1 – As relações de família são mais importantes ainda que as relações sociais em geral, porque nos tocam mais de perto. É triste termos a mesmas casa, os mesmos interesses, e não termos em nossos corações os mesmos sentimentos. No entanto encontram-se muitas pessoas afáveis e condescendentes em casa dos outros; ásperos, porém, e insuportáveis no seio de sua família.
2 – Evitai um defeito tão vil. A família, ainda a mais rica, seria desgraçada se no seio dela não reinasse uma paz recíproca: sem esta paz não pode haver nem ordem doméstica, nem estima dos homens, nem bênção de Deus.
3 – É preciso pois empregar todos os cuidados em conservar esta paz se ela existe, ou em alcançá-la se acaso não existe. Os meios poderosos e seguros para alcançar tão importante fim são o amor, a compaixão, a vigilância e a ordem.
4 – Amai, diz santo Agostinho, e depois fazei o que quiserdes no seio da vossa família, porque o que vos ditar o amor será sempre uma coisa amável. Se amardes os outros, sereis por eles amados, e com este amor recíproco reinará a harmonia nas afeições e nas obras.
5 – Mas na família ainda a mais santa haverá defeitos, porque ela é a reunião de homens e não de Anjos; por isso é preciso sofrer uns aos outros, aliás qualquer palhinha tornar-se-á uma trave, e a mais leve aragem um furacão violento.
Os outros que suportem os vosso defeitos, e vós suportai os deles. Um provérbio antigo diz: Aquele que desejar viver em paz, veja, ouça e cale.
6 – Evitai toda a sorte de contendas e pretensões importunas. Tais coisas são repreensíveis até para com os estranhos, quanto mais para com vossa família!
Não vos digo que renuncieis vosso direito, não; digo-vos somente que não susciteis pretensões arbitrárias que percam a paz, bem tamanho que não há preço que o possa pagar.
7 – Fugi das pessoas que vos contam as palavras e ações de vossa família, e que podem provocar a vossa indignação e dar lugar a contendas.
Aquele que é capaz de contar os defeitos alheios, sem que o faça por obrigação de consciência, é também capaz de os inventar. E com efeito se examinardes com cuidado as coisas que se vos contam, achareis que ou são inteiramente falsas ou alteradas a ponto de terem um aspecto completamente diferente.
8 – Muitas vezes acontece que os criados que servem diferentes anos, na mesma família tenham entre si secretas rivalidades, e procurem por uma cega e vil paixão fazer acreditar as suas suspeitas ou agravar o mal que eles conhecem. Não sejais fáceis em acreditar e mormente não sejais nunca prontos a condenar a outrem.
Os criminosos públicos nunca são condenados sem previamente terem sido processados.
9 – O terceiro meio de conservar a paz na família, é a vigilância dos amos sobre os criados, dos pais sobre os filhos, dos maridos para com suas mulheres.
10 – Os amos velem sobre os procedimento cristão de seus criados; e se lhe acharem costumes viciosos, ou que tenham caráter inquieto e altercador, os despeçam imediatamente; aliás haverá mil contendas na família, pouco cuidado e muitas infidelidades nas despesas e administração dos bens, perversão nos filhos…
Quantas vezes, por causa da maldade dum só criado, temos visto famílias respeitáveis chegarem a ponto de se darem em espetáculo aos outros habitantes da casa, servindo de comédia às pessoas de fora! Na escolha de vossos criados contentai-vos com uma habilidade menor, contanto que tenham maior piedade e prudência. Um mau criado atrai os flagelos de Deus ainda sobre a casa dum bom amo.
11 – Amai os criados bons e capazes, e socorrei-os nas suas necessidades; mas não lhe deis confiança, a qual pouco a pouco os tonará altivos, menos dóceis ás vossas ordens, e arrogantes uns para com os outros; fazendo-se deste modo, mal aos criados e aos amos. Pessoas sem educação facilmente abusam da condescendência e cordialidade de seus superiores.
12 – Os pais devem vigiar sobre seus filhos; devem instruí-los nos deveres da religião, corrigi-los em suas faltas e conduzi-los à virtude por meio do seu exemplo. Os filhos mal educados são o tormento dos pais e portanto a raiz das amarguras duma família.
13 – É necessário não ser demasiadamente severo para com os filhos, com receio de lhes acabrunhar o espírito e irritá-los sem motivo; mas é necessário também não ser demasiadamente brando e condescendente, com medo de os tornar audaciosos e independentes.
Eli foi condenado por Deus por ter sido demasiadamente fraco em corrigir os excessos de seus filhos.
14 – Repreendei com soberana vigilância os defeitos de vossos filhos ainda criancinhas. Ordinariamente os pais desprezam fazê-lo, dizendo que isto é efeito duma inclinação natural e duma idade que não está madura; mas Tertuliano afirma com acerto que são gérmens do pecado, que prognosticam o futuro. Os espinhos quando começam a brotar não picam, as serpentes quando nascem não têm veneno; mas pouco a pouco os espinhos se tornam um dardos afiados, e as serpentes são mais venenosas à medida que envelhecem. Os pais demasiadamente condescendentes para com seus filhos ainda infantes, são maiores inimigos de si mesmos que dos filhos. Salomão diz que semelhantes crianças tornam-se leões ferozes contra aqueles mesmos de quem receberam a vida e os bens. Sofrei generosamente ver os filhos chorarem nos seus primeiros anos, para que reprimidos nas suas viciosas inclinações não vos obriguem a derramar lágrimas durante toda a vossa vida.
15 – Assim como as folhas, as flores e os frutos estão encerrados no grãozinho da semente, assim também os gérmens das virtudes e dos vícios estão encerrados nas criancinhas. Todo o objeto pois da educação consiste em cultivar os primeiros e arrancar os segundos.
16 – Conservai constante e prudentemente esta autoridade paterna e respeitável, que a natureza e o preceito de Deus vos deram sobre vossos filhos; informai-vos das companhias e das casas que eles frequentam, dos livros que leem, e das ocupações às quais se entregam, para lhes proibir o que é repreensível e indicar-lhes o que é conveniente e virtuoso.
17 – Administrai com economia os vossos bens, pois que São Paulo diz que os pais devem entesourar (isto é fazer economias) para seus filhos, a fim de que estes não se vejam na necessidade de descer da sua posição ou jerarquia, não pela malícia de seus inimigos, mas pelo desleixo e excessivo luxo de sues pais.
18 – Não poupeis porém despesas, quando se trata de dar uma boa educação a vossos filhos, pois é a mais rica herança que lhes podereis deixar. Mas quando falo em boa educação, entende-se aquela que faz os meninos piedosos para com Deus, benfazejos para com o próximo, castos, estudiosos, instruídos, modestos, generosos e verdadeiros filósofos, como o deve ser um bom cristão e um virtuoso cidadão.
19 – Faço esta explicação, porque muitos pais chamam boa educação o ensinar aos filhos a esgrima, a dança, as maneiras duma sociedade escolhida, algum novo sistema filosófico; mais próprio para seduzir do que para esclarecer o espírito, e alguma viagem em países estrangeiros.
Estas viagens sendo feitas numa idade demasiadamente nova, só servem para visitar os teatros, aprender o jogo, travar relações com os cortesãos e incrédulos; numa palavra, a acrescentar aos vícios nativos da pátria os dos outros países, como ordinariamente acontece aos nossos jovens viajantes.
20 – Não tenho por mal que a inteligência de vossos filhos seja cultivada com as belas artes, se o vosso estado o permitir; porém o que digo é que eles devem procurar primeiro que tudo o ornamento da alma, e portanto o conhecimento e a prática dos sublimes deveres do homem, do cidadão, do cristão.
Doutro modo seriam nobres talvez pelo mérito de seus avós, mas ignóbeis pela baixeza do se procedimento. Além disso de nenhuma utilidade seriam os talentos, se não forem acompanhados de honestidade.
As maiores desgraças que a família, a pátria e o estado têm sofrido, partiram de homens de grande gênio, mas de um coração depravado.
21 – Finalmente, vigiem os maridos sobre suas mulheres, afastando-lhes essas relações familiares que se chama galanteria, a qual é o maior inimigo da paz doméstica, porque dá origem na mulher a afeições ilícitas; fá-la descuidar-se dos filhos; sendo o seu principal cuidado agradar ao cortesão que a lisonjeia.
22 – O matrimônio, diz S. Paulo, é a imagem da união de Jesus Cristo com a Igreja; não deve pois ser profanado por afeição alguma que não seja honesta e conjugal.
23 – Tem obrigação o marido de vigiar sobre os primeiros passos dessas afeições estranhas, por que se a cadeia se chega a formar, é mui difícil depois quebrá-la, ou então não se poderá fazê-lo a não ser com grande estrondo.
Assim como é repreensível nos maridos um crime desarrazoado, assim também é repreensível um tal descuido em matéria tão importante.
24 – O marido deve procurar agradar só a sua mulher, e ter cuidado em pô-la ao abrigo de qualquer inconveniência.
25 – Não confundamos estas cortesias e excessivas atenções, que são proibidas, com os respeitos a que a mulher tem direito.
26 – O marido é numa família o superior e o chefe, e por conseguinte também o é da sua mulher; mas toda autoridade tem limites.
A mulher tem deveres a cumprir para com o marido; o marido para com a mulher. Um marido prudente e razoável deve procurar tudo o que é conveniente à posição de sua mulher.
27 – Devem os casados evitar as palavras ásperas e ameaçadoras. Eva, a primeira mulher, não foi formada da cabeça de adão, observa S. Tomás, para que se visse que a mulher não deve governar o homem; mas também não foi formada dos pés, para que soubesse que o homem não a deve tratar com desprezo: foi sim formada duma costela de Adão, isto é, da parte mais próxima do coração, para nos dar a entender as relações de afeição íntima e cordial que devem existir entre o marido e a mulher.
28 – Deve o marido ter à sua esposa uma doçura e condescendência virtuosa; e a mulher deve ser obediente e amável ao seu esposo; desta sorte reinará na família a harmonia dos sentimentos.
29 – Deve finalmente o pai de família dar um regulamente que marque as horas de comida, de ocupações, de conversação; o dinheiro que se deve gastar, e todas as outras coisas que dizem respeito aos negócios da casa. Sem regulamento não há ordem, e sem ordem é impossível manter por muito tempo a paz doméstica, que todos tão ardentemente desejam, mas que mui poucos querem comprar com os sacrifícios que ela exige.
Direção para Viver Cristãmente pelo Rev. Padre Quadrupani, Barnabita, 1905.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico