Santa Margarida Maria de Alacoque († 1690)
Margarida Alacoque nasceu em França, a 22 de julho de 1647, no território de Verosvres, em Charolais, onde o pai era notário real, e foi batizada no dia 25 do mesmo mês. A graça divina reinou, desde então, soberana na alma inocente desta criança privilegiada.
Na idade de quatro anos, a pedido da nobre madrinha, foi levada para o castelo de Corcheval, onde o luxo e os prazeres da alta sociedade não puderam empanar-lhe o brilho da inocência. Nem se quer puderam prejudicar lhe os maus exemplos e o perigoso contato de uma criada pouco cristã, à qual tinha sido confiada; pois Margarida, adivinhando que o bom Deus não habitava no coração dessa infeliz, evitava-lhe constantemente a companhia, para procurar a de uma outra empregada que, sob aparências rudes e pouco atraentes, ocultava uma virtude solida e real. O maior prazer da menina era rezar na capela do Castelo, aproximando-se então o mais possível do Tabernáculo. Cedendo aos impulsos do Espírito Santo, repetia continuamente, sem mesmo compreender o que dizia: “O meu Deus! consagro-Vos minha pureza e faço-Vos o voto de perpétua castidade!” Assim a cumulava Jesus das bênçãos de sua doçura celeste e assinalava-a ciosamente com seu selo divino.
O que fôra em Corcheval, continuou Margarida a ser em Verosvres, quando regressou à casa paterna. Tinha como única ambição ocultar-se a todos os olhares, para melhor gozar de seu Deus. Sabia o segredo de viver em perpétuo holocausto e as primícias de suas mortificações corporais já deixavam prever a sêde de sofrimento, que um dia lhe devoraria a alma. Não tardou, aliás, que a cruz se lhe plantasse no coração generoso. Com a morte do pai, foi internada no pensionato das Clarissas, onde fez a Primeira Comunhão, com cerca de 9 anos de idade. Uma moléstia estranha apoderou-se lhe do organismo, sendo forçada a deixar as boas Irmãs e as caras condiscípulas, que tanto a amavam. Durante quatro anos esteve sob o jugo desses sofrimentos inexplicáveis, que nenhum remédio conseguiu aliviar. Margarida fez então voto à Santíssima Virgem de pertencer um dia ao número de suas Filhas, se a curasse. A Mãe de misericórdia restituiu-lhe logo a saúde.
Voltando à vida, Margarida não receou seguir o pendor natural de seu temperamento jovial e divertir-se alegremente, como as pessoas do mundo. Nosso Senhor soube, porém, detê-la à beira desse abismo. A mãe de Margarida, despojada de sua autoridade no próprio lar, após a morte do marido, sofria um verdadeiro cativeiro, do qual compartilhava a filha. Foi para Margarida uma boa ocasião de fazer o noviciado de renúncia. O que mais lhe custava, era ver se desprovida de recursos para tratar da mãe enferma. Os seus próprios sofrimentos, fazendo-lhe compreender quanto sofrem os pobres, levaram-na a tornar-se, nesta época, dedicada consoladora dos pobrezinhos. Atrás dessas pobres criaturas via Jesus Cristo, seu Salvador e seu Deus e para contenta-lo, que não faria? Por amor d’Ele, fez-se ainda mãe espiritual e professora de numerosas criancinhas pobres e com que santo ardor cumpria esta laboriosa tarefa! Há muito já que Nosso Senhor instava com Margarida, para que cedesse à voz misteriosa de seu amor, que a chamava ao claustro. Muitas vezes se dignava mostrar-se lhe, sob a figura do Ecce-Homo e no estado em que o pôs a flagelação, censurando-lhe a longa resistência à graça. Foi num dia, após a Santa Comunhão, que Ele triunfou das hesitações de sua Serva, dizendo-lhe: “Se me fores fiel e me seguires, ensinar-te-ei, a conhecer-me e manifestar-me-ei a ti”.
A partir desse momento, o Crucifixo se tornou o Mestre predileto da jovem. Nessa escola sagrada retemperava a alma, para as últimas lutas no mundo. Quando se sentia dilacerada pela dor, ia pedir forças aquele que não fere senão para curar e atirando-se aos pés do Senhor Crucificado, dizia-lhe: “O meu querido Salvador, como seria feliz, se imprimísseis em mim Vossa imagem sofredora!” E Jesus respondia-lhe: “É o que pretendo fazer, contanto que não me resistas e contribuas por teu lado para esse fim”.
A Santíssima Virgem veio-lhe poderosamente em auxílio, e foi sob a proteção da Mãe celeste que conseguiu a certeza de entrar para um mosteiro de Santa Maria, entre tantos outros conventos que lhe tinham sido propostos. Falaram-lhe em Paray le Monial, da Ordem da Visitação e o coração dilatou-se-lhe de alegria. A certeza da vontade divina confirmou-se lhe em breve na alma: quando pela primeira vez se apresentou no parlatório do Convento, ouviu distintamente esta palavra interior: “É aqui que te quero!” Ficou tão encantada, que ultimou prontamente os negócios e voltou em breve, para a entrada definitiva no querido Paray. Era 20 de junho de 1671. Margarida contava então 24 anos de idade.
A Superiora e a Mestra de noviças, almas cheias de experiência e santidade, acolheram a jovem Margarida como um rico presente do céu à Comunidade. Reconhecendo nela uma alma eleita, de virtude a toda prova, trataram-na como se tratam os amigos de Deus, não lhe poupando provações de toda a espécie. Cerca de dois meses após a entrada no mosteiro, isto é, a 25 de agosto de 1671, Margarida recebeu o hábito da Ordem da Visitação e com o véu de noviça, o nome de Margarida Maria. Cumulada de graças extraordinárias da parte do Salvador, Irmã Margarida Maria tornou-se ao mesmo tempo objeto de um tratamento severo da parte das Superioras. Querendo estas experimentar, se o espírito que a animava era bom ou suspeito, retiravam-na constantemente dos exercícios espirituais, mortificando lhe sobretudo o grande atrativo para a contemplação e mandando-a varrer em lugar de fazer oração. Humilde e sorridente, a fervorosa noviça entregava-se às modestas e laboriosas funções, gozando por toda a parte da presença de seu Deus.
No dia de sua profissão religiosa, a 6 de novembro de 1672, traçou, ditada pelo Divino Mestre, uma regra de conduta, que determinava por esta humilde, mas corajosa divisa, inteiramente escrita e assignada com o próprio sangue: “Tudo de Deus e nada meu! Tudo por Deus e nada por mim! Tudo para Deus e nada para mim!” Nosso Senhor acabava de dizer-lhe: “Eis a chaga de meu lado, para aí fazeres tua morada atual e perpetua.”
Toda a vida de Margarida Maria não foi senão um só tecido de fatores sobrenaturais, até culminar nas grandes revelações do Coração Divino, as quais deviam constituir a missão da humilde Serva de Deus.
No dia 27 de dezembro de 1673, festa de São João Evangelista, quando estava diante do SS. Sacramento, eis que Jesus lhe apareceu, fazendo-a repousar longamente sobre seu Divino Coração e abrindo-lhe pela primeira vez, disse-lhe: “Meu Divino Coração está tão apaixonado de amor pelos homens, por ti em particular, que, não podendo mais conter em se mesmo as chamas de sua ardente caridade, é mister que as propague por teu intermédio”. Mostrou-lhe outra vez o Sagrado Coração, encimado por uma cruz e cercado de espinhos, revelando-lhe que essa cruz aí fôra plantada desde o primeiro instante da Encarnação. Assegurou-lhe em seguida que tinha especial prazer em ser honrado sob a figura desse Coração de carne, cuja imagem desejava que fosse exposta em público, para atrair sobre os homens toda a espécie de bênçãos.
Queixou-se lhe ainda outro dia Jesus que ninguém se esforçava por saciar-lhe a sede ardente que tem, de ser honrado pelos homens no SS. Sacramento, pedindo-lhe que reparasse, quanto pudesse, essa ingratidão, que lhe era mais sensível que tudo quanto havia sofrido na Paixão. Ordenou-lhe, para isso, receber a Santa Comunhão especialmente na 1ª sexta-feira do mês e avisou-lhe que a faria participar, todas as noites de quinta para sexta-feira, da tristeza mortal que sentiu no Jardim das Oliveiras, mandando-lhe que se levantasse, para esse fim, entre 11 horas e meia noite e se prostrasse com a face em terra, para aplacar a justiça do Pai Celeste, irritado contra os pecadores. Era a devoção da Hora Santa, que assim lhe revelava.
Margarida Maria revelou tudo à Superiora, cujo consentimento Nosso Senhor desejava. Esta, porém, começou por humilha-la o mais possível, com grande prazer da humilde religiosa, enamorada dos encantos da cruz, a qual considerava como uma prova de amor do Divino Esposo.
Apresentou-se lhe de novo Jesus, em junho de 1675, durante a oitava do SS. Sacramento e descobrindo-lhe o seu Divino Coração, disse-lhe: “Eis aqui este coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e consumir, para testemunhar-lhes o seu amor, e em troca, não recebo da maior parte senão ingratidões, irreverências e sacrilégios, friezas e desprezos que têm para comigo, neste Sacramento de amor. Mas o que me é mais sensível, é que são corações que me são consagrados, que assim procedem. Desejo por isso, que a primeira sexta-feira após a oitava da Festa do Corpo de Deus seja festejada de um modo particular, para honrar meu Coração; peço-te comungues nesse dia e faças reparação honrosa pelas irreverencias que ele sofre, quando está exposto sobre os altares. Prometo-te que meu Coração se dilatará para derramar com abundancia os eflúvios do divino amor sobre aqueles que lhe prestarem esta honra e propagarem esta devoção.” Mandou-lhe ainda o Salvador que se dirigisse ao seu Servo, o Padre de La Colombiére, piedoso Jesuíta que a Providencia Divina tinha enviado, para ser o conselheiro e amparo da humilde religiosa e que não teve dificuldade em tranquilizar as Superioras e bem assim a submissa Serva de Deus, de cuja santidade eminente estava convencido. O venerando sacerdote não podia pôr em dúvida a veracidade da mensagem e, após haver refletido e orado, julgou de seu dever, começar sem demora a corresponder aos desejos do Divino Coração, consagrando-se desde logo, a 21 de junho de 1675, sexta-feira após a oitava da festa do SS. Sacramento, de corpo e alma, ao serviço e amor do S. Coração de Jesus.
Era, porém, apenas uma semente, oculta a devoção que assim se iniciava, e que antes de geminar em pleno sol e produzir fruto ao cêntuplo, devia custar ainda à generosa Apóstola do Coração de Nosso Senhor muitas lutas, trabalhos e humilhações cruciantes. Para torna-la uma vítima de expiação, o Divino Mestre sabia multiplicar-lhe ao longo do caminho as ocasiões de sofrimento e imolação, a par dos muitos favores celestes, de que a cumulava. Ao mesmo tempo, porém, a virtude exemplar da Santa triunfava de todas as prevenções de suas Irmãs de hábito. Nomeada mestra das noviças, tratou logo de incutir naquelas almas inocentes a devoção ao Coração Divino, e pouco a pouco foi esta se propagando e cativando o coração de todas as religiosas do mosteiro, mesmo daquelas que d’antes se mostravam mais infensas a essa bendita Obra. O entusiasmo foi tão geral, que logo se decidiu a ereção de uma capela ao Sagrado Coração, numa das extremidades do recinto do mosteiro.
Em breve por todo o mundo se propagou e tomou incremento a piedosa devoção, tornando-se por toda a parte, como já o fôra no mosteiro de Paray le Monial, uma fonte admirável de renovação espiritual, um foco inflamado daquele fogo do amor divino, que Jesus veio trazer à terra. Margarida Maria, cercada dos carinhos e veneração de suas Irmãs, sentia acabada sua missão na terra e com prazer predizia: “Não mais viverei, porque nada mais sofro.” Não vivia mais senão de amor e para o amor. A cada instante se lhe escapavam dos lábios ou da pena palavras abraçadas de amor: “Sem o SS. Sacramento e a cruz eu não poderia viver e suportar, meu longo exílio!” Mais que ninguém sentiu o que escrevera: “Ah! como é doce morrer, após ter tido uma constante devoção ao Coração d’Aquele que nos deve julgar!” A 17 de Outubro de 1690 foi abismar-se para sempre no Sagrado Coração de Jesus.
Pio IX beatificou-a a 18 de setembro de 1864 e a 17 de março de 1918 o S. Padre Bento XV se dignou promulgar o decreto de canonização da Serva de Deus.
Oração
Senhor Jesus Cristo, que de uma maneira admirável vos dignastes revelar à Santa Virgem Margarida Maria as insondáveis riquezas do Vosso Coração, concedei-nos, pelos seus méritos e à sua imitação, que, amando-Vos em tudo e acima de tudo, possamos ter uma mansão no Vosso Coração. – Oh! Vós, que, sendo Deus, viveis e reinais, etc.
REFLEXÕES
Grande, sublime é a vocação, que Deus deu a Santa Margarida Maria; primeiro por causa do objeto da Devoção do Sagrado Coração de Jesus. É a devoção ao divino Salvador, ao Filho de Deus, a Deus mesmo, ao seu Coração, que é o símbolo do seu amor a nós, pobres homens. No esplendoroso firmamento das verdades sobrenaturais da nossa Religião há um ciclo de mistérios, que excedem a todos em clareza e majestade, e aos quais os demais se agregam quais estrelas concomitantes e de que recebem seu brilho, seu fulgor. É a tal chamada ordem da União hipostática, a síntese das verdades e mistérios da pessoa, da vida e das obras de Jesus. A este grandioso ciclo pertence a Devoção ao Sagrado Coração: na divina constelação é ela uma estrela de primeira grandeza; mais: é o complemento e a glorificação de todos os outros mistérios. Cooperar para que esta devoção se torne mais conhecida e apreciada entre os homens, não é invejável vocação?
Esta vocação é importante também pelos grandiosos efeitos da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus. As grandes devoções da Igreja são poderosas alavancas no engenho misterioso, da graça, verdadeiros mananciais de salvação, de que jorram torrentes de graças regeneradoras, de luz e de pureza para os homens; são ancoras seguras, que trazem salvação a milhões de almas náufragas, ansiosas por se elevarem a regiões mais puras; são poderes espirituais, capazes de fazer acordar, elevar e renovar gerações inteiras. Uma destas Devoções é a do Sagrado Coração de Jesus. As promessas que acompanharam sua revelação, abrangem e santificam a vida toda, todos os estados e condições e satisfazem a todas as necessidades do mundo cristão. A Devoção ao Sagrado Coração de Jesus veio a ser o lábaro da salvação do nosso tempo.
O instrumento na mão de Deus, para o mundo conhecer este culto suavíssimo do Sagrado Coração tem sido a humilde religiosa do Convento de Paray-leMonial, Santa Margarida Maria Alacoque. Ela tem sido seu anjo, seu arauto, sua apóstola. Quem é o católico fervoroso que não queira receber em seu coração uma centelha do amor que incendiava a alma de Margarida Maria Alacoque: quem é que não queira, semelhante a ela, ser participante das bênçãos do Sagrado Coração de Jesus e apóstolo desta tão acreditada e salutaríssima devoção? (Meschler)
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.
Última atualização do artigo em 13 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico