SANTA ISABEL, modelo de piedade e pureza para almas virginais, exemplo de caridade e modéstia para casados, modelo de paciência para viúvas, espelho de todas virtudes para ricos e pobres, nasceu na cidade de Pressburg, na Hungria, no ano de 1205. Era filha do rei André II, da Hungria e de Gertrudes, duquesa de Carinthia. De acordo com o costume daquele tempo, criança de berço ainda, foi prometida em casamento a Luiz, Landgrave de Turíngia, na côrte do qual passou a infância, para ser educada junto com o noivo, que também era ainda criança. Desde a infância revelou Isabel uma inclinação pronunciada à oração e a outras práticas de piedade. Com os anos cresceu-lhe a religiosidade e uma terna compaixão pelos pobres e necessitados. Embora vivesse numa côrte esplendorosa, rodeada de tudo que o mundo pode oferecer, Isabel era inimiga de toda a vaidade, dos divertimentos ruidosos e das excrescências ridículas da moda.
As visitas prediletas eram as que fazia à igreja, onde com o maior recolhimento se entregava à oração. O diadema, cravejado de diamantes, que lhe cingia a cabeça, ao entrar na casa de Deus, depunha-o, achando não convir a uma pobre criatura ostentar uma coroa de ouro, na presença de seu Deus e Salvador, o qual, coroado ele espinhos, morreu em uma cruz. O dinheiro que se lhe dava para os gastos e divertimentos, distribuía-o entre os pobres, pedindo-lhes que por ela rezassem. Igualmente bela e formosa de corpo como de alma, Isabel aborrecia tudo que pudesse, ainda de leve, macular a pureza de coração.
Quando em 1216 morreu o landgrave Hermano, o filho, noivo de Isabel, tomou as rédeas do governo. Muito dependente das pessoas que o rodeavam, principalmente da mãe D. Sophia de Baviera, não pôde evitar que a noiva sofresse diversos vexames. Não consentiu, porém, na proposta de desmanchar os esponsais; pelo contrario, deu à querida noiva as provas mais evidentes de grande e sincero afeto e deixou-lhe toda a liberdade na prática das obras de caridade, de penitência e piedade. No ano de 1220 se efetuou com muita pompa o casamento de Luiz e Isabel. Luiz tinha vinte e um anos, Isabel apenas quinze. Com o dia do casamento cessaram para a jovem princesa as perseguições, maledicências e mexericos da parte dos desafetos da côrte e começou uma época de verdadeira felicidade. Todas as noites passava algumas horas em oração, de joelhos no chão. Rigorosa contra si, tornou-se uma verdadeira mãe dos pobres e protetora dos aflitos; em pessoa visitava as choupanas, distribuía mantimentos e roupas feitas pelas próprias mãos, rezava com os agonizantes, preparava os mortos para o enterro. Como recompensa de tantas obras de caridade feitas no corpo místico de Cristo, o esposo, que voltava da caça, vendo-a dirigir-se aos pobres, pediu que mostrasse o que trazia no manto e viu os mantimentos transformados em lindas rosas brancas e vermelhas, e em outra ocasião Isabel, tendo deitado no leito nupcial um pobre lazaro, a Luiz apresentou-se no doente Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Crescendo o número de doentes, Isabel fundou um hospital perto do castelo, e todos os dias visitava os pobres protegidos servindo-os de tudo que o estado dos enfermos exigia.
Em 1221 recebeu Isabel a visita do pai, que tinha voltado de uma cruzada ao Egito. No ano seguinte Luiz e Isabel foram a Hungria, para assistir ao segundo casamento do rei André. (A primeira esposa, mãe de Isabel, tinha sido assassinada) Foi pela mesma ocasião que chegaram à Turíngia os primeiros Franciscanos. Isabel recebeu-os com muita honra e com o consentimento do esposo professou a regra da Ordem Terceira, sendo a primeira Irmã Terceira na Alemanha. O próprio S. Francisco de Assis mandou à duquesa, que se lhe tornara agora filha espiritual, sua velha capa, como símbolo da pobreza e humildade. Mulher vaidosa, recebendo de presente um vestido da última moda, não podia experimentar satisfação maior que Isabel, ao receber este precioso mimo. Sempre que queria obter de Deus uma graça especial, cobria-se com esta capa, certa de que em atenção a seu santo servo Francisco, não deixaria de atendê-la.
Confessor de Santa Isabel foi Conrado de Marburgo, homem de vasta ciência, de costumes exemplares e de muita prática nas virtudes cristãs. Naquele tempo exercia o cargo de comissário apostólico na Alemanha.
Isabel deu em 1223 à luz o primeiro filho, a quem Luiz deu o nome de Hermanno, em homenagem ao pai. Para dar a conhecer publicamente o extraordinário regozijo que lhe causava o nascimento do filho primogênito, o duque mandou construir uma ponte sobre o rio Werra e uma capela em estilo gótico. O céu concedeu ao piedoso casal mais três filhas. A mais velha, Sophia, casou-se com o duque Henrique II de Brabantia. A segunda, igualmente chamada Sophia, veio a ser abadessa no convento de Kitzingen, e a terceira, Gertrudes, nasceu depois da morte do pai e fez-se religiosa no convento de Altenberg, onde funcionou como abadessa.
Do fim do ano de 1225 até o meado de 1226 esteve Luiz, com o Imperador da Alemanha, na alta Itália. Durante este tempo estava o governo nas mãos de Isabel. Na grande fome que coincidiu com esta época, a caridade da santa princesa não conhecia limites. Em Eisenach foram fundados dois hospitais, um do Espírito Santo e outro de Sant’Anna, um orfanato; a padaria do Wartburg (castelo onde residia Santa Isabel) fornecia cada dia pão para novecentos pobres. Os emolumentos de quatro principados foram por ordem da regente empregados para aliviar a necessidade do povo. É bem possível que Isabel tenha naquela ocasião de extrema miséria gasto perto de 64. 000 florins, soma enorme para aquela época. Os empregados da côrte não aprovavam a generosidade da duquesa e ao regressar o duque Luiz denunciaram-lhe as liberalidades da esposa. Luiz, porém, respondeu-lhes: “Deixai a minha boa Isabel dar quantas esmolas lhe aprouver e ninguém a contrarie no que fizer pelos necessitados.”
Para Isabel principiou um período de muito sofrimento. No ano de 1227 o Imperador Frederico II afinal se dispôs a empreender a cruzada que, havia muito, tinha prometido ao Papa. Com muitos outros príncipes também o duque Luiz recebeu das mãos do bispo de Hildesheim “a flor de Cristo”, nome que naquele tempo na Alemanha se dava à cruz. Prevendo a grande dor, que com esse desígnio haveria de causar à querida esposa, decidiu-se a esconder a resolução até a hora da partida. Numa tarde, porém, quando Isabel se achava só com o marido, em encantadora familiaridade, sentado ao seu lado, teve a lembrança de meter a mão na bolsa que pendia do cinturão de Luiz. O primeiro objeto que encontrou, foi o pano com a cruz vermelha, distintivo dos que tomavam parte na guerra contra os maometanos. O choque que levou, ao ver este sinal da desgraça, fê-la cair por terra sem sentidos. O duque Luiz procurou acalma-la com palavras meigas e afetuosas, fazendo-lhe ver que era vontade de Deus que tomasse a cruz, em defesa dos Santos Lugares. Depois de longo silêncio e amargo pranto, disse Isabel: “Caro irmão, caso não seja contra a vontade de Deus, fica comigo.”
