Meu Deus, iluminai o meu caminho a fim de que não me perca no meio das trevas das tribulações.
1 – Ainda que te seja possível entrar na noite do espírito por meio de uma prática generosa da renúncia total e de um intenso exercício das virtudes teologais, não poderás penetrar na sua parte mais densa se Deus aí te não colocar. Só Ele pode tornar mais espessas as trevas que te envolvem nesta noite, de modo a reduzir-te verdadeiramente a nada e a aniquilar-te em tudo até te fazer chegar à pureza e à pobreza de espírito requeridas para a união. Em vez de tomar iniciativas, a tua ação reduzir-se-á então a aceitar com amor, a suportar com paciência e humildade tudo o que Deus dispuser para ti.
A fim de não correres o risco de resistir à ação divina, deves ter presente que, em geral, Deus purifica as almas através das circunstâncias ordinárias da vida. na vida de todo o cristão, de todo o apóstolo, de todo o religioso, há sempre uma medida de sofrimento suficiente para efetuar a purificação do espírito; são sofrimentos escolhidos por Deus e dispostos do modo mais apropriado, segundo as diversas necessidades das almas; mas o qual é que muito poucos sabem servir-se deles, porque poucos sabem reconhecer nas dores da vida a mão de Deus que os quer purificar. Enfermidades, lutos, desapegos, separações de pessoas queridas, incompreensões, lutas, dificuldades talvez provenientes daqueles de quem se esperava maior ajuda e apoio, o desabafar de obras amadas e mantidas a custo de grandes canseiras, abandono de amigos, solidão material e espiritual, eis alguns do sofrimentos que, em maior ou menor grau, se encontram na vida de todos os homens e que por isso encontrarás também na tua. Pois bem, convence-te de que tudo isto é positivamente querido ou, pelo menos, permitido por Deus para te purificar até às mais íntimas fibras do teu ser. Em face de tais coisas não atribuas nunca a culpa à malícia dos homens, não te detenhas nunca a examinar se são justas ou injustas, mas vê somente a mão bendita de Deus que te oferece estes remédios amargos para te conduzir à perfeita saúde do espírito. “Convém muito à alma – diz S. João da Cruz – estar em grande paciência e constância em todas as tribulações e trabalhos em que Deus a puser de fora e de dentro, espirituais e corporais, maiores e menores, tomando tudo como de Sua mão para seu bem e remédio. São cura para ela” (CV. 2, 30).
2 – Considera quanto espírito de fé te é necessário para aceitares da mão de Deus todas as circunstâncias que te afligem, te humilham, te contrariam ou mortificam. talvez seja mais fácil curvares-te perante graves provas vindas diretamente do Senhor – como doenças, mortes, etc. – do que diante de outras mais leves, nas quais entram em jogo as criaturas e pelas quais sentes maior repugnância. A ação imediata das criaturas, sobretudo quando nela participa a sua malícia, torna-te muito difícil descobrir a mão de Deus; neste caso precisas de maior espírito de fé para ultrapassares o lado humano das circunstâncias. a maneira defeituosa de proceder desta ou daquela pessoa e descobrir, para além de tudo isso, as disposições da divina Providência que quer servir-Se justamente dessas criaturas, e até dos seus erros e defeitos, para limar o teu amor próprio e aniquilar o teu orgulho.
Em tais casos ser-te-á utilíssimo o conselho que S. João da Cruz dava a um religioso: “Pensa que todos os que vivem à tua volta são agentes encarregados de te exercitar, como em verdade o são; que uns te hão de lavrar por palavras, outros por obras, outros por pensamentos contra ti; e que a tudo hás de estar sujeito como a estátua o está ao que a lavra, pinta e doira” (Ct. 15). A alma de fé, profundamente convicta de que Deus guia todas as coisas e dispõe tudo para o bem daqueles que O amam, vê no próximo um mensageiro do Senhor, encarregado por Ele de a exercitar nas virtudes, particularmente naquelas de que tem mais necessidade. por isso esta alma, em vez de se revoltar e de se indignar com os tratos pouco delicados ou francamente injustos que recebe, baixa a cabeça e aceita-os humildemente como o remédio mais adequado para se libertar dos seus defeitos e imperfeições. Tal é a conduta a seguir, se quiseres tirar proveito de todas as provações que Deus puser no teu caminho. Guarda-te, pois, nestes casos, de armar em vítima, de protestares, de te queixares ou de te vingares; seja qual for o sofrimento que te possa vir das criaturas, uma só é a sua verdadeira explicação: o Senhor quer purificar-te e começa a fazê-lo por meio destas tribulações externas. Convence-te de que tudo contribui grandemente para o teu avanço espiritual porque não se chega à união com Deus sem se ser primeiro reduzido a nada, sem se estar estabelecido numa profunda humildade.
Colóquio – “Meu Deus, ensinai-me a sofrer em paz as aflições que me enviais, a fim de que a minha alma, á semelhança do ouro, saia do crisol da prova mais purificada e clarificada, para melhor Vos contemplar no meu interior. E assim os trabalhos que agora me parecem insuportáveis, tornar-se-ão para mim pequenos, e desejarei voltar a padecê-los se Vós, Senhor, o quiserdes. Quanto mais numerosa forem as tribulações e perseguições, de maior proveito serão para mim. Eu, porém, não as suporto como devia, senão muito imperfeitamente” (T.J. Vi. 30, 14).
“Ó grandeza do meu Deus! As tentações e tribulações que permitis que nos advenham são todas ordenadas para o nosso bem; e se não nos lembrássemos de outra coisa senão da Vossa bondade quando somos tentados cá na terra, isto seria suficiente para vencermos qualquer tentação.
“Ó Verbo, meu amoroso e doce Esposo, Vós que tendes todo o poder no céu e na terra, sois Aquele que confunde e põe em fuga todos os inimigos. por mim sou fraca, extremante fraca, nada vejo, estando como estou cheia de misérias e pecados; mas Vós, ó Verbo, com um simples olhar, pondes em fuga todos os inimigos como palhinhas ao vento; no entanto deixai-los primeiro lutar com os Vossos servos a fim de os tornardes mais gloriosos. E quanto maior graça e luz lhes quereis dar para que mais Vos amem e conheçam. tanto mais os provais com o fogo e purificais os seus corações como o ouro, a fim de que as suas virtudes apareçam como dignas e preciosas.
“Na Vossa fortaleza, ó Verbo, conferis-nos a força de combater, e quem quiser combater varonilmente pela Vossa glória, precisa de descer até ao fundo do conhecimento de si mesmo, embora levantando sempre o coração para Vós para não ser confundido” (S.ta M. Madalena de Pazzi).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico