Retrato de São Boaventura do século 17, do pintor e frade francês Claude François, Domínio Público, Wikimedia Commons

Ó meu Deus, arrancai do meu coração todas as intenções menos puras e todos os movimentos de amor próprio a fim de que eu só pense na Vossa glória.

1 – O maior obstáculo que as almas encontram no apostolado provém muitas vezes do fato da sua atividade apostólica não ser exercida nas condições requeridas e indispensáveis para a transformar num exercício intenso de vida espiritual. Trata-se de uma certa desordem, de motivos mais ou menos humanos que, ao insinuarem-se nesta atividade, a fazem descer do plano sobrenatural ao plano humano, tornando-se ocasião de desvio e de arrefecimento da vida interior, pelo que a alma se sente insatisfeita, inquieta. Pio XII, no Motu próprio “Primo feliciter“, exprimiu bem claramente as condições de uma atividade santa: “O apostolado – afirma – deve ser sempre exercido santamente, com tanta pureza de intenção, com tanta união interior com Deus, com tão generoso esquecimento, tão enérgica abnegação de si mesmo e tal amor às almas, que brote do espírito interior que o informa e ao mesmo tempo alimente este espírito e o renove continuamente”. Examinando o nosso apostolado à luz destas palavras, poderemos localizar os pontos fracos, descobrir os defeitos a evitar e também os remédios a tomar. As condições propostas são quatro: pureza de intenção, união com Deus, abnegação, amor às almas; e são de tal importância que, garantindo ao apostolado a sua fecundidade, fazem dele um meio eficaz de progresso espiritual. Esforçando-nos por as pôr em prática, elevaremos simultaneamente o nível da nossa atividade e o da nossa vida interior.

Consideremos em primeiro lugar a pureza de intenção. Se ninguém pode “servir a Deus e à riqueza” (Mt. 6, 24), muito menos o apóstolo pode dar-se à atividade apostólica com a dupla intenção de servir a Deus e ao amor próprio, de agradar a Deus e ao mundo, de zelar os interesses das almas e os interesses pessoais. A força, a paz e a vida nascem da unidade: a dispersão, mesmo a do espírito, não pode conduzir senão à debilidade, à divisão, à guerra, e finalmente à morte. O apóstolo que tem o coração dividido por intenções opostas, em vão procurará a paz no seu trabalho, pois estará sempre inquieto e insatisfeito.

2 – Pode faltar-se à pureza de intenção de um modo grosseiro que salta facilmente aos olhos, mas também se pode faltar de um modo tão sutil que passa totalmente inadvertido à alma distraída. Para descobrir as mínimas intenções secundárias que, como pequenas raposas, se insinuam sorrateiramente para arruinar a atividade apostólica, é preciso um clima de recolhimento e de oração. Nos momentos de repouso aos pés do Senhor, o apóstolo descobrirá que, muitas vezes, durante as ocupações quotidianas, perde de vista o fim sobrenatural que deveria animar a sua atividade e que em seu lugar se infiltram fins secundários, que se tornam o motivo imediato de tantas das suas ações e deliberações. Isto significa que a sua intenção não está unicamente orientada para Deus e para as almas, mas que se desvia com frequência sob o influxo do amor próprio. Por vezes tratar-se-á de uma busca mais ou mesmo inconsciente do aplauso e da glória, ou então de preocupações que dizem respeito ao proveito próprio ou ao seu interesse material: não perder o seu cargo, procurar subir no emprego, ser preferido pelos superiores ou escolhido para obras mais atraentes e rendosas… Em suma, terá de constatar que, ao lado do amor de Deus e das almas, existe ainda muito amor próprio e egoísmo. Perante este quadro tão pouco consolador não deve desanimar, mas reconhecer humildemente a própria miséria e dar graças a Deus que lha descobre para que se possa corrigir. Nem sequer deve pensar que tudo quanto faz é somente fruto do amor próprio. Não; quando uma pessoa se consagrou ao apostolado movida pelo desejo sincero de fazer a vontade do Senhor e de Lhe conquistar outros corações, é necessário reconhecer que está animada pelo amor de Deus e das almas, embora se deva admitir que o seu amor ainda não é tão forte que possa triunfar inteiramente das paixões humanas. O apóstolo não deve, pois, cessar de combater todas as manifestações do amor próprio, por mínimas que sejam, não as deve tolerar a pretexto de que se trata de movimentos naturais, mas corrigir, mortificar, reprimir, cortar sem piedade, retificando sempre as suas intenções. É necessária uma longa e profunda purificação para vencer totalmente o dualismo entre Deus e o eu, entre o amor das almas e ao amor de si mesmo. É preciso pedir ao Senhor a graça desta purificação total e dispor-se para ela, aproveitando todas as ocasiões de desapego, de renúncia, de sacrifício, de humilhação que a atividade apostólica oferece em grande abundância a quem se lhe dedica seriamente. Seguindo este caminho, o apóstolo encontrará no seu trabalho um meio excelente de ascensão espiritual e, longe de ficar preso no visco dos perigos que a atividade exterior apresenta quando o amor próprio não está reprimido, purificar-se-á através do exercício do seu apostolado.

Colóquio – “Ó Senhor, quando quero orar ou trabalhar pelo bem das almas, devo primeiro dirigir para Vós, Luz eterna e para o Vosso esplendor, o olhar da mente, a fim de que Vós me deis luz, fortifiqueis o meu espírito e me ajudeis a desprender-me o mais possível das coisas exteriores, para ser todo interior e estar todo orientado para as coisas interiores. Fazei que no próximo considere só o homem interior, não me preocupando com o exterior senão enquanto possa servir o interior, de maneira que tudo o resto fique posto de parte como vaidade e eu não seja arrastado para cosias vãs.

“Meu Deus, que eu seja movido ao apostolado, à oração, ao bom exemplo só pelo desejo de salvar as almas e não por vã glória, por ambição, por humana complacência ou qualquer utilidade mundana. A Vós somente, ó Cristo crucificado, quero procurar! Quero inebriar as almas com o Vosso Sangue e não com fúteis curiosidades, para que só a Vós desejem. Quero dizer a cada uma delas: ‘eu não conheço outra coisa senão Jesus Cristo e Este crucificado’. Por isso renuncio a todas as vantagens terrenas e não me interessa agradas aos homens nem sequer desejo conhecer outra pessoa ou outra coisa fora de Vós, Cristo crucificado.

“Senhor, inebriai-me de tal modo com o Vosso amor, que qualquer outra coisa que se ofereça à vista ou ao paladar, ao ouvido ou a outro sentido, enfim, qualquer coisa fora de Vós, a tenha por nada, a ponto de não me deleitar, gloriar, nem descansar senão ao Vosso Sangue, para o qual desejo estar inteiramente voltado. Fazei que os meus olhos não estejam cheios de coisas terrenas, mas sim do Vosso sofrimento; fazei que minha boca não esteja cheia de palavras vãs, mas da Vossa Paixão, e assim todos os outros sentidos” (cfr. S. Boaventura).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico

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