer a vossa Fé e vos imunizar do contágio maléfico da heresia.

Cautela! Muita cautela com esses falsos profetas!

Mas por que razão, afinal, vos querem eles ver afastados das vossas igrejas e longe dos vossos párocos? Pela razão de que nenhum lobo gosta de ver as ovelhas reunidas no aprisco sob a vigilância do pastor, preferindo, naturalmente, que se tresmalhem para adentá-las sem perigo e devorá-las como lhe aprouver.

Este o quarto estratagema de que usam os assalariados reformistas. Para conseguir o seu perverso intento, isto é, para vos arruinar a Fé que professais e atrair-vos à heresia protestante, começam por espreitar se os vossos guias espirituais, que são os párocos, estão longe ou ausentes, e, achegando-se então muito de mansinho, sobraçando bíblias, livros ou folhetos, mais ou menos vistosamente encadernados, vo-los dão de presente – quando não conseguem vendê-los por qualquer preço, a troco, até, de mercadorias – e muito em segredo, e com requintada mancha, vos instilam a peçonha com que vos envenenam. Por que assim procedem? Para que tanto subterfúgio? Por que preferem os lugares onde não há sacerdotes, e, onde os há, por que tratam de não ser por eles vistos e de recomendar às suas vítimas não falem, nada contem ao seu pároco? Acaso procura as trevas quem faz o bem? Quem odeia a luz – adverte Jesus Cristo a tal respeito – de certo pratica o mal. (7)

Não vos deixeis, Filhos caríssimos, enganar por esses indivíduos suspeitos nem seduzir-vos por esses falsos profetas. Lembrai-vos constantemente da solene advertência de Nosso Senhor: Acautelai-vos!

As artimanhas que deixamos, até aqui, enumeradas não surtiriam talvez o almejado efeito sem o indecoroso método, ao qual se não pejam de recorrer os egrégios filhos de Luthero, falseando ignobilmente as escrituras e abusando da vossa ingenuidade. é esta ainda uma sutileza que perfeitamente caracteriza a heresia protestante.

Observam que por amor aos trabalhos do campo ou aos serviços domésticos, com que procurais o necessário sustento da família, não vos foi possível empreender, de modo conveniente, o estudo da vossa religião. lgnorais, por consequência, qual é a verdadeira Bíblia, e não sabeis como é preciso entendê-la para não errar.

Põem-vos, então, nas mãos uma bíblia mutilada, falsificada e mal traduzida; uma bíblia, em cujo texto intrometeram expressões por conta própria, fraudando-lhe o sentido; uma bíblia, à qual furtaram trechos e arrancaram, até, livros inteiros que não condiziam com suas tenções; uma bíblia, que vos induzem a ler sem nenhuma sequência, apontando-vos trechos e palavras desconexas, cujo sentido vos é desconhecido e que eles vos explicam, a seu talante, insinuando-vos assim os seus erros, e fazendo-vos crer que têm fundamento na Bíblia os seus despautérios, deixando-vos, destarte, miseramente enganados e ludibriados como todas as inúmeras vítimas dos seus maranhões.

Quando, pois, vos oferecerem essas bíblias e outros que tais livros seus, declarai-lhes alto e bom som que não quereis tocá-los nem de leve, para não contaminardes as vossas mãos.

Quando pretenderem discutir convosco sobre tal ou qual ponto da vossa Fé, frustrai-lhes o intento, e respondei, com firmeza, que se lhes sobra tempo e vontade para discutir, queiram dirigir-se a quem lhes pó de e sabe dar o merecido quinau: na freguesia, o pároco; e o Bispo, na diocese; e, sem mais formalidades, voltai as costas a esses embusteiros e falsos profetas, contra os quais já vos precaveu, de longa data, o divino Mestre: Cuidado! São lobos!

Se esses falazes ministros, para embair os católicos, recorrem a tais astúcias, em se tratando de atacar a Igreja não hesitam ante os maiores palões e ignóbeis calúnias, aliás tantas vezes refutadas. Não podemos nem queremos enumerá-las todas. Vejamos algumas, ineptamente forjadas e ainda mais ineptamente remoídas.

Não é raro ouvi-los regougar que a Igreja católica, afim de que lhe não descubram as imposturas, proíbe aos fiéis a leitura da Bíblia.

Vilíssima calúnia esta! Mostrem os que tal afirmam uma só lei, um só decreto da Igreja que iniba os católicos da leitura dos Livros sagrados. Jamais o poderão mostrar, porque essa pretensa lei, esse decreto suposto é meramente imaginário e de todo inexistente.

O que veda a Igreja a seus filhos, e com toda a razão, é a leitura das bíblias protestantes recortadas, estropeadas, fraudadas, e, portanto, fal­sas. Nada mais justo e acertado do que semelhante proibição. Não proibis, porventura, a vossos filhos qualquer alimento que lhes seja nocivo? Que diríeis vós a quem vos acusasse de, com tal proibição, quererdes matar à fome os vossos rebentos queridos? Pois isso deveis responder aos protestantes, quando vierem dizer-vos que a Igreja veda a leitura da Bíblia.

Não, Filhos caríssimos, a Igreja absolutamente não proíbe a leitura da Bíblia, antes a aconselha e recomenda sempre que se realizem estas duas condições indispensáveis: primeira, que a tradução seja fiel e aprovada pela autoridade eclesiástica; segunda, que venha acompanhada de notas explicativas, necessárias e indispensáveis para a sua reta compreensão. Só assim poderá a leitura da Bíblia ser útil e proveitosa às vossas almas.

Se o próprio apóstolo São Pedro declara que nas Epístolas de São Paulo há trechos difíceis de entender, (8) como é possível a qualquer leitor, sem a mínima orientação, compreender a Sagrada Escritura? E, aliás, se bastassem os livros para alguém se instruir, adquiridos e lidos estes, tornar-se-iam inúteis as escolas, os colégios e as academias.

Injusta, pois, e inepta a acusação que movem os protestantes contra a Igreja.

Assacam-nos também outra calúnia, incriminando-nos de idólatras, porque – repisam eles – os católicos adoram Santíssima Virgem, os santos, as imagens e as relíquias.

Falsíssimo. Chamam-se idólatras os que tributam à criatura o culto exclusivamente devido ao Criador, a Deus. Mas o culto devido exclusivamente a Deus é o de adoração, pelo qual o reconhecemos como nosso primeiro princípio e nosso último fim. São, pois, idólatras os que esse culto prestam às criaturas, como faziam os adeptos do antigo paganismo e ainda hoje o fazem os do moderno.

Nós, porém, católicos que somos e nos ufanamos de o ser, a nenhuma criatura, mas unicamente a Deus rendemos esse culto supremo, e, pois, só a má fé ou a ignorância muito peculiar aos inimigos da Igreja nos poderia acusar de idolatria. Tributamos, na verdade, e com razão, culto à Santíssima Virgem, aos anjos, aos santos, às imagens e relíquias; não é, todavia, nenhum culto de adoração, mas, sim, de veneração, o que é muito diferente e legitimamente justificado.

O próprio Deus, com efeito, honra a Maria, sua divina Mãe; aos anjos, seus ministros; aos santos, seus amigos; e também às relíquias destes, como consta dos milagres operados por intermédio delas. Rejeitar, logo, o culto da Santíssima Virgem, dos anjos, dos santos, das relíquias e das imagens, tendo-o na conta de idolatria, é uma afrontosa calúnia assacada à Igreja e uma impiíssima blasfêmia contra Deus.

Desnecessário nos parece referirmos e encarecermos aqui as razões multifárias que provam e confirmam quanto esse culto é, para o cristão, verdadeiramente digno, justo e salutar; razões, aliás, magistralmente expostas pelos indefessos apologistas da Fé que professamos. Não queremos, todavia, perder a oportunidade de vos apontar com indignação esses gratuitos caluniadores da Igreja, esses insolentes blasfemadores dos santos e da Virgem Santíssima, Augusta Mãe e Senhora Nossa. Resguardai-vos deles, que são os apaniguados da mentira!

Uma terceira calúnia, com que tentam ferir a Igreja, consiste em atribuir-lhe despudoradamente a interessada invenção do Purgatório.

Cumpre notar, antes de mais nada, que negar a existência do Purgatório é heresia; e dizer que a Igreja o inventou para favorecer os seus próprios interesses é torpíssima calúnia. Contestemos em poucas palavras a heresia e recambiemos a calúnia.

Refere a Sagrada Escritura que Judas Macabeu, o heróico vingador de Israel, remeteu a Jerusalém doze mil dracmas de prata para custear os sacrifícios, que pedia fossem oferecidos pelas almas dos soldados perecidos na campanha que essa valorosa estirpe empreendera contra os opressores da pátria. E acrescenta o Livro sagrado: Santo e salutar é o pensamento de orar pelos defuntos, afim de serem libertos dos pecados cometidos. (9) Mas, se não há Purgatório, de que valem tais orações? Delas não necessitam os que estão no Céu, nem podem ser socorridos os que tombaram no inferno. A quem aproveitam, pois?

Não sabendo o protestantismo o que responder a este positivo texto da Sagrada Escritura, pretendeu desentalar-se, recorrendo a um expediente de extrema simplicidade: rejeitou, sem mais nem menos, os inspirados livros dos Macabeus, que tão abertamente lhe contestavam a doutrina errônea. Por sua desgraça, porém, todos os séculos cristãos, até os mais remotos, sempre tiveram esses livros como autênticos, subsistindo, por consequência, o irrefragável testemunho da existência do Purgatório.

Não é, aliás, o único texto que comprova o nosso dogma católico. Adverte, no Evangelho, o próprio Jesus Cristo que não se perdoará neste mundo nem no outro a quem pecar contra o Espírito Santo. (10) Há, portanto, argumenta Santo Agostinho, pecados remissíveis no outro mundo: não no Céu, onde nada maculado pode entrar; nem no inferno, porque nas masmorras da eterna justiça não ressoa a voz do perdão. Deve, pois, existir um terceiro lugar, e este – evidentemente – é o Purgatório.

Mais. Na sua primeira epístola aos fiéis de Coríntios, certifica o Apóstolo São Paulo que alguns serão salvos, porém depois de terem passado pelo fogo (11); e, na epístola aos Filipenses, diz o mesmo Apóstolo que, ante o Nome de Jesus, tudo se curva no Céu, na terra e nas regiões inferiores. (12) Ora, ninguém se curva no inferno, porque nenhum réprobo reverencia o nome sacrossanto do Filho de Deus. Logo, esse ato de reverente submissão só é possível no Purgatório.

Finalmente, se é certo – consoante assegura o evangelista São João – que nada de coinquinado pode penetrar n o Céu, (13) e se não é menos certo – segundo a expressão do Eclesiastes – que até os justos resvalam em faltas, (14) embora sejam estas leves, é manifesto que deve haver um lugar onde se eles possam purificar dessas faltas, antes do ingresso definitivo na mansão dos eleitos . A existência do Purgatório não é, pois, interessada invenção da Igreja, uma vez que mui clara e inconcussamente foi afirmada pela Sagrada Escritura.

Caluniada a Igreja com o covarde intuito de lhe amesquinharem a doutrina sublime, e com a esperança ilusória de conseguirem derrocá-la, dilaniam também o clero católico, desferindo ervadas setas contra os sacerdotes, os Bispos e, de modo especial, contra o Papa, porque não ignoram esses albardeiros que, para tresmalhar o rebanho, o meio mais eficaz é percutirem o pastor. Suas invencionices, neste particular, são o que de mais fantástico e mais odioso concebeu o espírito da mentira.

Principiam o ataque alvejando os sacerdotes, referindo tal ou qual escândalo, real ou imaginário, e, depois de terem mosqueado, com tristes cores, um grande quadro de desordens atribuídas ao clero, indagam se é possível seja boa uma religião cujos ministros são tão maus.

Esse o primeiro dardo, e o mais envenenado, que arremessam contra o clero católico. É, no entanto, uma acusação infame em si e inepta nas consequências que dela pretendem deduzir.

Efetivamente, ninguém nega que, nas fileiras do clero, alguns sacerdotes se tenham insinuado, indignos e maus, como um Iscariotes também houve entre os Apóstolos. Mas afirmar, com atrevido desplante, que todos os sacerdotes, ou muitos deles, sejam perversos, é calúnia tão manifesta, que por si mesma se destrói, porquanto ninguém ignora que, se houve algures, e talvez ainda haja, tal ou tal sacerdote infiel à sua missão, a imensa maioria, porém, a quase totalidade cumpre exatamente os seus deveres, trabalhando sem alarde, e silenciosamente sofrendo, no santo afã de promover a glória de Deus e a salvação das almas.

Quando se fala do clero católico, manda o bom senso e ordena a justiça que se considere o mundo todo. Ver-se-á então o que é, de fato, essa incomparável legião de bravos que, empenhados, há vinte séculos, nas memoráveis pelejas da Fé, nos prélios ingentes da civilização, sempre obtiveram as mais estupendas vitórias, tingindo, não raro, com a púrpura do seu próprio sangue, os louros imortais que lhes coroam a fronte.

Quando se fala do clero católico, quer a verdade sejam considerados os tempos anteriores e posteriores à Cruz do Gólgota. Ver-se-á então claramente que foi o clero católico quem destruiu o paganismo abjecto, substituindo-o, na sociedade humana, pelo cristianismo, donde irradia a verdadeira civilização.

Quando se fala do clero católico, faz-se mister conhecer-lhe a história verídica, e a quase duplamente milenar história do clero católico é o imperecível monumento das suas glórias, das suas benemerências, dos seus triunfos.

Essa história fulgidíssima, ignora-a ou finge ignorá-la o protestantismo. Para excitar o ódio contra o clero católico, que se não deixa subornar pelos infames trinta dinheiros, nem intimidar pelas bazófias ridículas dos seus porta-vozes, espalha aos quatro ventos os seus tão ignorantes quão ousados emissários. Intima-lhes que vociferem contra todo o clero, que o difamem por todos os meios, buscando tirar proveito de escândalos algures sucedidos, ou , até, simplesmente imaginados; como se a Igreja não fosse a primeira em reprovar e punir os sacerdotes prevaricadores, e como se a verdade da Religião dependesse não de Jesus Cristo, que a instituiu, mas da vida desregrada de um ou outro padre escandaloso.

Esse o juízo criterioso, essa a lealdade, essa a boa fé dos que se arvoram em ministros do Evangelho! Falsos profetas é que são eles. Alerta!

Se grande é a aversão que ao clero católico têm os protestantes, muito maior é o ódio que votam ao Papa e à côrte pontifícia. É um bem de família, que de Luthero, Calvino e quejandos reformadores vem passando, de geração em geração, a todos os seus descendentes, os quais no longo fluir dos anos, de quatro centúrias a esta parte, têm feito prosperar a volumosa herança de maneira tal, que as calúnias por eles forjadas contra Roma e o Vaticano ultrapassaram o limite do verossímil.

Não nos deteremos na fastidiosa enumeração de todas elas; queremos encarar apenas uma.

Cristo – repetem esses expertos truncadores do Evangelho – era pobre, pobres foram os Apóstolos e pobre a Igreja primitiva. Mas a Igreja romana é rica: o Papa e os Prelados da sua côrte vivem no maior luxo. Degenerada corno está, não pode ser a verdadeira Igreja de Cristo.

Respondemos: Pobre era Cristo, é exato; pobres foram os Apóstolos, é fóra de dúvida; pobre a primitiva Igreja, é verdade. Como, pois, se explica e se justifica a existência atual de tantos protestantes ricos e milionários? Por que possuem os pretensos bispos protestantes da igreja anglicana, por exemplo, fortunas fabulosas, as quais, em vez de serem distribuídas aos infelizes necessitados, são desperdiçadas em incríveis gastos sumptuários para si, para suas mulheres e para seus filhos? Por que não proferem os tais panegiristas insignes da evangélica pobreza uma sílaba sequer a respeito da opulência desses argentários, e consomem toda a sua bilis em estólidas invectivas contra o fasto do Papa e da sua côrte? Têm, pois, esses farsantes e pérfidos embusteiros dois pesos e duas medidas? Pensam, talvez, estar o mundo povoado de parvos, sem haver quem logre divisar a inépcia das suas infâmias? Perderam, acaso, todo o pudor?

Reconhecemos – e com a maior satisfação – que, no Vaticano, se vê o Sumo Pontífice cercado da máxima grandeza, a qual, em parte, se reflete sobre os Cardeais e Prelados outros da côrte pontifícia. Contestamos, porém, enérgica e absolutamente, que essa magnitude exterior seja oposta ao Evangelho e à dignidade excelsa e incomparável conferida por Nosso Senhor Jesus Cristo ao seu augusto representante na Terra.

É, com efeito, verdade que nos primitivos tempos vivia a Igreja em estado de inópia extrema; não é, porém, menos verdade que não era aquele o seu estado normal, assim como não é a infância a permanente situação do homem. Durante algum tempo, permitiu Nosso Senhor que a Igreja permanecesse pequena, oculta, à mercê das perseguições, para compreenderem todos que, sem embargo de tudo isso, se ela se firmava solidamente e cada vez mais se propagava e estendia, era evidente o seu caráter divino.

Passado, todavia, esse tempo, e subministrada aos homens e às nações essa prova manifesta da divindade da Igreja, era intenção de Deus que ela se tornasse conspícua a todo o universo, afim de poder melhor e mais perfeitamente exercer por toda a parte a sua ação benfazeja, atraindo para si todos os olhares e conquistando todos os corações. Quis, portanto, que se ela distinguisse até por seu lustre exterior, pois essa grandeza externa devia servir de atrativo para maior numero de filhos lhe demandarem o regaço materno, redundando assim todo esse fulgor não tanto em proveito dos Pastores, como sobretudo em utilidade para as ovelhas.

Quanto ao exemplo de pobreza voluntária dado aos fiéis por Jesus Cristo e seus Apóstolos, é na Igreja católica seguido pelas Ordens religiosas, cujos membros livremente renunciam aos bens terrestres. Nosso Senhor, porém, nunca pretendeu que a sua Igreja, atingido o seu pleno desenvolvimento, vivesse na pobreza, porque sabia perfeitamente quanto ao seu representante e aos seus ministros era a decência exterior indispensável, como no-lo deixou muito bem entender com ter querido ele próprio possuir, para si e para os Apóstolos, o pecúlio que lhes vinham fornecendo os fiéis e cujo administrador era Judas Iscariotes, como consta do Evangelho.

Mas – insistem – para que tanto luxo na côrte pontifícia?

Estão a repetir a arguição de Judas. Maria de Magdala, a pecadora, viera prostar-se aos pés do Mestre, ungindo-lhos com preciosíssimo nardo, que tirava de rico vaso de alabastro. A tal vista, não se pôde conter o infame, e bradou publicamente, com indignação: “Para que semelhante desperdício? Não fôra melhor vender esse bálsamo e distribuir aos pobres a quantia arrecadada?” Falava assim o hipócrita, não que algo lhe importassem os necessitados, mas porque gostava do dinheiro e era ladrão – consoante se exprime o Evangelho, zurzindo-lhe merecidamente o protesto inoportuno e interesseiro.

Não ficou, entretanto, sem resposta o seu descaramento, e quem lha deu a ele, e a todos os protestantes que lhe haviam de repetir o desaforo, foi o próprio Jesus, que reprovou formalmente a linguagem audaciosa daquele biltre, e louvou o ato generoso da penitente Magdalena.

E os hereges da Reforma que tecem lôas à pobreza, para ter ensejo de invectivar o Papa e os Prelados católicos, queiram dizer quem foi que se apoderou dos bens eclesiásticos na Inglaterra, na Alemanha e nos outros países europeus do norte? Não foram, acaso, os seus avós? E furtaram eles os bens da Igreja para imitar a pobreza de Cristo e dos apóstolos? A quem pensam embair com seus aranzéis esses tetranetos de Luthero, Calvino, Zwinglio, Henrique VIII e outros de igual jaez? Se de vergonha ainda lhes sobrasse algum minguado resto, não viveriam a remoer o arcaico desconchavo de todos os desertores da Fé, nem andariam a expectorar a vil insolência do apóstolo traidor.

Atendei, Filhos caríssimos, ao paternal aviso do vosso Bispo, à insistente advertência do vosso Pastor, a quem devéras crucia a sinistra perspectiva dos perigos que vos ameaçam a Fé e podem fazer perigar a vossa salvação: Resguardai-vos desses falsos profetas, dos fautores do protestantismo! São lobos disfarçados em ovelhas, lobos vorazes que vos querem colhêr nas suas garras aduncas e destroçar-vos com seus dentes aguçados! Attendite a falsis prophetis qui veniunt ad vos in vestimentis ovium, intrinsecus autem sunt lupi rapaces. (15)

A Propaganda Protestante e os Deveres dos Católicos, Carta pastoral, Dom Fernando Taddei da Congregação da Missão, 1929.

1) Sine fide autem impossibile est placere Deo. – Hebr., 11, 6.
2) Per fidem vicerunt regna, operati sunt justitiam, adepti sunt repromissiones. – Hebr., 11, 33.
3) Si habuero omnem fidem ita ut montes transferam, charitatem autem non habuero, nihil sum. – 1 Cor., 13, 2.
4) Fides sine operibus mortua est. – Jac., 2, 20.
5) Si vis ad vitam ingredi, serva mandata. – Malh., 19, 17.
6) Intrinsecus autem sunt lupi rapaces.-Math., 7, 15.
7) Omnis enim qui male agit, odit luce·m.-Jo., 3, 20.
8) Sunt quaedam difficilia intellectu. – 2 Petr., 3, 16.
9) Sancta ergo et salubris est cogitatio pro defunctis exorare ut a peccatis solvantur. – 2 Mach., 12, 46
10) Quicumque dixerit verbum… contra Spiritum Sanctum, non remittetur ei, neque in hoc saeculo, neque in futuro. – Math., 12, 32.
11) Salvus erit, S’ic tamen quasi per ignem. – 1 Cor., 3, 15.
12) Ut in nomine Jesu omne genu flectatur caelestium, terrestrium et infernorum. – Phil., 2, 10.
13) Non intrabit in eam aliquod coinquinatum – Apoc., 21, 27.
14) Non est enim homo justus in terra qui faciat bonum et non peccet. ,- Eccl., 7, 21.
15) Math., 7, 15.

Última atualização do artigo em 22 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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