Santa Teresinha do Menino Jesus

Santa Teresinha do Menino Jesus († 1897)(*)

Se Deus dá à Igreja Santos e Santas, não menos verdade é, que uma das primeiras condições de futura santidade é, fora da graça de Deus, a santidade dos progenitores. É justamente esta circunstância particular que se observa em relação à Santa Teresa do Menino Jesus. Eram santos os pais.

Luiz José Estanislau Martin, aos vinte anos, teve ardente desejo de tomar o hábito de S. Bernardo, mas reconhecendo que os desígnios da Divina Providência eram outros, desistiu do plano. Zélia Guerin, jovem de muita piedade e de caráter enérgico e franco, aspirava a ser admitida, entre as Irmãs de S. Vicente de Paulo, e para este fim solicitou entrada na Congregação das mesmas, em Alençon. As superioras reconhecem não ser esta a vontade de Deus e, sem hesitação, disseram-lhe sua opinião a este respeito. Zélia, resignando-se com esta decisão, repetia muitas vezes no íntimo da alma esta prece:

“Meu Jesus, já que não sou digna de ser vossa esposa, como minha irmã querida (**), abraçarei o estado de matrimônio, para cumprir a vossa vontade santíssima. Peço-vos, porém, encarecidamente, sejais servido conceder-me muitos filhos e que todos vos sejam consagrados”.

Deus, em sua paternal bondade, reservava para esta alma predileta o virtuoso jovem já mencionado e, graças a circunstâncias visivelmente providenciais, realizou-se o enlace matrimonial de ambos, aos 12 de julho de 1858, na igreja de Nossa Senhora de Alençon. Por muitos meses, sendo este o íntimo desejo de Luiz Martin, viveram como irmãos, até que se convenceu ser melhor compartilhar da aspiração da virtuosa esposa, de poder oferecer a Deus os frutos do abençoado matrimônio. Fez sua a súplica do casto Tobias, que assim rezara: “Se tomo esposa nesta terra, bem sabeis, ó meu Deus, que o faço levado unicamente pelo desejo de obter uma posteridade, na qual o vosso nome seja bendito por séculos sem fim.”

Houve Deus por bem aceitar com agrado a santa disposição do piedoso casal e deu-lhe nove filhos, que no santo batismo tiveram os seguintes nomes: Maria Luiza, Maria Paulina, Maria Leonia, Maria Helena (falecida aos cinco anos e meio de idade), José Maria, Maria José, João Baptista, Maria Celina, Maria Melania Teresa (falecida três meses depois do nascimento) e Maria Francisca Teresa.

Depois do nascimento das quatro filhas; mais velhas, era ardente o desejo do piedoso casal de ter um filho, que futuramente servisse a Deus como missionário, e nesta aspiração dirigiram-se confiadamente a S. José. As orações foram ouvidas e o coração dos pais encheu-se de doce júbilo, quando lhes nasceu o primeiro filho, a quem deram o nome de José Maria. Mas os pensamentos do Senhor não são os nossos, nem os seus são os nossos caminhos. Assim aconteceu que, ao cabo de cinco meses apenas, o pequeno José trocasse este deserto pelos tabernáculos do Senhor.

Empenhados em alcançar do céu para sua família um sacerdote, um missionário, os pais instaram novamente com ardentes súplicas e grande lhes foi a alegria quando um outro pequenino José veio tomar o lugar do irmãozinho falecido. Nove meses se passaram e também esta florzinha se viu transplantada para os canteiros celestes.

Desistiram então de pedir ao céu outro missionário. Contudo realizou-se lhes plenamente o desejo na pessoa da última filha, de todas a mais abençoada e privilegiada, alma providencial, a quem Deus deu uma missão grandiosa, verdadeiramente divina.

Nos pais os filhos viam o exemplo de cristãos santos. Amigos da oração, todas as manhãs se reuniram aos pés do altar e à mesa eucarística. Rigorosamente observavam a lei do jejum e da abstinência, eram escrupulosos na santificação do domingo, faziam com assiduidade as práticas de piedade, como a leitura espiritual e a oração em comum. Não faltavam, certamente, provações, mas a única resposta que davam a Deus, era sempre uma total resignação a tudo que sua alta Providência quisesse determinar.

Embora houvesse certo bem estar na família Martin, ninguém se excedia em luxos desnecessários e em tudo reinava grande simplicidade.

Em família de sentimentos tão cristãos e generosos, a virtude da caridade achava terreno mais amplo de atividade.

Das economias, o piedoso casal reservava anualmente avultada quantia para a Obra da Propagação da Fé. A casa estava-lhes sempre aberta para os pobres, e grandes eram as esmolas que lá recebiam. Na distribuição da caridade o Sr. Martin não conhecia o respeito humano e muitos são os casos em que com as próprias mãos servia a pobres desamparados. Não é, pois, caso de estranhar que o nobre homem em suas empresas se visse acompanhado da bênção de Deus. Em 1871 abandonou a ourivesaria, continuando apenas com a fabricação de rendas, conhecidas com o nome de “ponto de Alençon”.

Foi em Alençon, na rua S. Braz, que nasceu a celeste florzinha, Santa Teresa do Menino Jesus, geralmente conhecida pelo nome que o povo cristão lhe deu – Santa Teresinha.

As 11 horas e meia da noite de 2 de janeiro Teresa abria os olhos para este mundo.

No dia do nascimento da “rainhazinha”, (assim o extremoso pai chamava sua filhinha) veio um pobre bater à porta da ditosa família e entregar um papel com estas loas, que mais parecem uma profecia:

Sorri, cresce depressinha,
Tudo te chama à ventura:
Amor, desvelos, ternura …
Sorri à fulgida Aurora,
Botão que nasceste agora,
Rosa mais tarde serás!

Aos 4 de Janeiro a graciosa menina foi levada ao batismo, onde recebeu o nome de Maria Francisca Teresa, servindo-lhe de madrinha a irmã mais velha, Maria Luiza.

Teresa contava apenas quatro anos e meio, quando a morte lhe arrebatou a querida mãe. Foi então que o Sr. Martin resolveu mudar a residência para Lisieux, onde morava o cunhado Guérin, cuja esposa velaria pela educação das orfãzinhas.

Pelo belíssimo exemplo que Teresinha tinha constantemente diante dos olhos, bem cedo se acostumou à prática das virtudes, e decerto é a expressão da verdade o que afirma na autobiografia: que desde a idade de 3 anos nunca recusou coisa alguma a Deus.

Dotada de inteligência superior, treinada pelas experiências colhidas no caminho da provação e da dor, a jovem menina, em bem poucos anos, chegou a demonstrar uma madureza admirável em julgar as coisas divinas e humanas. A esta firmeza de caráter, ao conhecimento profundo das coisas divinas, ao desejo de pertencer a Deus deve-se atribuir o fato de, com 15 anos apenas, se ter resolvido a entrar na Ordem do Carmelo, cuja regra é uma das mais austeras.

Em sua “História de uma alma”, escrita por ordem da superiora, Madre Ignez de Jesus, a nossa Santa, com uma simplicidade encantadora, narra os fatos principais que se ligam à sua vida junto aos pais, no seio da família, a entrada na Ordem, descreve as dificuldades com que lutou, dificuldades de ordem material e espiritual, consolações que teve e graças extraordinárias que recebeu do divino Esposo.

Dos fatos narrados na “História de uma alma” tenham aqui lugar só os mais notáveis.

Teresinha, bem pequenina ainda, fez a primeira confissão e saiu do confessionário muito satisfeita, achando que nunca até então tinha experimentado uma alegria igual.

Certo dia teve uma visão um tanto profética, que muito a impressionou. Estando o pai em viagem, que por longo tempo o afastava da família, Teresinha teve a impressão de ver diante de si um homem alquebrado, de cabeça encanecida e embuçada em véu espesso. Tudo daquele homem, o traje, o andar, a figura, tudo lhe fazia crer que fosse o pai querido. Tomada de estranho terror, chamou por ele com voz trêmula: “Papai, oh papai! ” Mas o personagem assim interpelado não dava sinais de ter ouvido estas palavras e continuou a andar, afastando-se pelas alamedas do jardim. Teresinha nunca mais perdeu de memória  esta misteriosa visão, presságio de futuros padecimentos, de que o pai seria vítima. O Sr. Martin pelo fim da vida sofreu diversos ataques de paralisia, que lhe comprometeram a luz do espírito, de tal modo que durante três anos, foi preciso, ser entregue ao cuidado de pessoas estranhas.

Teresinha tinha oito anos e meio, quando se matriculou no colégio das religiosas beneditinas em Lisieux, como externa.

Embora muito mais nova que as companheiras de classe, tirava as melhores notas em composição, e era muito querida entre as religiosas, razões estas que não poucas humilhações lhe importavam, da parte de alunas menos consideradas e menos inteligentes. Foi neste espaço de tempo que na mente de Teresinha surgiu o primeiro pressentimento de ser por Deus chamada a abraçar o estado religioso no Carmelo. Este pressentimento tomou feições de desejo em 1885, quando a prima e amiga Maria Guérin entrou para o Carmelo de Lisieux.

No retiro que a irmã Celina fazia, em preparação para a primeira Comunhão, Teresa a acompanhou e experimentou as mais suaves impressões. O dia da primeira Comunhão considera-o um dos mais belos da vida.

Comparando-se com as irmãs, Teresa se reconhece menos afeita aos brinquedos próprios da idade infantil, porém mais sensível e choraminga até o excesso. Na família reinava sempre a mais pura harmonia e entre as irmãs e as primas havia o maior entendimento, a mais franca cordialidade.

Teresa era sempre fraquinha e dores de cabeça atrozes atormentavam-na por dias, semanas e meses, acompanhadas às vezes por estranhos tremores. Por vezes caía, em delírio, sem, entretanto, perder o uso da razão. Vinham desmaios, que lhe tolhiam o mais leve movimento. O leito parecia-lhe rodeado de demônios e de precipícios horríveis. Os pregos cravados nas paredes do quarto tinham-lhe aos olhos a forma de dedos enormes, pretos e carbonizados, cuja vista lhe provocava gritos de horror. Em tão tristes lances se via como sempre, rodeada do mais afetuoso carinho do pai e das irmãs e parentes.

Desta doença, que resistia a todos os recursos da ciência médica, a santa menina se viu curada por Maria Santíssima. Celina, vendo baldados todos os esforços para conservar a vida da querida irmã, invocou, com todo o fervor de mãe que suplica, a Maria Santíssima, representada numa estátua, que a família Martin tinha com muita veneração. A estátua, a mesma que se vivificara aos olhos da mãe de Teresa, animou-se de súbito também na presença desta: “A Virgem Santíssima adiantou-se para mim, e sorriu… ” Celina, ao vê-la fitar os olhos na estátua, disse de si para si: “Teresa está curada.” De fato, estava. No momento em que a irmã dizia isto consigo, o rosto de Teresa tornara-se diáfano e estava transfigurado. A fisionomia denunciava-lhe algo de sobrenatural. As pessoas presentes a esta cena sentiram-se tomadas de pasmo e admiração. Não havia dúvida que Teresa em êxtase vira Maria Santíssima.

Grande prazer experimentava Teresa em ler livros que se lhe davam e, admirando a vida extraordinária de certos personagens históricos da França, por exemplo a de Santa Joanna d’Arc, sentia às vezes grande ímpeto de imita-los.

Deu, porém, fê-la compreender que sua vocação não era brilhar aos olhos dos mortais, mas fazer-se santa. Convencida disto, nunca mais perdeu de vista este grande ideal de tornar-se santa.

Restabelecida do terrível mal que a acometera e quase a levara às portas da eternidade, o pai proporcionou-lhe o grande prazer de um passeio agradabilíssimo, ocasião em que começou a conhecer o mundo. Via-se então muito festejada; admirada por todos, sem, entretanto, compreender o motivo de tantas atenções. Embora não fosse insensível as carícias de pessoas amigas, bem cedo chegou à conclusão de que tudo é vaidade, exceto amar e servir a Deus.

Pessoas da intimidade, por exemplo as mestras, notaram em Teresa grande inclinação à oração mental. A menina meditava de fato, sem, contudo, dar conta de tal e chamava a isto pensar.

Diz ela que fez a primeira Comunhão nas melhores disposições. Três meses empregou na preparação. Ela mesma confessa ser-lhe impossível contar as impressões que teve, no momento de receber a sagrada Hóstia. “Meu encontro com Jesus naquele dia não podia ser apenas um simples olhar, mas era sim uma fusão. Já não éramos dois. Teresa desaparecera, como a gota d’agua que se abisma no seio do oceano. Restava só Jesus e era o Senhor, o Rei! “Tão intensa, tão profunda lhe era a alegria, que não pôde conter as lágrimas, o que despertou grande admiração nas pessoas que assistiam e que julgavam serem lágrimas de saudades da mãe e da irmã carmelita. Mas era só alegria, alegria inefável e profunda, que lhe enchia o coração.

Pouco tempo depois recebeu o sacramento da Confirmação, em preparação para o qual fez novo retiro. Foi na Confirmação que recebeu a força de que precisava, para o martírio da alma, que estava a anunciar-se.

Uma graça extraordinária Teresa viu no modo por que Deus a desiludiu das afeições humanas. Os anos que se seguiram à primeira Comunhão, foram anos de estudo, mas também de provações e escrúpulos atormentadores.

Na “História de uma alma” Teresa não faz segredo nenhum dos seus defeitos e fala-nos de pequenos laivos de vaidade, da extrema sensibilidade, que a fazia chorar, por coisas de nonada. Esta sensibilidade parecia-lhe tão pronunciada e tão insuportável, que chegou seriamente a duvidar da possibilidade de ser admitida no Carmelo, como tinha ardente desejo.

O ideal de ser religiosa Carmelita desenhava-se cada vez mais nítido, na alma da piedosa donzela. Obter o consentimento do pai e das irmãs e pedir admissão na Ordem não era tão difícil como a princípio se lhe afigurara. Mas o tio era de parecer contrário, achando imprudente uma jovem de quinze anos apenas entrar numa Ordem tão austera, como é a das Carmelitas. Não só se declarou contrário à ideia, mas ainda acrescentou que se havia de opor à execução de tal plano, caso não houvesse a intervenção de um milagre.

Vendo contrariado o seu pensamento e profundamente amargurada, Teresa pôs-se a rezar e pediu a Jesus que fizesse o milagre exigido. Aconteceu que neste tempo de tribulação lhe sobreviesse uma aridez de espírito dolorosíssima, sentindo-se por completo abandonado da parte de Deus durante três dias. Quando menos o esperava, porém, teve a satisfação de ver o tio completamente mudado a esse respeito. Já não exigia o milagre, uma vez que Nosso Senhor lhe tinha mostrado ser do divino agrado que se fizesse religiosa. “Vai em paz, querida filhinha, – disse-lhe o tio, abraçando-a paternalmente, – és uma florinha privilegiada, que o Senhor quer para si e a isto não me ei de opor”.

Levantou-se, entretanto, outra dificuldade e esta era de natureza muito séria, mesmo insuperável: a recusa formal do Superior do Carmelo de receber na Ordem uma donzela de quinze anos. Idêntica foi a decisão do Bispo de Bayeux, se bem que este, muito comovido pela insistência com que Teresa apresentou o pedido, secundado pelas afinações do pai, não lhe cortasse o fio da esperança, prometendo-lhe falar com o Superior a respeito e responder-lhe então.

Um dos capítulos mais característicos da vida de Santa Teresa do Menino Jesus é sem dúvida aquele em que conta a viagem a Roma, que se efetuou três dias depois da audiência que lhe concedeu o Bispo de Bayeux. Já naquela audiência o pai tinha dito ao Prelado que, no caso de não obter a desejada autorização, a filha não hesitaria em falar ao Santo Padre. Foi o que se deu, como se verá pelo que se segue.

A peregrinação que se destinava a Roma saiu de Paris no dia 7 de novembro de 1887, sob a direção de Mons. Legoux, Vigário Geral de Constance. Estava também entre os peregrinos o Padre Revérony, Vigário Geral de Bayeux, de quem Teresa diz que a observava diligentemente, em toda a viagem.

Chegados à Roma, só em 20 de novembro tiveram a ventura de serem recebidos em audiência no Vaticano. A Santa mesma conta-nos, com toda a minudencia, o histórico dessa audiência.

“Na manhã do domingo (20 de novembro, fomos ao Vaticano. As 8 horas assistimos à Missa do Sumo Pontífice. Acabada a Missa de ação de graças, que se seguiu à do Santo Padre, principiou a audiência. Leão XIII estava assentado na poltrona, em trono elevado, vestido de batina branca e murça da mesma cor. Ladeavam-no diversos Prelados e as mais altas dignidades eclesiásticas. Conforme as prescrições do cerimonial, cada um dos peregrinos ia por sua vez ajoelhar-se, beijar primeiro o pé e logo a mão do augusto Pontífice e receber-lhe a bênção; em seguida dois guardas nobres, tocando-o de leve com o dedo, significavam-lhe que se levantasse para passar à outra sala e ceder o lugar ao seguinte.

Ninguém tugia, mas eu estava resolvidíssima a falar, quando o Revmo. Pe. Révérony, que se pusera à direita de Sua Santidade, nos fez saber publicamente que proibia terminantemente que se falasse ao Santo Padre. Voltei-me para Celina, a interroga-la com o olhar; entretanto dava-me o coração pancadas de faze-lo estalar.

– Fala! – disse-me ela.

Momentos depois estava eu ajoelhada diante do Papa. Beijei-lhe o pé e apresentou-me a mão. Levantando então para ele os olhos cheios de água, dirigi-lhe esta súplica:

– Santíssimo Padre, desejo pedir-vos uma graça importante! – Inclinou logo a fronte até junto do meu rosto; como se os seus olhos pretos e profundos quisessem penetrar até o âmago de minha alma.

– Santíssimo Padre, – insisti – em memória do vosso jubileu, autoriza-me a entrar no Carmelo aos quinze anos!

O Revmo. Vigário Geral de Bayeux, estupefato e descontente, atalhou imediatamente:

– Santíssimo Padre, é uma criança que deseja abraçar a vida do Carmelo, mas os Superiores estão atualmente examinando o caso.

– Pois bem, minha filha, – disse então Sua Santidade, – esteja pelo que decidirem os superiores.

De mãos postas e encostadas aos seus joelhos, fiz esta última tentativa:

– Ó Santíssimo Padre, é só dignar-vos de responder-me sim, para concordarem todos!

Olhou-me fixamente e proferiu estas palavras, martelando cada sílaba, em tom de voz penetrante:

– Pois não… vamos… entrará, se assim aprouver a Deus.

Ia eu insistir ainda, quando se aproximaram dois guardas nobres, acenando que me levantasse. Ao verem que não bastava este aviso, travaram se dos braços e o Revmo. Padre Révérony veio também os ajudar a erguer-me, visto como ainda, me deixava ficar queda, de mãos postas e apoiadas nos joelhos do Papa.

No momento em que era assim removida, o bom do Santo Padre pôs suavemente a mão sobre os meus lábios e ergueu-os logo depois para me abençoar e por largo espaço de tempo esteve me acompanhando com o olhar.”

***

Tornados a Lisieux, a primeira visita foi ao Carmelo. Um novo requerimento que Teresa fez ao Prelado diocesano, não teve pronto despacho, como desejava e esperava. Passou-se o Natal do ano de 1887, sem obter resposta alguma. O dia 1° de janeiro de 1888 tirou-a afinal da incerteza. Foi nesse dia que a Madre Maria de Gonzaga lhe comunicou ter recebido autorização do Bispo para recebe-la imediatamente, como postulante, no Carmelo. Na carta a Superiora acrescentava que só depois da quaresma a entrada se poderia efetuar.

O dia 9 de abril de 1888 trouxe-lhe afinal a ventura da entrada no Carmelo. Bem depressa se livrou das emoções, que acompanharam a despedida do pai, das irmãs, da casa paterna e com intenso júbilo na alma, folgava de repetir: “Cá estou para todo o sempre!”

Desde o começo da vida religiosa no claustro, pôde Teresa experimentar as provações com que Nosso Senhor costuma mimosear seus prediletos. Uma aridez espiritual parecia ser-lhe o pão quotidiano e a Madre Superiora introduziu-a logo nas práticas costumeiras do Carmelo, tratando-a sempre com extraordinária severidade, não lhe perdoando a mínima falta que cometesse. Destarte Teresa bem cedo se habituou a considerar na Superiora não a criatura, mas a pessoa de Nosso Senhor, ficando assim preservada de afeições humanas no claustro, que são uma verdadeira calamidade.

Extraordinária e mui significativa é a declaração que Teresa fez, no exame canônico que lhe precedeu a profissão, dizendo: “Vim para salvar as almas e especialmente para rezar pelos sacerdotes.” Fiel a este propósito, ofereceu-se a Jesus como vítima, convencida de que só pelo sofrimento poderia fazer algum bem às almas. Durante cinco anos realizou esta prática, sem que pessoa alguma o soubesse.

Em 10 de Janeiro de 1889 recebeu o hábito, cerimônia a que presidiu o Bispo Diocesano e que se revestiu de grande solenidade, estando presentes as irmãs de Teresa. Para satisfazer o desejo do pai, usava naquele dia vestido de veludo branco, guarnecido de cisne e ponto de Alençon. Trazia soltos e deitados sobre os ombros os grandes anéis de cabelos louros e lírios firmavam-lhe o adorno virginal. Acompanhada pelo pai, entrou solenemente na capela.

Para o Sr. Martin foi um triunfo e também sua última festa no mundo, pois um mês depois foi acometido de grave doença, que o levou à sepultura seis anos após.

O tempo do noviciado passou célere, entre as práticas de piedade, de virtude e mortificação, sem que houvesse ocorrido fato de maior relevância.

Decorrido um ano, passou pela decepção de não poder professar. Declarou-lhe a Superiora que, devido à oposição formal do Revmo. Padre Superior, havia de esperar mais oito meses. A própria Santa confessa que a princípio lhe custou aceitar tamanho sacrifício, mas, ajudada pela graça divina, conformou-se inteiramente com a decisão de quem fazia as vezes de Jesus.

Passado o tempo da provação, ficou marcado o dia 8 de setembro de 1890 para a profissão religiosa.

Horas antes da profissão religiosa, recebeu de Roma a bênção do Santo Padre, fato que muito a consolou, tendo durante o retiro espiritual experimentado a mais completa aridez. Permitiu Deus que sua serva, no dia que precedia a profissão, fosse horrivelmente perturbada por tentações a respeito da vocação. “A minha vocação – assim escreve – afigurou sê-me de improviso simples sonho e quimera; o demônio – pois era ele mesmo – inspirava-me a convicção de que a vida do Carmelo não me convinha por forma alguma, e que enganava os Superiores, metendo-me por um caminho ou instituto de vida para o qual não fora chamada. Tão densas se amontoaram estas trevas, que cheguei a persuadir-me de uma coisa única: não tendo vocação religiosa, devia voltar ao mundo.” Foram angústias indescritíveis e para dissipa-las Teresa foi ter-se com a mestra e manifestou-lhe a tentação. Foi o bastante, para lhe voltar a calma e o sossego.

Se procuramos saber que meios Santa Teresa empregou para chegar a tão alto grau de perfeição, que a Igreja e com esta todos os fiéis lhe admiram, descobriremos três: – a oração, a vida unida a Nosso Senhor, a mortificação e o amor sem limites a Deus. É este o pequeno caminho de que fala no seu testamento, aquele caminho que lhe deu tanta paz e alegria espiritual.

Diz a “História de uma alma”: “Se a santinha opera hoje transformações, maravilhosas nos corações, se é imenso o bem que vai fazendo na terra, podemos crer legitimamente que o comprou pelo mesmo preço que custou a Jesus o resgate das nossas almas, isto é, pelo sofrimento e pela cruz. Não lhe foi o menor dos martírios a luta corajosa que empreendeu, sem tréguas, contra si mesma, negando toda e qualquer satisfação às exigências da natureza ardente e briosa. Desde criança se habituara a nunca apresentar desculpas e nunca se queixar; no Carmelo se apostou a ser em tudo a humilde serva das irmãs. Animada deste espírito de humildade, fazia por obedecer a todos indistintamente.”

O espírito de sacrifício era-lhe universal. Tudo quanto havia de mais penoso e menos agradável, por isso mesmo o procurava com sofreguidão. Tudo o que Deus lhe pedia, dava-lo sem reserva. O que mais a martirizou fisicamente, como o confessa, foi a privação do fogo durante o inverno. “O frio tem sido para mim um tormento de morte.”

Na Sexta-Feira Santa (3 de abril de 1896), apareceram os primeiros anúncios da “chegada do Esposo”. Frequentes eram as hemoptises que lhe sobrevinham, mas a Santa sabia habilmente as disfarçar, tanto que só em maio de 1897 as Irmãs souberam do verdadeiro estado de sua saúde.

Tão familiarizada estava com o sofrimento, que no fim da vida pode afirmar: “cheguei a ponto de não poder já sofrer, porque todo o sofrimento se me torna suave.”

A sua inteira conformidade com a vontade de Deus tem expressão nítida nas palavras que na autobiografia lhe encontramos: “Não desejo a morte nem tão pouco a vida e se Nosso Senhor me deixasse a escolha, não escolheria nem uma nem outra; quero unicamente o que Ele quer; o que Ele faz, é também o que amo.”

O estado de saúde da querida Santa em 1897 começava já a causar sérias apreensões às Irmãs e em julho do mesmo ano foi preciso transferi-la definitivamente para a enfermaria. Os últimos meses foram de sofrimentos incalculáveis, causados por um desânimo, que o demônio lhe preparava, atormentando-a com tentações contra o amor de Deus. “Tens certeza – dizia-lhe a voz maldita – de ser realmente amada por Deus?”

Quando em 30 de julho recebeu a Extrema-unção, disse, jubilosa, às Irmãs: “A porta da minha escura prisão está entreaberta; estou radiante, principalmente depois que o nosso Padre Superior me assegurou que a minha alma se assemelha hoje à de uma criancinha recém-batizada.”

Desde o dia 16 de agosto até 30 de setembro as frequentes hemoptises não lhe permitiam receber a santa Comunhão, sacrifício este que de todos lhe era em extremo sensível.

Que Santa Teresa teve conhecimento da morte próxima, prova-o o que em 1895 disse a uma religiosa veterana e fidedigna: “Ei de morrer muito breve: não digo que será daqui a alguns meses, isto não; mas, dentro de dois ou três anos, quando muito; tiro este pressentimento do que me vai dentro da alma.”

São dos últimos dias de sua existência estas memoráveis palavras: “Nunca dei a Deus senão amor e com amor também me há de recompensar. Depois da minha morte farei cair uma chuva de rosas. Sinto que está chegando a hora de desempenhar a minha missão – a de fazer amar a Nosso Senhor como o amo… de dar a conhecer a minha veredazinha às almas. Quero passar o meu céu empenhada em fazer bem na terra. Não é coisa impossível, visto como mesmo no seio da visão beatifica os Anjos estão velando por nós. Não, até o fim do mundo não poderei descansar!

Mas, quando o Anjo disser: “o tempo já não existe! – só então descansarei e poderei gozar, porque já estará completo o número dos eleitos.”

Muitas coisas edificantes disse ainda Santa Teresa às Irmãs, nos últimos dias de doença.

Entretanto, a dor aumentava de dia para dia. A fraqueza chegou a tais extremos, que a doente sem auxilio não podia fazer o mais leve movimento. Causava-lhe aflição horrível ouvir falar perto de si. A febre martirizava-a de tal maneira, que só com grande esforço podia pronunciar uma palavra. Mas no meio de todo este sofrimento, um leve sorriso lhe aflorava aos lábios.

Chegou, afinal, o dia 30 de setembro, o dia de sua santa morte. Estreitando o crucifixo nas mãos, parecia absorta em profunda meditação. Quando o sino do Mosteiro tocou às Ave-Marias vespertinas, fixou na Virgem Imaculada um olhar inexprimível. Cobria-lhe o rosto um suor copioso: tremia. As sete horas e poucos minutos perguntou à Madre Priora:

– Minha Madre, não será talvez a agonia? Não estou nas últimas?

– Pois não, minha filha, é a agonia; mas Jesus quer prolonga-la talvez algumas horas.

E ela, muito resignada:

– Pois bem… vamos…. vamos… oh! não quisera que se me abreviassem os sofrimentos…

E olhando para o crucifixo:

– Oh!… Amo-o!… Meu Deus, eu vos… amo!!!

Foram estas suas últimas palavras; pronunciando-as, deixou-se cair sobre o leito, numa atitude semelhante à de algumas virgens mártires, que se dispunham a receber o último golpe. De repente se ergueu, como se fosse para atender a uma voz misteriosa, abriu os olhos, e fitou-os com uma expressão de júbilo indizível, um pouco acima da imagem de Nossa Senhora. Isso durou mais ou menos a recitação de um “credo” e sua alma voou para os paramos celestes.

Logo depois da morte de Teresinha, começaram a dar-se na comunidade fatos extraordinários. Verificou-se a profecia da Santa, que disse: Depois da minha morte farei cair uma chuva de rosas.

O mundo católico encheu-se de admiração pela santidade da humilde carmelita de Lisieux, e Deus glorificou-a, fazendo-a benfeitora da humanidade, como provam os milagres, que apareceram às centenas.

Treze anos depois da morte, procedeu-se lhe à exumação do corpo e nesta ocasião foi encontrada intacta e verde a palma que as religiosas lhe tinham posto na mão, logo após a morte.

Beatificada em 1923, S. S. o Papa Pio XI, no ano do jubileu de 1925, lhe deu a honra dos altares. As relíquias, depositadas na capela do Mosteiro do Carmello em Lisieux, repousam numa riquíssima urna de prata dourada, oferecida pelos católicos do Brasil.

REFLEXÕES

O segredo da santidade de Teresa do Menino Jesus está na perfeita harmonia das virtudes que lhe adornaram a alma e a tornaram tão agradável aos olhos de Deus. São: a humildade e a simplicidade, abnegação de si própria, levada até o heroísmo, o espírito de sacrifício, um amor sem limites a Nosso Senhor e uma confiança sem reserva em Deus. Como não há nada de extraordinário na vida desta santa carmelita, seu exemplo é perfeitamente imitável por todos que seriamente querem a salvação de sua alma. Basta imitar lhe as virtudes, invocar lhe a poderosa intercessão. O Espírito Santo, que rege a Igreja de Deus sobre a terra, reservou esta mimosa flor do céu para os nossos tempos, tão pobres de amor e tão saturados de miséria. Graças lhe rendamos por ter dado aos filhos um exemplo tão perfeito de virtudes e santidade, que mostra à humanidade o “pequeno caminho” da santificação. Benfeitora que é dos pobres mortais, que se lhe dirigem nas necessidades materiais e espirituais; padroeira dos missionários que trabalham nas linhas mais avançadas da milícia de Cristo, na terra dos pagãos – a Igreja de Cristo, reverente, curva-se diante desta filha privilegiada, que tanto já fez e mais ainda fará, para implantar o reino de Cristo nos corações dos homens.

Oração:

Senhor, que dissestes: “Se não vos fizerdes como meninos, não entrareis no reino dos céus” – fazei-nos seguir a santa Virgem Teresa em humildade e simplicidade do coração, para que consigamos alcançar os prêmios da vida eterna.

***

(*) Extr. do livro “História de uma alma, escrita por ela mesma”. Trad. do R. P. Armando Lochu, S. J. (Livraria Salesiana – S. Paulo).

(**) irmã mais velha de Zélia, que entrou no Mosteiro da Visitação de Mans, com o nome de Soror Maria Dorothéa e que em 1877 morreu santamente, com a idade de 48 annos.

Santa Teresinha do Menino Jesus – História de uma alma, escrita por ela mesma, trad. do P. A. Lochu S. J.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Última atualização do artigo em 22 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico

Compartilhe:

Picture of Arsenal Católico

Arsenal Católico

O Arsenal Católico é um blog dedicado à preservação e divulgação da tradição católica, abordando tudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana. Aqui, você encontra orações católicas, novenas, ladainhas, documentos da Igreja e reflexões sobre os santos e a doutrina católica. Nosso compromisso é oferecer conteúdos profundos e fiéis aos ensinamentos da Igreja, promovendo a formação e o fortalecimento da espiritualidade de cada visitante.
Encontre-nos aqui

Relacionados