Mas ele replicou: “Deixa-me partir, minha irmã, porque fiz um voto a Deus.” Então ela, reanimando-se, fez o o sacrifício e disse: “Pois bem, contra a vontade do Senhor não te quero reter. Deus te conceda a graça de fazer em tudo a sua santa vontade.” Na hora da partida Luiz mostrou à esposa um anel, no qual sobre urna safira estava gravado o Cordeiro de Deus, com o estandarte e disse-lhe: “Sirva-te este anel de sinal seguro e certo para tudo que me diz respeito.” Luiz partiu e bem cedo se realizaram os tristes pressentimentos de Isabel. Luiz contraiu uma febre maligna, que vitimou grande parte dos cruzados. Chegando a Otranto, já sentia os primeiros sintomas da moléstia. Ainda pôde visitar a Imperatriz Yolanda; mas a febre redobrou e o duque entregou a alma a Deus. Os cavalheiros que Luiz tinha destacado, para anunciar-lhe a morte na Turíngia, partiram imediatamente. Isabel acabara de dar à luz o quarto filhinho. A notícia infausta não foi comunicada à pobre viúva. A sogra, duquesa Sophia, dera ordens terminantes para que ninguém deixasse perceber à nora a desgraça de que fôra vítima. Passado algum tempo, ela mesma se encarregou da dolorosa e delicada missão de pôr Isabel a par dos fatos. Foi um dia de martírio para a pobre Isabel. Deixemos, porém, falar o biógrafo: “Acompanhada de algumas damas nobres e discretas, foi ter com a nora no seu aposento. Isabel recebeu-as com amabilidade, como de costume, sem adivinhar de modo algum o objeto da visita. Quando todas se tinham assentado, a sogra disse: Cobra ânimo, minha filha e não te deixes perturbar pelo que aconteceu a teu marido e meu filho pela vontade de Deus, a quem, como sabes, ele se havia inteiramente oferecido.
Vendo a calma com que a sogra lhe dizia estas palavras, sem derramar lágrimas, Isabel não compreendeu a grandeza do infortúnio e, julgando que o marido tivesse sido prisioneiro, respondeu: Se meu irmão está cativo, com a ajuda de Deus e de nossos amigos, será brevemente resgatado. Meu pai, estou certa disto, virá em seu auxílio e serei consolada. Mas a duquesa mãe prosseguiu logo, mostrando o anel: Minha filha, resigna-te e recebe este anel que te mandou; pois, infelizmente morreu.
“Ah, senhora! exclamou Isabel, que dizeis?” – “Morreu”, repetiu a mãe. Ao ouvir estas palavras, a jovem duquesa tornou-se pálida e depois corada; e, deixando cair os braços sobre os joelhos e juntando as mãos com violência, disse com voz sufocada: “Ah, meu Deus, meu Deus! Eis que o mundo inteiro está morto para mim: o mundo e tudo o que tem de bom.” Em seguida, erguendo-se desvairada, pôs-se a correr com todas as forças, através das salas e dos corredores do castelo, gritando como louca: “Morreu! morreu!” A sogra e as damas seguiram-na, tiraram-na da parede, à qual estava como que abraçada, fizeram-na sentar e procuravam consola-la. Logo, porém, começou a chorar e a soluçar com veemência, pronunciando palavras entrecortadas: “Agora, – repetia constantemente, – agora perdi tudo! Perdi meu querido irmão, perdi o amigo do meu coração! Oh meu bom e piedoso marido, morreste e deixaste-me na miséria! Corno viverei sem ti? Ah, pobre de mim, desgraçada mulher! Console-me aquele que jamais abandona as viúvas e órfãos! Oh! meu Deus, consolai-me! Meus Jesus, fortificai-me em minha fraqueza!” Durante oito dias só houve no castelo lágrimas e gemidos. Só quem teve um grande amor, como Isabel, sabe avaliar a dor da separação. Isabel era muito jovem, esposa e mãe muito terna; o marido era um dos homens mais perfeitos. Ambos unidos, não somente pelo amor matrimonial, como também pela caridade fraterna, haviam vivido juntos desde pequenos. Afinal, o amor de Santa Isabel para com o esposo, além de ser natural, era cristão e divino.” (Alban Stolz.)
Apenas tinha passado o luto oficial, reapareceu no castelo a antiga antipatia contra a duquesa, cujo único defeito era, segundo eles, a vida por demais concentrada em Deus. O cunhado mais velho, Henrique Raspe, mais tarde Imperador da Alemanha, expulsou-a do castelo, com os filhinhos. Em vão a duquesa-mãe Sophia se opôs a esta crueldade, que clamava ao céu. Para justificar este ato bárbaro contra a viúva e os filhos, a quem havia jurado proteger, alegou muitos motivos, dos quais cada qual era mais injurioso. Isabel, a jovem viúva, com cinco chagas abertas no coração, desceu, debulhada em lágrimas, o morro do castelo, no mais intenso inverno. Se a expulsão foi uma brutalidade sem nome, coisa pior esperava Isabel em Eisenach. Ela, que tinha semeado benefícios no meio daquela sociedade, não achou casa que lhe abrisse a porta. Ninguém lhe deu agasalho, com receio ele cair no desagrado do duque Henrique. Afinal encontrou abrigo num casebre onde se guardavam utensílios de cozinha e onde pernoitavam os porcos. O dono mandou retirar os animais, afim de dar lugar à duquesa de Turíngia, à princesa real da Hungria. Abandonada por todos, humilhada até ao último grau, Isabel experimentou uma grande consolação. As lágrimas secaram-se-lhe; a perturbação deu lugar a um grande sossego de espírito, e naquele lugar imundo sentia uma alegria sobrenatural. Quando à meia noite ouviu o sino do convento franciscano tocar às matinas, para lá se dirigiu e pediu aos piedosos frades que cantassem o “Te Deum laudamos” em ação de graças. Terminado este canto, Isabel prostrou-se ao pé do altar, agradecendo a Deus tudo que lhe tinha mandado. O resto da noite permaneceu na igreja. Mas quando, no dia seguinte, os pobrezinhos dos filhos começaram a sentir frio e fome. Isabel tentou novamente encontrar um coração que tivesse piedade de sua mísera sorte, mas portas e corações estavam trancados. Afinal encontrou agasalho na casa de um pobre Padre que, lembrado do dever da caridade cristã, desprezou as ameaças do landgrave, abrindo as portas à pobre expulsa. Intimada, porém, a abandonar imediatamente aquele abrigo, embora pobre, mas caricioso, obrigaram-na a hospedar-se na habitação de um dos fidalgos da côrte, um dos seus mais desapiedados inimigos. Lá lhe foi designado um canto estreito, sem comodidade alguma, sendo-lhe entretanto negado o alimento necessário e combustível para aquecer-se. Só uma noite lá passou Isabel e no dia seguinte agradeceu as muralhas nuas daquela pousada, não havendo nada que agradecer aos donos. Sem pouso para onde se dirigir, procurou novamente o abjeto estábulo, que ninguém lhe invejava. A miséria, os sofrimentos dos filhinhos cortavam-lhe o coração e Isabel, não sabendo mais a quem implorar, sentiu tentações contra a fé no amor de Deus. No auge do tormento, com Jesus exclamou: “Meu Deus, porque me abandonaste?” Algumas pessoas de confiança afinal se ofereceram a tomar conta dos filhos. Embora lhe sangrasse o coração de mãe ao separar-se dos entes queridos, este sacrifício se impunha, se não quisesse deixar os filhos morrer de fome e frio.
Para ter o necessário sustento, Isabel vendeu ou empenhou todos os objetos preciosos que ainda possuía, inclusive a aliança nupcial e tratou de ganhar a vida fiando.
Perdido o gosto das criaturas, em consequência dos sofrimentos, necessidades e ignominias, Isabel muitas vezes era favorecida por Deus com visões, revelações e consolos sobrenaturais. Quanto mais amava a Deus, tanto mais amizade consagrava à Mãe de Jesus Cristo. Os anais franciscanos contam visões e comunicações que Isabel teve
de Nossa Senhora.
Enquanto penava na miséria, a duquesa-mãe relatou tudo que tinha acontecido em referência a Isabel, a uma tia materna d’esta, Mechtildes, abadessa das beneditinas de Kitzingen. Nove meses já tinham passado, quando Mechtildes soube da triste sorte da sobrinha. Imediatamente mandou umas religiosas com carruagens a Eisenach, com ordem de trazer Isabel e os filhos.
A jovem duquesa, muito satisfeita, aceitou o caridoso convite, não tanto por sua causa, mas por amor dos filhos e passou dois meses na doce solidão do mosteiro, quando Egberto, príncipe-bispo de Bamberg e tio materno de Isabel, a convidou para ir residir em seus Estados. Para este fim lhe pôs à disposição o castelo de Bodenstein. Para lá foi Isabel com os filhos e as fieis servas, Isentrude e Guda.
Tendo chegado a Bamberg, o príncipe-hispo propôs à sobrinha que voltasse para a côrte do pai na Hungria. Isabel, porém, recusou firmemente, de certo por não querer sujeitar-se mais à etiqueta da côrte. Deu-lhe o bispo outro conselho: de aceitar o casamento com o Imperador Frederico II, cuja esposa Yolanda tinha morrido. Isabel ainda em vida do esposo, havia feito o solene voto de jamais contrair novas núpcias. O prelado observou-lhe que era muito jovem para viver só; recordou-lhe as perseguições que havia sofrido e que podiam-se renovar, quando ele viesse a faltar. Isabel, porém, em cumprimento de um voto, rejeitou todas as propostas de segundo matrimônio.
Muitos dos companheiros do duque Luiz conseguiram chegar até Jerusalém. De volta para a pátria trasladaram os restos mortais do falecido duque, os quais com grande solenidade foram depositados na igreja conventual de Reinhardsbrunn. A confrontação do duque Henrique Raspe com os fiéis companheiros do falecido, principalmente com Rodolpho de Vargila, representante do rei da Hungria, foi dramática. Henrique reconheceu o mal que tinha feito e deu ampla satisfação na presença de toda a côrte. O espetáculo de reconciliação, já por si sumamente comovedor, foi rematado por uma cena que revela toda a beleza da alma de Isabel: A única resposta que deu à confissão pública e humilde do cunhado, foi lançar-se-lhe aos braços e desatar a chorar.
Em seguida foi feito um ajuste entre o bispo, os cruzados e o landgrave segundo o qual Isabel e os filhos foram reabilitados em todos os direitos.
A casa de Isabel, habitada por ela e as duas fiéis amigas Isentrude e Guda, ambas Irmãs Terceiras, era urna casa religiosa, onde se vivia só para Deus. Isabel empregava os rendimentos em obras de caridade, e com o trabalho das mãos ganhava o parco sustento para si e as companheiras. Vinha de Altenburgo a lã bruta; Isabel devolvia-a, toda fiada, às religiosas, que lhe pagavam o valor do trabalho. A mesa das três franciscanas era a mais simples possível e constava de alguns cozidos, sem sal nem banha, em água pura. O vestuário combinava perfeitamente com a pobreza da cozinha.
Não satisfeita com as simples obras de caridade, Isabel levou a prática desta virtude a verdadeiro heroísmo. Todos os dias visitava com as companheiras os hospitais, onde não só com a palavra consolava os pobres doentes, mas pensava-lhes as feridas, acariciava-os com carinho, chegando a beijar-lhes as úlceras. Os doentes abomináveis eram seus prediletos. Metia-os no banho, lavava-os com as próprias mãos, enxugava-os, fazia-lhes a cama, deitava-os como se fossem seus próprios filhos.
Praticando a caridade para com os necessitados, Isabel não perdia de vista o bem da alma dos protegidos. Não só procurava aliviar as dores do corpo, mas tratava também de salvar a alma. Assim cuidava escrupulosamente que todos os enfermos recebessem os santos Sacramentos, sofressem com resignação cristã e se preparassem para uma boa morte. Pela bondade e oração, como também pela energia, abriu a muitos doentes a porta do céu. Em numerosos casos Deus recompensou a fé viva e incondicional de sua serva com milagres os mais estupendos.
Era no ano de 1231 quando Isabel teve os primeiros avisos da morte próxima. Cristo apareceu-lhe de um modo, que não lhe deixou dúvida sobre a sua última viagem.
Apesar do doce aviso de Jesus Cristo, Isabel sentia o tremor na alma, sabendo que em breve havia de comparecer na presença de Deus. Foi no dia 9 de Novembro que Isabel fez a última confissão. Depois de ter conversado ainda com o confessor, assistiu à santa Missa que no quarto foi celebrada. Em seguida recebeu a Extrema Unção e a Sagrada Comunhão. O dia todo passou em silêncio profundamente recolhida. Pela tarde se lhe abriram os lábios e com muita vivacidade narrou o fato da ressurreição de Lázaro, como os Evangelhos o relatam e dissertou eloquentemente sobre as lágrimas de Cristo no túmulo de Lázaro, à vista de Jerusalém e sua estada na cruz.
As amigas, vendo-a neste estado meio extática, começaram a chorar. Isabel, já agonizante, vendo-as tristes, disse-lhes: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, chorai por vós mesmas.” Muitas palavras afetuosas dirigia-lhes ainda, repetindo a miúde: “Minhas queridas amigas.”
É doutrina da Igreja, que os espíritos maus perseguem os homens e a experiência a confirma. S. Paulo afirma que Deus permitiu a um demônio, para que o maltratasse e humilhasse. Não é para admirar que Santa Isabel tenha na hora da morte experimentado a influência maligna do inimigo das almas… Ouviu-se Santa Isabel exclamar em alta voz: “Foge, foge espírito maligno, eu te arrenego!” E pouco depois disse: “Bem, ele se vai embora!” Se o demônio veio para atormentar, não faltaram os Anjos, que a consolaram e animaram.
Os lábios da agonizante abriram-se, os assistentes ouviram sair da boca de Isabel uma doce harmonia. Era como se longe tocasse uma campainha, ao pôr do sol. “Não vistes os Anjos, que cantavam comigo? perguntou Isabel: Fiz o que pude para cantar com eles.”
Perto de meia noite, o rosto de Isabel se tornou de tal modo resplandecente, que mal se podia encara-lo. A moribunda falou: “Eis a hora, em que a Virgem Maria deu ao mundo o Senhor. Falemos acerca de Deus e do Menino Jesus, pois está dando meia noite. Eis a hora em que Jesus nasceu, em que foi deitado na manjedoura e em que criou uma nova estrela, nunca vista até então por ninguém! Eis a hora em que ressuscitou dos mortos e livrou as almas acorrentadas. Assim livrará também a minha alma deste mundo de misérias; que a receba em suas mãos! Estou fraca, mas não sinto dor alguma.”
Rezou em alta voz por todas as pessoas presentes e por fim disse: “Oh! Maria, vinde em meu auxílio! aproxima-se o momento em que Deus chama os amigos para as núpcias. Vem o Esposo buscar a esposa.” Depois, em voz baixa: “Silêncio – silêncio!” Ao dizer estas palavras, abaixou a cabeça, caindo como em doce sono e rendeu triunfante o último suspiro. A alma de Isabel tinha tomado o vôo para o céu e no mesmo instante se lhe encheu a casa de um delicioso perfume e nos ares se ouviu a doce harmonia de vozes celestiais.
O corpo inânime foi exposto na capela dos franciscanos, onde tantas horas passara em oração. Uma multidão de povo veio prestar as últimas homenagens à futura Santa. A dor era geral.
O rosto da Santa não parecia o de um cadáver. A beleza juvenil havia-lhe voltado, em toda a frescura.
No quarto dia da exposição, o corpo nenhum sintoma de decomposição acusava e dele se exalava um delicioso perfume. Na véspera das exéquias foram observados no teto da igreja uma imensidade de pássaros, até então nunca vistos na Turíngia, que uniram as vozes ao canto das vésperas.
Na noite em que morreu, Isabel apareceu ao irmão leigo Volkmar, do Convento de Reinhardsbrunn e curou-lhe a mão, que se tinha esmagado num desastre. No segundo dia depois das exéquias, um monge do Cister recuperou a saúde, por intercessão de Santa Isabel, a qual tinha invocado com muito fervor. Maiores prodígios, porém, tiveram ainda lugar sobre o túmulo, desde os primeiros dias que se lhe seguiram às exéquias. Míseros atacados de penosas enfermidades, surdos, coxos, cegos, alienados, leprosos, paralíticos, que tinham vindo, quiçá julgando-a viva ainda, implorar-lhe a generosidade, voltaram inteiramente curados depois de haverem orado na capela, em que repousava.
Em atenção a esses milagres e à santidade de Isabel, o Papa Gregório IX canonizou-a no ano de 1235, isto é, 4 anos depois do trânsito da Santa.
Em 1236 se realizou a soleníssima trasladação das relíquias da Santa, na qual tomaram parte doze bispos, um sem número de sacerdotes, o próprio Imperador Frederico II, muitos príncipes, uma imensidade de povo e as três pessoas que mais fizeram sofrer a Isabel: a duquesa-mãe e os duques Henrique e Conrado. O corpo da Santa foi achado intacto, sem aparência de corrupção e logo ao se abrir o túmulo, um perfume delicioso começou a exalar-se dos restos sagrados. Durante as solenidades, uma nova maravilha veio aumentar a admiração e o entusiasmo dos inúmeros presentes. Encontrou-se no fundo do caixão um óleo muito sutil e odorífero, que gotejava dos ossos da Santa; à medida que se enxugavam as gotas depositadas, apareciam outras, quase imperceptíveis, formando assim uma espécie de orvalho misterioso.
As relíquias de Santa Isabel repousaram durante três séculos numa igreja monumental, edificada em honra da Santa, em Marburgo. No ano de 1539 a igreja passou para o culto protestante e o túmulo de Santa Isabel foi violado pelo duque Philippe de Hesse, descendente da Santa. Intimado, porém, pelo Imperador Carlos V, entregou as relíquias à Ordem teutônica. O túmulo foi aberto novamente em 1854. Testemunhas oculares afirmam terem visto as relíquias, das quais saía um brilho como de prata. O governo não permitiu ao bispo de Fulda o exame mais minucioso e o caixão de chumbo tornou a ser enterrado.
Oxalá que a igreja da querida Santa Isabel abra outra vez as portas à fé que a construiu e que nesses altares veneráveis seja oferecido novamente o santo sacrifício da Missa e o povo volte à profissão da fé primitiva e à devoção da querida Santa, hoje esquecida no pais, onde viveu, sofreu e se santificou.
REFLEXÕES
Doze regras de vida recebeu Santa Isabel do confessor, regras que merecem a atenção de todos que aspiram à perfeição cristã. São as seguintes:
1º Sofrei com paciência os desprezos, no seio da pobreza voluntaria.
2.º Dai à humildade o primeiro lugar no vosso coração.
3.º Renunciai às consolações humanas e aos apetites da carne, pois que preparam à alma os castigos eternos.
4.º Sêde sempre misericordioso para com os pobres.
5.º Tende constantemente a lembrança de Deus gravada no fundo do coração.
6.º Dai graças a Deus Santos de haver, por sua morte, resgatado vossa alma do inferno e da morte eterna.
7.º Assim como Deus sofreu por vosso amor, carregai também pacientemente a vossa cruz.
8.º Consagrai-vos inteiramente a Deus, de corpo e alma.
9.º Recordai-vos repetidamente, que sois obra das mãos de Deus e, por conseguinte, esforçai-vos para poderdes viver eternamente com Ele.
10.º Fazei ao próximo que quereis que vos faça.
11.º Considerai a brevidade desta vida, na qual morrem tanto os jovens como os velhos; aspirai, pois, sempre à vida eterna.
12.º Chorai, sem cessar, os vossos pecados e pedi a Deus que vo-los perdoe.
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.
Última atualização do artigo em 25 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico